O repórter cinematográfico Orlando Moreira foi um pioneiro. Ele registrou seus primeiros takes antes de a Globo entrar no ar. Era uma fase experimental para treinar profissionais e testar equipamentos que, mais tarde, tornariam a emissora uma das maiores do mundo. Bell & Howell, Marconi, CP 16, Auricon, Bolex. Orlando Moreira lidou com todas essas câmeras desde a sua entrada na Globo, em março de 1965. Em mais de 50 anos de carreira, esteve frente a frente com grandes nomes internacionais, como Frank Sinatra e Alfred Hitchcock, e acompanhou de perto a evolução tecnológica do jornalismo e da própria emissora. “No início, a maioria das câmeras não tinha som. As sonoras, com som magnético, eram limitadas, havia três para o jornalismo inteiro. E era uma briga para usar. Logo depois, foram surgindo mais câmeras sonoras.” recorda.
Início da carreira
Orlando Moreira da Silva é filho do militar Antônio Moreira da Silva e da dona de casa Amélia da Costa Silva. Em 1965 fez um curso de cinema organizado pelo jornalista Pedro Torres, correspondente da rede de televisão americana NBC. Eram mais de 30 alunos e o curso premiou três dos melhores estudantes com empregos em empresas de audiovisual: Carlos Tourinho, Jorge Ventura e Orlando Moreira estavam entre eles. Orlando fez estágio na Torres Film.
Meses depois, por indicação de Jorge Ventura, amigo de infância e colega no curso de cinema, foi ao chefe dos cinegrafistas da Globo, Jorge Stamatto, mostrar seu portfólio. Foi contratado como assistente de cinegrafista. Embora recém-inaugurada, a emissora contava com uma equipe de 16 profissionais, quase todos com experiência em cinema.
Como assistente, auxiliava frequentemente os repórteres-cinematográficos Chucho Narvaes, José de Andrade e Leon Varsano, na maioria das vezes durante transmissões de partidas de futebol no estádio do Maracanã.
Primeiras coberturas na Globo
Em janeiro de 1966, a Globo interrompeu sua programação para cobrir os estragos das chuvas de verão no Rio de Janeiro. As equipes foram para as ruas carregando câmeras Auricon, e os motoqueiros levavam para a emissora os filmes, que imediatamente eram revelados e exibidos. Orlando Moreira participou da cobertura e se lembra da iniciativa de Walter Clark, que acabara de assumir a direção-geral da emissora: “Ele era um sujeito de visão, um gênio realmente. Ele colocou uma câmera de estúdio na entrada principal da Globo, na Von Martius. Parecia uma cachoeira, passava água pela rua toda. A Globo entrou dali 24 horas por dia, tentando juntar pessoas que tinham se perdido, trazendo informações sobre desabamentos, recebendo doações para os desabrigados. A partir desse momento, a Globo deu um pulo para o primeiro lugar na audiência”.
A cidade ainda não havia se recuperado do trauma do ano anterior quando foi vítima de outro temporal arrasador. Em fevereiro de 1967, as chuvas causaram a morte de 116 pessoas. O caso mais grave aconteceu em Laranjeiras. Uma pedra rolou da encosta e provocou o desabamento de três edifícios na Rua General Glicério. “Cheguei lá e ainda senti o calor do prédio que tinha acabado de cair. Nós viemos pelo Cosme Velho, tinha uma criança gritando, as pessoas estavam gritando. Você não podia fazer nada. Eu me sentia inútil, eu filmava aquilo, mandava o filme, mas… era muito triste”.
Nova função
Orlando Moreira foi promovido a repórter-cinematográfico em 1967 e, no ano seguinte, partiu para uma cobertura internacional: “Fui para a Colômbia cobrir uma visita do Papa Paulo VI. Naquela época, a Globo não tinha um departamento de apoio no Jornalismo. Era tudo muito pequeno. Fomos eu e Ely Moreira, um repórter que trabalhou no jornal O Globo e na Globo”. Nesse período, colaborou com o programa Amaral Netto, o Repórter, em matérias sobre a Amazônia e territórios e paisagens exóticas do Brasil.
Irmãos Coragem - 1ª versão (1970): Abertura
No tempo em que ainda não havia TV colorida no Brasil, Orlando foi escolhido para fazer um curso intensivo na sede da fabricante de filmes Kodak, em Dallas, onde aprendeu a trabalhar com a película em cor. Também teve aulas de técnicas de edição, composição e produção. No início dos anos 1970, chegou a trabalhar como cameraman em novelas da Globo”. Eles tinham as equipes deles, mas me chamavam para filmar algumas externas. Em 1970, fiz as imagens da abertura de Irmãos Coragem de Janete Clair e dirigida por Daniel Filho.”
