Roberto Bomfim

O carioca Roberto Bomfim nasceu em 12 de março de 1945. Com uma extensa carreira como ator, atuou em mais de 40 novelas, minisséries e teleteatros.

Por Memória Globo


Integrante do movimento estudantil secundarista pré e pós-1964, Roberto Bomfim de Andrade decidiu-se pela carreira artística quando militava politicamente. Após o golpe, participou da criação do Teatro Universitário Carioca, em 1965, e no TUCA teve sua primeira experiência nos palcos, na peça O Coronel de Macambira (Bumba Meu Boi), dirigida por Amir Haddad em 1967. O grupo do qual fazia parte ensaiou durante um ano, e o espetáculo amador foi encenado no Rio, em São Paulo e Brasília.

No ano seguinte passou a trabalhar profissionalmente e, por se destacar, acabou convidado a atuar em TV. Na Globo, onde começou e fez a maioria de seus papéis, viveu personagens que ficaram na memória do público, como Tobias, de Cabocla, Amintas, de Tieta, e Antoninho, de Império. Em paralelo à televisão, seguiu com a carreira no teatro, em montagens importantes como Gota D’Água, em 1975. Mas foi no cinema que atuou mais constantemente, protagonista em filmes como O Rei da Boca e presença marcante em sucessos de bilheteria como A Dama do Lotação.

O ator segue em plena atividade, com projetos para reativar o TUCA e entendendo a telenovela, ontem e hoje, como instrumento de transformação social.

Sou um ator brasileiro, um ator especializado em tipos brasileiros. Nunca fiz um rico, sempre fiz tipos populares porque eu os conheço, ando pelo Brasil inteiro.
Roberto Bomfim em América, 2005. — Foto: João Miguel Júnior/Globo.

Início da carreira

Filho da professora, enfermeira e atriz Noemi Alcântara Bomfim de Andrade e do jornalista, professor e escritor Almir Bomfim de Andrade, Roberto Bomfim não quis cursar uma faculdade, optando pela atividade artística e política. Seu pai havia trabalhado com Getúlio Vargas e, no governo Juscelino Kubitschek, apoiou a concessão de um canal de TV para o empresário Roberto Marinho.

Entrada na Globo

Sua contratação pela Globo, contudo, não teve nenhuma relação com esse fato: aconteceu dois anos após a estreia profissional, em 1968, na peça 'O Capeta de Caruaru', de Aldomar Conrado. Rompendo com setores da esquerda que viam com maus olhos a TV, ele aceitou o convite para trabalhar na emissora, vindo de dois diretores: Augusto César Vanucci e Moacyr Deriquém. Os dois o viram na peça 'Rito do Amor Selvagem' (1969), de José Agrippino de Paula e Maria Esther Stockler, e o chamaram para participar de programas. Vanucci para 'Faça Humor, Não Faça Guerra' e Deriquém para a novela 'Verão Vermelho', de Dias Gomes. Aceitou ambos e começou a trajetória na Globo.

Na novela seguinte, 'Irmãos Coragem', de Janete Clair, o ator representou um bandido que raptava a índia Potira e apanhava do personagem de Cláudio Cavalcanti, durante o resgate da refém. Em 'Selva de Pedra' (1972), da mesma autora, entrou no meio da novela, em um momento de ajustes, por conta de uma trama que não funcionava bem até então. Como José do Estaleiro, aceitou casar com uma mulher grávida, a Jane, par romântico do personagem de Carlos Vereza interpretado por Ângela Leal.

Na sequência, ele atuou em 'O Semideus' (1973) e 'Fogo sobre Terra' (1974), as duas também de Janete Clair. Em 'Fogo sobre Terra' novamente seu personagem concordava em assumir uma paternidade que não era sua, resolvendo um problema criado pela censura, já que a atriz Dina Sfat estava grávida e sua barriga começou a surgir durante as gravações.

Relação com Avancini

'Gabriela' (1975), de Walter George Durst, novela que veio a seguir, marcou um dos conflitos do ator com o diretor Walter Avancini, com quem trabalhou e aprendeu bastante. Desta vez, por conta da exigência de que ele continuasse a gravar após o período combinado. “A gente brigava brabo mesmo, porque o Avancini, na sua técnica de direção, instigava você ao máximo, ele exacerbava você, ficava provocando”.

