Paulo Pimentel sempre foi um admirador do jornalismo. O entusiasmo pela profissão surgiu após assistir às palestras de João Saldanha, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, e da leitura de crônicas do escritor Nelson Rodrigues. Em 1977, o carioca que vivia entre a Gávea e o charmoso bairro carioca de Ipanema decidiu fazer Comunicação Social. Formou-se pela SUAM (Sociedade Unificada de Ensino Superior Augusto Motta) e, no mesmo ano, foi apresentado por um amigo em comum a Mauro Borja Lopes, mais conhecido como Borjalo, então executivo da Globo, a quem fez um pedido: trabalhar na emissora enquanto estudava. Só havia vaga de estágio para repórter cinematográfico - e foi assim que ele iniciou sua carreira em agosto de 1977.
“Quando você chega em um país de língua, arquitetura e povo diferentes, o olhar curioso vai registrar tudo. Depois de um certo tempo, aquele é um lugar comum, é o país em que você vive, conhece o povo, a arquitetura. Mas toda vez que você faz uma matéria para o Brasil deve ser como se fosse a primeira vez.”
Primeiro foi assistente de cinegrafista, função exercida por dois anos, até que começou a fazer plantões nos fins de semana e as primeiras matérias sozinho, aprendendo com profissionais como Ricardo Strauss, Roberto Padula e Hélio Couto. O batismo veio em 1980, com a visita do papa João Paulo II ao Brasil, quando foi enviado com o repórter Ricardo Pereira para o Norte e o Nordeste do país.
Na cobertura, registrou multidões aglomeradas para ver o líder católico e situações inusitadas, como uma entrevista com o “Beijoqueiro”, um português que perseguia celebridades e conseguiu beijar os pés do papa. Filho de Sebastião Moreira Pimentel, garçom, e de Maria Aparecida Pinho Pedrosa, dona de casa, Paulo Roberto Moreira Pimentel entrou para a TV na época do filme e das câmeras 16 milímetros.
“Nós levávamos uma lata com 400 pés de filme. Na verdade, a gente saía com uma cota de 150 pés para gravarmos três minutos e pouco de imagem apenas. Havia uma mala bem grande em que você colocava os rolos de filme, a câmera e duas luzes colortran, muito fortes, de 1000 watts”, conta.
E diante da limitação dos rolos de filme, Paulo Pimentel passou por maus momentos. Um deles inesquecível: durante a visita do Papa. “Tem uma cena engraçada no Pará, quando ele foi visitar uma colônia de leprosos. Hoje em dia a segurança é muito restrita, mas na época era mais fácil. Eu cheguei muito próximo do Papa, subi no Papa Móvel para fazer uma cena dele. Foi o único momento que eu consegui chegar perto dele, naquela confusão toda. Só que a bateria da câmera não funcionou, então eu tinha uma imagem super exclusiva e fiquei frustrado porque a bateria tinha acabado. E o Ricardo Strauss, que era meu colega, repórter cinematográfico também, sempre falava: ‘Você tem que checar todas as suas baterias antes de fazer uma cobertura do Papa, porque o Papa não beija o chão duas vezes.’ Eu era garoto ainda e bobeei nessa.”
A chegada das câmeras eletrônicas, na década de 1980, mudou a forma de se trabalhar e permitiu que as gravações se estendessem mais. Antes que entrassem em operação no jornalismo, os repórteres cinematográficos simularam situações improvisadas para se adaptar aos equipamentos e garantir que o material produzido tivesse uma boa qualidade.
“No filme você usava um fotômetro para medir a luz. A câmera eletrônica mede a luz automaticamente, então a única coisa que você tinha que aprender era o uso dos filtros em situações diferentes, externas e internas, com sol, chuva e sombra. E as fitas permitiam que você gravasse em cima de novo, então você nunca gastava demais e tinha mais liberdade para criar, se aparecesse uma imagem importante a gente gravava sem medo de ser feliz. Além disso, era preciso revelar o filme no laboratório e só depois saber se a imagem estava realmente com qualidade boa para fazer a edição nas moviolas. Com o VT [videoteipe] ficou muito mais rápido, porque da rua mesmo você gerava, montava uma parabólica em cima do carro e achava o Sumaré”, explica.
