Renata Lo Prete é apaixonada por notícia. Ela começou a trajetória como jornalista na mídia impressa: passou pelo Estadão, Jornal da Tarde e Folha de S. Paulo, onde trabalhou por mais de 20 anos. Na Folha, Lo Prete foi repórter, correspondente internacional, editora, ombudsman e titular da coluna Painel, que tratava dos bastidores do jogo político em Brasília. Foi durante este período em que a jornalista conseguiu e publicou uma entrevista exclusiva com o então deputado federal Roberto Jefferson, que deflagrou na imprensa o escândalo do Mensalão, em 2005. O furo de reportagem ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, no ano seguinte. Em 2012, Renata Lo Prete foi contratada como editora de política na GloboNews, tornando-se apresentadora do 'Jornal das Dez', anos depois. Em 2017, tornou-se apresentadora titular do 'Jornal da Globo' e, em 2019, lançou o podcast 'O Assunto', o mais ouvido da América Latina.
Jornal da Globo 40 anos: bastidores (2022)
Trajetória
Renata Salmaso Lo Prete nasceu em 22 de agosto de 1963, em São Paulo, filha de Bruna Salmaso, secretária, e Salvador Lo Prete, assistente social. Seus pais tiveram participação decisiva em sua escolha profissional, ainda que indiretamente. A mãe amava a leitura e passou essa paixão para a filha. Já o pai, que foi funcionário do Tribunal de Justiça de São Paulo, interessava-se muito por notícia, não entrava em casa sem um jornal na mão. O favorito da família era o Jornal da Tarde, mas também não faltava o irreverente semanário O Pasquim. O debate sobre política e sociedade era constante dentro de casa, contando com a participação de Renata e de seus três irmãos.
Neste ambiente, o interesse de Renata Lo Prete por jornalismo se tornou natural. Diante das possibilidades abertas a uma jovem que precisava definir que faculdade escolheria, optou por fazer o vestibular para a Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo. Em entrevista ao Memória Globo, ela conta que gostava de ler, escrever e consumir notícias. “Foi uma coisa pouco pensada, mas quando eu olho em retrospecto sei que estava amarrada em tudo que havia sido a minha vida até ali”.
Início da carreira
Quando completava o curso, ela foi contratada como revisora do jornal Estado de S. Paulo. Renata Lo Prete já havia tido experiências com trabalhos eventuais, entre os quais a cobertura da apuração de eleições, algo que seria importante em sua carreira mais tarde, mas no Estadão começou de fato sua trajetória como jornalista. O início se deu em um espaço de muita responsabilidade, a revisão das páginas dois e três, nas quais os editoriais eram publicados.
Três meses depois, em 1985, a jornalista foi para o Jornal da Tarde, do mesmo grupo de comunicação. A publicação fazia parte de sua vida, era leitura obrigatória de seu pai. Em apenas nove meses, contudo, recebeu um convite irrecusável: trabalhar na Ilustrada, suplemento de cultura da Folha de S. Paulo. O jornal passava por transformações profundas, instituídas pelo Projeto Folha, e era o lugar em que muitos profissionais iniciantes gostariam de estar, naquele 1986, segundo ano de um governo civil pós-ditadura militar.
Na Folha, Renata Lo Prete construiu uma trajetória consistente, durante 26 anos. Pouco tempo depois de contratada, ganhou a chance de ser correspondente em Nova York e trabalhar com Paulo Francis, jornalista por quem tinha grande admiração. A convivência com ele foi importante para o seu crescimento. “Às vezes ele me ligava e perguntava: ‘Você está fazendo alguma coisa?’. Se você dissesse que sim ou que não, tanto fazia, ele começava a contar uma história, e são das histórias mais incríveis que eu guardo comigo e que me contaram na profissão”, relembra.
Pergunta incômoda
Durante a passagem por Nova York, Renata Lo Prete fez uma pergunta ao ex-presidente José Sarney, em uma coletiva de imprensa, que balizou a repercussão da entrevista. Ela foi a única a questionar o presidente sobre o embarque, em sua bagagem, de computadores pessoais. A importação dos equipamentos era proibida, à época. Em 1989, já de volta a São Paulo, a jornalista passou a atuar na editoria que cobre as notícias internacionais. O ano ficou marcado na história pela derrubada do Muro de Berlim e pelo massacre da Praça da Paz Celestial, na China. Acontecimentos muito importantes, que ganharam farta cobertura em todo o mundo.
Ela trabalhou em seguida no caderno semanal especializado em ciência, participou de um projeto da Folha em TV e, em 1991, passou a fechar a primeira página do jornal. Nessa última função, foi uma das responsáveis por capas marcantes, como a que noticiou o impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Estava tudo preparado para publicar uma edição que tivesse apenas esse assunto como grande destaque na primeira página, mas o assassinato da atriz Daniela Perez se impôs, também, como tema merecedor de espaço.
O próximo desafio, na Folha, teve perfil bem diferente. Renata Lo Prete se tornou ombudsman – a pessoa responsável por escrever a autocrítica do jornal - cargo exercido por três anos. “Foi a primeira em que eu tive de encarar o produto do ponto de vista de quem consome, de quem lê, de quem se utiliza do jornalismo que você faz. E isso foi realmente transformador, porque o jornalismo é uma profissão encantadora”, afirma.