Na novela 'O Feijão e o Sonho' (1976), adaptação feita por Benedito Ruy Barbosa para a obra de Orígenes Lessa, que havia sido amigo do pai de Roberto Bomfim, o ator faria dois papéis, de pai e filho. Como ficou doente durante as gravações, outro ator – Elcio Romar – interpretou o filho, escolhido também pela semelhança física entre os dois.

Tobias, de 'Cabocla'

Em 1978, o ator foi o Pingo D’água em 'Maria, Maria', de Manoel Carlos, e teve que aprender a tocar viola para interpretar o personagem. No ano seguinte, ainda no universo rural, viveu o Tobias da primeira versão de 'Cabocla', novela de Benedito Ruy Barbosa. Esse papel foi bem recebido pelo público inclusive fora do Brasil, levando o ator a Portugal, como convidado durante o carnaval.

'Chega Mais' (1980), de Carlos Eduardo Novaes, o trouxe de volta para a cidade, como Hércules, um detetive fajuto: “Ele queria ser o James Bond e acabou se dando bem, quer dizer, eu me dei bem, porque no decorrer da novela o par romântico não funcionou, Tony Ramos e Sônia Braga, e aí o autor desviou a Sônia Braga para mim, o personagem ganhou esse estofo”.

Cabocla - 1ª versão: Tobias sente ciúme de Zuca

Otelo de Oliveira

Sua primeira minissérie foi 'Lampião e Maria Bonita' (1982), de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, trabalho em que, no papel de um sargento bêbado e covarde, destaca a performance de Nelson Xavier, como Lampião, e a direção de Afonso Grisolli. Para Roberto Bomfim, Grisolli o dirigiu naquela que foi uma de suas atuações preferidas na TV: o Caso Especial 'Otelo de Oliveira' (1983). Como protagonista da adaptação de Shakespeare para o espaço do samba carioca, o ator era um diretor de harmonia apaixonado pela personagem de Júlia Lemmertz, filha do bicheiro que mandava na escola de samba e desaprovava a relação.

Em 'Paraíso' (1982), de Benedito Ruy Barbosa, divertiu-se com os amigos Cláudio Correa e Castro e Sérgio Reis ao longo das gravações, em serestas e carnes assadas na brasa. Como Terêncio, era parceiro de Euletério, o herói da trama vivido Kadu Moliterno. Nos dois anos seguintes, fez duas minisséries: voltou ao papel de criminoso em 'Bandidos da Falange' (1983), de Aguinaldo Silva, e foi uma espécie de encarnação do mal em 'Padre Cícero' (1984), de Aguinaldo Silva e Doc Comparato.

Comédia

Bem mais leve, 'Cambalacho' (1986), uma comédia de Silvio de Abreu exibida às 19h, permitiu que Roberto Bomfim contracenasse com um amigo saudoso, Cláudio Marzo: “Começamos gravando na Itália, em Roma. O texto era divertidíssimo, a gente se divertia muito fazendo, ria muito em cena. Então o diretor, Jorginho Fernando, dizia: ‘Vamos gravar agora, já podemos gravar?’”.

TV Manchete

O ator teve quatro experiências na TV Manchete, nas novelas 'Helena' (1987), de Mário Prata; 'Carmem' (1987), de Gloria Perez; 'Amazônia' (1992), de Jorge Duran e Denise Bandeira; e 'Tocaia Grande' (1996), de Duca Rachid, Mário Teixeira e Marcos Lazarini. Em todas as produções houve problemas que impediram a realização de um trabalho de maior qualidade, em sua visão. De volta à Globo depois de 'Helena', foi em 1989 o Amintas de 'Tieta', obra de Jorge Amado adaptada por Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares.

“Era um bon-vivant solteiro, dono de uma loja de material de construção. Tinha uma graninha, vivia bem e era farrista, com um grupo de amigos, eram os quatro cavaleiros do apocalipse, eu, Zé Mayer, Reginaldo Faria e Paulo Betti”

Na primeira versão de 'Renascer' (1993), de Benedito Ruy Barbosa, seu personagem, o peão Deocleciano, participa de uma cena que julga antológica, dirigida por Luiz Fernando Carvalho, quando se “bebeu o coronel”, no lamento por sua morte. A emoção do momento fez com que todos os atores chorassem.