Reportagem de Ricardo Pereira e Paulo Pimentel sobre a ida do Papa João Paulo II à colônia de leprosos em Marituba, no estado do Pará, durante a visita do pontífice ao Brasil, Jornal da Globo, 08/07/1980.
Da Ilha do Governador para Londres
No ano seguinte, em 1981, surge a vontade de se tornar correspondente no exterior. Paulo Pimentel confessa para o colega Ricardo Pereira que gostaria de ir para a Globo em Londres, onde o repórter trabalhava. Como resposta, o amigo sugeriu que ele investisse no inglês. Paulo vai em frente e tem a chance de cobrir férias no escritório londrino. Passa três meses na capital inglesa, mas, ainda insuficiente no idioma, volta para o Brasil para estudar mais. Foi então que a ex-diretora de jornalismo Alice-Maria o convida para retornar a Londres: “Em novembro de 1981, Alice me mandou pra lá e falou: ‘Você fica dois anos e volta.’ Falei: ‘Tá legal.’ Fui pra ficar dois anos e estou aqui até hoje.”
Mas antes de ser transferido para o escritório da Globo em Londres, em 1981, o repórter-cinematográfico participou de algumas coberturas que tiveram grande impacto, entre as quais o cerco e morte de Zé Bigode, fundador do Comando Vermelho no Rio de Janeiro. Foragido do presídio da Ilha Grande, era o bandido mais caçado do Brasil e foi morto após um intenso tiroteio, que envolveu 400 policiais e durou a noite toda.
“Eu estava fazendo um plantão noturno e por volta das dez horas da noite nós ouvimos a escuta policial e descobrimos que o Zé Bigode estava encurralado em um conjunto habitacional na Ilha do Governador. Os policiais desciam de helicóptero, tentando entrar no apartamento, jogavam bomba, tentavam entrar pela laje. E a polícia atirando, no final o prédio parecia uma peneira. O Zé Bigode tinha sido treinado em guerrilha. Foi cena de filme.”
Cobertura internacional
Em Londres, Paulo foi chefiado por Roberto Feith e trabalhou ao lado de Ricardo Pereira, além de Luís Fernando Silva Pinto. Como não era casado e sua namorada Alba (hoje sua mulher) ficara no Rio de Janeiro terminando o curso universitário, sentiu-se solitário e contou com a ajuda de colegas como José Wilson da Mata, que o acolheu e passou informações importantes para alguém que nunca havia morado no exterior. Ao lado de Luís Fernando, fez outra grande cobertura internacional: o assassinato do presidente egípcio Anwar Al Sadat, evento que reuniu inimigos históricos no enterro, o primeiro-ministro israelense Menachem Begin e líderes árabes.
Depois, os dois, Luís Fernando e Paulo, fizeram uma viagem entre Cairo e Jerusalém. A ideia era mostrar as regiões de conflito entre o Egito e Israel, em um passeio às margens do Rio Nilo até o Muro das Lamentações. Paulo nem sonhava em ir nesses países que via apenas em filmes bíblicos.
Em reportagem especial para o Fantástico na cobertura do assassinato do presidente do Egito Anwar Sadat, Luís Fernando Silva Pinto e Paulo Pimentel mostram a viagem por terra do Cairo à Jerusalém, percurso que só se tornou possível após os acordos de paz com Israel propostos pelo líder egípcio. Fantástico, 18/10/1981.
“Ver aquelas figuras no deserto, aquelas senhoras de burca, filmava tudo que via. Eu nunca tinha visto uma lua tão linda naquele deserto, aquela estrada longa. Chegamos num lugar, na beira da praia à noite, fomos dormir num casebre e o chão era cheio de areia. De manhã, acordei com o som de ovelhas.“
Zonas de conflito
No ano seguinte, esteve na guerra entre Irã e Iraque, também com Luís Fernando Silva Pinto.
“Nós fomos de Bagdá para Basra de helicóptero, mas logo que a gente chegou ao hotel um avião do Irã furou o espaço aéreo iraquiano e foi abatido. Na época havia baterias antiaéreas no topo dos edifícios, eles atiravam de tudo quanto é lado. Quando começou o tiroteio, eu estava no quarto do hotel tirando a bagagem e não deu tempo nem de colocar a bateria na câmera”
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto e Paulo Pimentel sobre o trabalho dos correspondentes na guerra entre Irã e Iraque. 'Jornal Nacional', 23/07/1982.