O Painel da Folha
Após um período de volta à reportagem, a jornalista assumiu a coluna Painel, uma das mais importantes do jornal, voltada aos bastidores da política. Foi titular do espaço entre 2003 e 2012, e ao longo desse tempo conseguiu imprimir seu estilo e convicções como repórter. Diversificou as fontes, por exemplo, para evitar que as notas fossem muito roteirizadas pelo poder, levando em conta mais a importância da informação apurada do que propriamente a relevância da posição de quem a repassava.
Entre as notícias exclusivas publicadas no Painel, uma lhe rendeu o Prêmio Esso de Jornalismo, em 2005: a entrevista em que Roberto Jefferson, então presidente do PTB, denunciava um esquema de compra de apoio no Congresso do qual ele mesmo fazia parte, o chamado Mensalão. “A entrevista mudou completamente o caráter do que estava acontecendo, do que se pensava que era aquele escândalo. Provocou todo um reordenamento de forças no governo”, explica.
Renata Lo Prete estreia como apresentadora do Jornal das Dez, 2017.
GloboNews
Em 2010, na cobertura das eleições presidenciais, Renata Lo Prete fez entrevistas em vídeo para a Folha. A partir daí, passou a receber convites para participações na GloboNews, que evoluíram para sua contratação pela emissora. Primeiro em 2011, quando se mantinha ainda à frente do Painel, e em definitivo em 2012, quando saiu da Folha para integrar a equipe responsável pela reformulação do 'Jornal das Dez'. Editora de política do noticiário, ela atuava também como apresentadora, eventualmente. Nesse primeiro ano, a jornalista ficou muito tempo em Brasília, para a cobertura do julgamento do processo do Mensalão, no Supremo Tribunal Federal. “O julgamento do Mensalão foi uma espécie, para mim, de intensivão de habilidades que eu precisei desenvolver para fazer a migração do impresso para a TV”, pondera.
No campo da política, as manifestações de 2013, as investigações da Lava Jato e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff estiveram entre os acontecimentos mais marcantes acompanhados pela GloboNews, em seguida. Se durante as manifestações as entradas ao vivo eram os maiores desafios, a apuração da Lava Jato trouxe a necessidade de explicar ao público as relações existentes entre delatores, políticos, empreiteiros e demais personagens, enquanto o impeachment mostrou a falta de instrumentos mínimos para a presidente continuar governando. Nesse período, Renata Lo Prete participou também, na emissora, da 'Central das Eleições', em pleitos municipais e em uma eleição presidencial. O programa acompanha o dia da votação e a apuração dos resultados, repassando as parciais a cada boletim do Tribunal Superior Eleitoral.
Apresentadora do Jornal da Globo
Em 2017, ainda na GloboNews, a jornalista se tornou apresentadora do 'Jornal das Dez', no qual ficou por mais quatro meses, até receber o convite para ser apresentadora efetiva do 'Jornal da Globo'. Na TV aberta, falando para milhões de espectadores, em vez dos milhares que a acompanhavam na TV fechada, uma de suas preocupações desde o início foi evitar reproduzir o 'Jornal Nacional', para explorar outros assuntos ou dar mais destaque a pontos abordados sem tanta profundidade horas antes. Com o tempo, o 'Jornal da Globo' foi se adaptando ao feitio da jornalista, que gosta de entrevistas ao vivo e de um estilo mais conversado.
Em paralelo, Renata Lo Prete apresentou o 'Painel', programa de debates na GloboNews em que eram convidadas pessoas com visões às vezes antagônicas sobre as questões apresentadas. Um deles mostrou um embate entre o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Galvão. “A ideia era diversificar, ser mais plural, encontrar novas vozes. Eu me lembro de alguns programas que pegaram fogo. Na primeira crise do governo Bolsonaro com o INPE, nós fizemos um programa com o então ministro Ricardo Salles e com o Ricardo Galvão, que o governo tirou do INPE justamente porque ele estava mostrando o que estava acontecendo com o desmatamento. Eles estavam os dois na mesa, tinha um terceiro especialista também, e ali saiu faísca”, conta.
Podcast 'O Assunto'
Entre agosto de 2019 e novembro de 2022, a jornalista integrou a seu rol de atividades um podcast diário: 'O Assunto'. A cada episódio, um tema de destaque no momento era tratado por ela, com a participação de jornalistas e analistas de veículos do Grupo Globo. Em poucos meses, o podcast se tornou o mais ouvido da América Latina, passando de 1 milhão de ouvintes por episódio.
A pandemia de Covid-19 fez com que Renata Lo Prete montasse um pequeno estúdio em casa, para manter a rotina de gravação dos programas. Essa foi uma das mudanças que a doença trouxe para o seu dia a dia. Houve a necessidade de cobrir a disseminação da Covid, em um ambiente de muita incerteza, e perdas pessoais, como a do editor de imagem Toninho Asa, colega querido do 'Jornal da Globo'.
Amazônia é o tema de estreia do podcast 'O Assunto', com Renata Lo Prete
A jornalista ressalta a importância da imprensa, em relação à pandemia e à avalanche de notícias falsas, que precisam ser combatidas: “Nós trabalhamos esse tempo todo pautados por uma valorização da informação correta, da ciência, da valorização da vida. Eu sei quem valorizou a vida nesse processo. Então, quando eu olho para trás, talvez não tenha havido outro período em que eu ache que a gente foi tão necessário, acho que nós soubemos corresponder ao que era esperado dos jornalistas nessa hora”.
FONTE:
Depoimento de Renata Lo Prete ao Memória Globo em 27/06/2022. |