Pajé em 'Uga Uga'

Os trabalhos seguintes foram a minissérie 'Hilda Furacão' (1998), de Gloria Perez, e as novelas 'Pecado Capital' (1998), também de Gloria Perez; 'Terra Nostra' (1999), de Benedito Ruy Barbosa; e 'Uga Uga (2000), mais uma novela de Carlos Lombardi em tom de comédia para o horário das 19h. “Adorei fazer o pajé, tudo era permissível naquele índio. Eu conheci índio assim, quando ele dá para ser malandro, sai de perto, índio inteligente, que aprendeu a conviver com branco”, conta.

'O Clone' (2001), de Gloria Perez, deu a chance ao ator de voltar aos tempos de dançarino na Estudantina, gafieira que já havia frequentado. E deixou marcas por um acontecimento pungente, da vida real: a morte do sambista Osvaldo Sargentelli durante uma gravação.

“Ele veio se apresentar no Bar da Jura, chegou pinto no lixo, de tão feliz que estava. As mulatas dançando, ele na caixinha de fósforo… De repente ele encosta na minha barriga, achei que estava brincando comigo, mas morreu ali, teve um infarto fulminante. Morreu em cena, fez a passagem como devia, como artista.

Uga Uga: Gran Resort Hotel

Viagem para Angola

Em 2002, Roberto Bomfim passou quatro meses em Angola para a gravação de 'Reviravolta', de Margareth Boury, novela que brasileiros como o pai da autora, Reinaldo Boury, fizeram para implantar o gênero na TV do país.

Seu personagem era um industrial que ia para Angola a negócios e se apaixonava por uma angolana, casava com ela e voltava ao Brasil.

Outra viagem realizada pelo ator, agora pela Globo, ocorreu em 'América' (2005), quando interpretou Jota Abdalla na novela de Gloria Perez. Gravando em Miami, ele levou parte do elenco para fazer macumba na beira da praia e o grupo acabou reprimido pela polícia, por não ser permitido jogar flores no mar. Na sequência da carreira, Roberto Bomfim fez 'Desejo Proibido' (2007), de Walther Negrão, e 'Três Irmãs' (2008), de Antonio Calmon, até ser contratado para um projeto na HBO, a série 'Preamar', em 2012.

“Era uma minissérie que poderia ter dado muito certo, na verdade ela até deu, a ideia é maravilhosa, um executivo que quebra e começa a notar de repente o comércio da praia. Ele entra no negócio e faz em acordo com o Xerife, meu personagem, que mora na favela e controla o comércio”

'Império'

O retorno às novelas da Globo aconteceu em 2014, em 'Império', de Aguinaldo Silva. Na trama, ele era o patrono de uma escola de samba. Como teve um problema de saúde durante as gravações, o ator precisou se superar e fazer fisioterapia para chegar até o final, mas conseguiu. No papel de Antoninho, foi um grande amigo do imperador, e viu com orgulho a produção ganhar um Emmy Internacional. O último trabalho na emissora se deu em 'Babilônia' (2015), de Gilberto Braga, Ricardo Linhares e João Ximenes Braga, uma participação como o Cabelão.

A telenovela está para a sociedade brasileira assim como o cinema está para a sociedade norte-americana: é fundamental, importante, transformadora. E transformadora em todos os sentidos, em todos os hábitos e costumes – éticos, morais.

Cinema e teatro

Mais presente no cinema do que no teatro, onde integrou montagens importantes como Gota D’Água (1975), de Chico Buarque e Paulo Pontes, e Senhora dos Afogados (1994), de Nelson Rodrigues, Roberto Bomfim participou de mais de 40 filmes. O ator gosta especialmente dos personagens que representou em Senhores da Terra (1970), em que viveu um jagunço em um filme de Paulo Thiago protagonizado por sua mãe, Noemi Bomfim; A Lenda do Ubirajara (1975), de André Luiz Oliveira, no qual foi o antagonista; em O Rei da Boca (1982), de Clery Cunha, por interpretar um homem mau e viciado que acaba enlouquecendo; e em A Difícil Viagem, de Geraldo Moraes, em 1983, quando foi um engenheiro que resolve mudar de vida e passar um tempo em uma comunidade à beira do rio. Roberto Bomfim destaca também a cena marcante feita com Sônia Braga numa cachoeira em A Dama do Lotação (1978), de Neville d’Almeida, e considera Fulaninha (1986), de David Neves, um filme delicioso.

Hoje, junto com amigos que vêm da década de 1960, busca reeditar o Teatro Universitário Carioca, o TUCA Rio, com o objetivo de criar projetos culturais e encenar novas peças.

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