Pimentel lembra também as imagens tristes que fez perto da linha de frente da batalha. Ele e Silva Pinto viajaram em um comboio de jipes até o deserto. Flagraram tanques abatidos com soldados tentando escapar, munição espalhada e capacetes de combatentes mortos. Ele tinha cinco minutos para gravar a dimensão da tragédia.
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre as ofensivas das tropas israelenses contra a resistência palestina em Beirute Ocidental. 'Jornal Nacional', 17/09/1982.
“Saí com aquela adrenalina do jipe, gravo, paro, gravo, paro, aí vou me distanciando muito do comboio e o comandante começa a gritar. Eu não entendia nada, ele falava em árabe. Aí teve um momento que ele falou stop e eu entendi; eram minas! Ele me deu uma bronca, e eu fui voltando e reparando nas minas, cheio de medo. E no meio dessas minas muitas pessoas já estava mortas. Eu ouvia o Luís Fernando dizendo: ‘Corpos até onde a vista alcança.’ Eu nunca mais esqueci isso.”
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre a manifestação em Tel-Aviv contra o governo israelense pelo massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila. O repórter também entrevista com exclusividade Shimon Peres, que afirmou estar chocado com o episódio. 'Fantástico', 19/09/1982.
Em 1982 e 1983, Paulo Pimentel foi ao Líbano, também em situação de conflito e com riscos, até participar de uma cobertura mais amena, a visita do presidente João Figueiredo à China, onde os deslocamentos dos jornalistas eram rigidamente controlados pelo governo.
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre a manifestação em Tel-Aviv contra o governo israelense pelo massacre nos campos de refugiados de Sabra e Chatila. O repórter também entrevista com exclusividade Shimon Peres, que afirmou estar chocado com o episódio. 'Fantástico', 19/09/1982.
Ainda em 1983, novamente ao lado de Luís Fernando Silva Pinto, cobriu a viagem de João Paulo II à Polônia, sua terra natal. Em uma viagem a Roma, teve a chance de fazer uma imagem exclusiva do papa numa janela do hotel Gemelli onde havia sido internado após o atentado que sofrera na praça de São pedro. As imagens foram usada por emissoras de várias partes do mundo.
Reportagem de Luís Fernando Silva Pinto sobre o enterro das vítimas do massacre palestino em Chatila. 'Jornal Nacional', 22/09/1982.
Queda do Muro de Berlim
Em 1989, acompanhou com Silio Boccanera um dos acontecimentos mais marcantes do século 20, a queda do Muro de Berlim. Na cobertura, o repórter cinematográfico sugeriu a Silio gravar em cima do muro, para dar a dimensão do que sentiam aqueles que o derrubavam. E, 20 anos depois, a dupla voltou ao local.
Reportagem Silio Boccanera e Paulo Pimentel sobre as comemorações junto ao Portão de Brandemburgo, após a abertura das fronteiras entre as Alemanhas, Jornal Nacional, 10/11/1989.
“Na primeira vez, a gente estava próximo ao Portão de Brandemburgo, onde havia a maior concentração de comunicação da Stasi, a polícia da Alemanha Oriental. Tinha antena para todo lado, você não conseguia uma frequência. O Silio, para fazer uma passagem, deve ter gravado de 12 a 15 vezes, até conseguir uma com frequência perfeita. A volta, em 2009, foi com outro olhar. Muitos artistas do lado ocidental foram para o lado oriental. Berlim Oriental ficou cool, cult, um lugar para galerias de arte, maravilhoso”
Perigo em Angola
Na década de 1990, Paulo Pimentel volta a zonas de conflito. Na guerra civil de Angola, em 1992, ao lado de Pedro Bial, foi detido por guerrilheiros, passou por momentos de perigo, com ameaças à dupla e a vários outros repórteres, e acabou por ter a gravação das cenas confiscada. Com Silio Boccanera, foi de ônibus para a Sérvia, em 1995, quando a nacionalidade ajudou, já que os soldados sérvios estavam arredios e só relaxaram ao perceberem que os repórteres eram brasileiros, algo que aconteceu também em outras viagens.