Uma tragédia carioca voltou a ser registrada pelo cinegrafista em novembro de 1971: a queda do elevado Paulo de Frontin levou Orlando Moreira e o repórter José Luiz Furtado às pressas ao local. Imagens brutas do arquivo da emissora mostram cenas do acidente e o resgate das vítimas.
Correspondente em Londres
Orlando Moreira foi o primeiro repórter-cinematográfico do escritório da Globo em Londres. Chegou à capital inglesa em 1974 e, junto à repórter Sandra Passarinho, viajou pela Europa durante dois anos e fez grandes reportagens, como a Revolução dos Cravos, em Portugal, e a morte do ditador Francisco Franco, na Espanha. A cobertura da revolução portuguesa o credenciou como correspondente internacional. “Eu e Sandra Passarinho fomos enviados para cobrir a Revolução dos Cravos, que dava fim ao sistema ditatorial e perverso de mais de 40 anos, de Salazar. Ao chegar, vimos centenas de pessoas cantando, brincando, dançando na rua. Colocavam cravos no fuzil dos soldados. Foi emocionante, chega a dar arrepio. E foi uma comemoração que durou dias, porque as pessoas viviam amordaçadas pelo sistema imposto pelo ditador.”
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura da Revolução dos Cravos em 1974, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Também foi nesse período que cobriu sua primeira Copa do Mundo, a da Alemanha, em 1974, quando a seleção anfitriã conquistou o título, vencendo a Holanda. “Levei minha câmera Payard-Bolex, que faz fusão. Uma editora alemã conseguiu imagens de alguns atletas em câmera lenta, a 300 quadros por segundo. Os textos maravilhosos eram do Armando Nogueira”. Esteve também na Copa da Espanha, em 1982, e na dos Estados Unidos, em 1994, quando o Brasil conquistou o tetra. “Em 1982, tínhamos uma arma secreta: um microfone direcional acoplado a uma parabólica, que captava som nítido. Sugeri ao repórter Ricardo Pereira uma passagem na água ao lado do Zico. De forma discreta, ele fez uma bela entrevista na piscina, o maior sucesso no JN”.
De Londres a Nova York
Em 1976, Orlando foi para os Estados Unidos e passou a trabalhar no escritório da emissora em Nova York, então chefiado por Hélio Costa. Foi responsável, junto com o repórter, por diversas matérias internacionais exibidas no Fantástico. Os dois estiveram na Alemanha, Egito, Polônia, Inglaterra, Guiana, França, Japão, Naurú, Austrália, Hong Kong e na China, ainda proibida, onde fizeram uma matéria especial exibida no Globo Repórter.
Em 1977, Orlando Moreira e o repórter Lucas Mendes viajaram de Nova York para o Cairo e cobriram a repercussão da visita de Anwar Sadat, presidente do Egito, a Israel. “Na viagem ao Egito, ficamos de plantão 20 dias e fizemos uma única matéria. Ainda usámos filme. A moviola disponível para editar era quase do tempo do faraó. Estava coberta com um pano empoeirado, e o som parecia vir pelo túnel de uma pirâmide”.
Com uma câmera fotográfica e um laboratório especial, montado dentro do navio Barão de Teffé, o cinegrafista registrava, revelava e enviava telefotos para a sede da Globo, no Rio, que serviam como ilustração do audioteipe do repórter Hermano Henning exibidas no Jornal Nacional. No dia seguinte, as fotos eram publicadas em O Globo, ilustrando a matéria do Ernesto Rodrigues, enviado especial do jornal à Antártica. Ao fim da expedição, em fevereiro de 1983, as fotografias e imagens foram exibidas no Globo Repórter.
No ano seguinte, Orlando Moreira assumiu a chefia dos repórteres-cinematográficos da Globo em Nova York, mas não abriu mão de cobrir a Olimpíada de Los Angeles: “Eu gosto de coberturas de eventos grandes. Exige bastante de você. Tenho a responsabilidade de mostrar o melhor para quem não tem chance de chegar perto; e nem jamais teria”.
O cinegrafista também estava presente na visita do Papa João Paulo II à Colômbia, em 1986. Ele e o repórter Ely Moreira foram credenciados para a cobertura, mas apenas para a chegada do Pontífice ao aeroporto. Com um pouco de ousadia e de sorte, Orlando conseguiu acompanhar o Papa até a catedral. “Atrás do carro do Papa havia dois ônibus que iam levar a imprensa internacional. Naquela época, meu cabelo era bem louro; eu tinha o cabelo maior e jogava muito vôlei na praia. O motorista de um daqueles ônibus abriu a porta para mim e falou: ‘Vem entra…’ Eu entrei. Minha credencial era pequenininha, fiquei contra a porta, escondendo para ninguém me ver. Conclusão: aquele ônibus foi seguindo o Papa, e eu cheguei na catedral”.