Reportagem de Pedro Bial e Paulo Pimentel sobre os danos sofridos pela embaixada brasileira em Luanda durante os conflitos entre a Unita e as tropas do governo angolano, Jornal Nacional, 07/11/1992.
Ainda em 1995, Paulo Pimentel participou da cobertura do assassinato do Yitzhak Rabin, em Israel, junto a César Tralli, com quem fez, em seguida, uma matéria em Chernobyl, dez anos após o acidente nuclear. No local, os dois podiam ficar pouco tempo, em função da radiação ainda existente. Em 1998, acompanhou em Londres, com a repórter Ana Luiza Guimarães, a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, protegido à época pela primeira-ministra Margaret Thatcher.
Reportagem de César Tralli, com imagens de Paulo Pimentel, sobre as “mães de Chernobyl”, cujos maridos e filhos morreram ou estavam doentes por causa do acidente nuclear, e a vila dos resistentes, pessoas que se recusaram a deixar a região apesar dos altos índices de radiação. Jornal Nacional, 26/04/1996.
Para a GloboNews
Para a GloboNews, o repórter cinematográfico fez matérias com perfis diferentes, em programas mais longos, nos quais era possível experimentar. Foi assim, por exemplo, na entrevista com o “quinto Beatle” George Martin, realizada por Geneton Moraes Neto, em 1998. “No 'Jornal Nacional' é muito difícil você fazer um VT todo elaborado, só se for uma pauta assim incrível. A matéria normalmente tem um minuto e meio. A GloboNews nunca desliga, então você pode gravar, ser criativo à vontade", conta, para confessar: "eu gosto muito da News”.
Dramas humanos
Em 2008, Paulo Pimentel voltou ao Líbano com Marcos Losekann para mostrar um drama familiar: a história de uma brasileira que queria sair do país com seu filho e havia sido proibida pelo marido de levar a criança. A intenção dos repórteres era mostrar os costumes desse país árabe, onde o homem tem a última palavra. Desembarcaram no Vale do Bekaa, coração do Hezbollah, fizeram a matéria e descobriram um fato curioso: uma lanchonete onde os sanduíches tinham nomes de armas. “Esse é o Hezbollah", comenta para opinar, em seguida: "É quem manda no Líbano.”
Reportagem de Marcos Losekann e Paulo Pimentel sobre o episódio em que foram sequestrados e interrogados por membros do Hezbollah. Jornal Nacional, 18/08/2008.
Mais recentemente, Paulo esteve em Paris cobrindo o atentado ao Charlie Hebdo. “Houve uma passeata monstro na Place de la République, milhares de pessoas foram solidárias ao jornal, desafiando os terroristas. Aí a cobertura foi crescendo. Estavam lá o Roberto Kovalick, Cecília Malan, a Ilze Scamparini e o Pedro Vedova. A gente ficava ao vivo o tempo todo, foi uma cobertura forte”, ressalta.
Copas do mundo
A primeira Copa do Mundo da qual Paulo Pimentel participou foi a de 1986, no México, mas pela Telemontecarlo, emissora italiana adquirida pela Globo. A seu lado, estava um repórter ainda inseguro com a profissão, que acabou se tornando um personagem muito conhecido da torcida, de forma divertida, ao se mostrar decepcionado e quase chorar em frente à câmera quando a Bélgica empatou com a seleção italiana.
Em 1998, pela Globo, o repórter cinematográfico registrou a reação da torcida da arquibancada e, em 2002, no Japão, literalmente teve a chance de se sentir um jogador ao trocar de camisa com um funcionário da Fifa: "Acabou o jogo, aquela festa, minha parte já tinha acabado, chega o cara da Fifa que mais me proibiu de sair do lugar e falou: 'Você pode me dar sua camisa de presente? Eu coleciono camisas de eventos e essa é espetacular, da Globo, verde, não tenho uma coisa assim'. Eu falei: 'Mas eu vou ficar sem camisa!'. Aí ele falou: 'Não', e tirou a camisa dele. Foi muito engraçado, parecia que a gente tinha jogado a partida. Ele ficou tão feliz!" – diverte-se.
Paulo Pimentel deixou a emissora em maio de 2022.
Fontes
Depoimento de Paulo Pimentel ao Memória Globo em 19/05/2017. |