Ainda no mesmo ano, Orlando fez um Globo Repórter com Hermano Henning no Aconcágua, montanha na Argentina. Foi uma expedição médica para saber como o corpo humano reage na montanha. “Foi uma matéria linda, mas, infelizmente, nós não conseguimos subir ao topo, porque houve duas tempestades de neve”.
Em 1990, acompanhou Lucas Mendes em uma viagem a Cuba, quando entrevistaram um dissidente do governo de Fidel Castro. A missão da dupla era entrevistar o líder cubano, mas não tiveram êxito. “No meio da entrevista com o dissidente, uma pedra quebrou o vidro da janela. Retirei a fita gravada e escondi. Em frente à casa, várias viaturas com as luzes acesas. Segurei a câmera na altura da cintura e filmei o diálogo entre o Lucas e o policial. Nos liberaram”. Em 1998, voltou a Cuba, dessa vez com o repórter Edney Silvestre, para cobrir a visita do Papa João Paulo II. Fizeram diversas reportagens retratando a situação social na ilha comandada por Fidel Castro. Ficaram mais de um mês viajando o país inteiro.
Orlando Moreira foi o cinegrafista responsável pelas imagens da entrevista exclusiva que Jorgina de Freitas, uma das acusadas de fazer parte do Escândalo da Previdência, deu ao repórter Roberto Cabrini. A reportagem foi ao ar no Globo Repórter de outubro de 1997.
11 de setembro
Orlando Moreira e o repórter Edney Silvestre foram os primeiros brasileiros a cobrir os atentados às Torres Gêmeas, em Nova York, Estados Unidos. Quando chegaram próximos ao local da ação terrorista se depararam com uma cena surreal. Além da fumaça negra e cheiro de ferro queimado, as pessoas fugiam do local do atentado. Orlando e Edney correram em direção contrária.
Orlando Moreira conta que estava indo para o escritório quando ficou sabendo que um avião havia batido na torre. Como muita gente, achou que fosse um teco-teco. “Daqui a pouco, no rádio, alguém falou que havia outro avião. E, nessa hora, o transito começou a ficar congestionado. Era antes de nove da manhã, quando todo mundo estava indo trabalhar. Eu fui correndo, literalmente, uns 20 quarteirões até o escritório da Globo pegar a câmera e sair para filmar. Naquele dia, a primeira imagem foi minha e entrou no Jornal Hoje.
Cinco dias depois do atentado, Orlando e Jorge Pontual conseguiram furar a barreira policial e foram os primeiros jornalistas brasileiros a chegar a menos de 50 metros dos escombros do World Trade Center. “Fiz imagens exclusivas e com narração de Pontual foram exibidas no Fantástico".
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
Do Katrina à maratona de Boston
A passagem do furacão Katrina pelos Estados Unidos, em agosto de 2005, deixou um rastro de destruição na região metropolitana de Nova Orleans e causou mais de mil mortes. A repórter Heloísa Villela e Orlando Moreira foram ao local duas vezes, em uma delas para tentar encontrar uma brasileira entre as vítimas. Com as ruas inundadas e intransitáveis, Orlando negociou com um coronel para acompanharem um comboio de salvamento do Exército, junto com jornalistas do The New York Times. Quando chegaram ao local, a brasileira já tinha morrido.
Em março de 2006, na companhia de Hermano Henning, Orlando Moreira cobriu as eleições presidenciais no Haiti, que levou ao cargo René Préval. Ainda havia a expectativa de retorno de Jean-Bertrand Aristide, ex-presidente do Haiti, exilado na África do Sul desde 2004. O Haiti estava em conflito no período eleitoral. “Nós entramos pela fronteira com a República Dominicana com a ajuda da Embaixada Brasileira no Haiti, porque os carros oficiais podiam passar. A cidade estava um caos, porque tinha gente que não queria que Aristide voltasse. Os americanos estavam ao largo para garantir a eleição correta, a eleição direita, sem conflito”.
Imagens inesquecíveis para a reportagem de Glória Maria sobre o Grand Canyon americano foram produzidas pelo cinegrafista em 2010. A exibição foi no Globo Repórter . No mesmo ano, ele voltou a testemunhar a força da natureza, mas, dessa vez, a sua capacidade de destruição. A erupção do vulcão islandês Eyjafjallajökull suspendeu o tráfego aéreo europeu por várias semanas ao estender uma nuvem de cinza por todo o continente. Como a equipe do escritório de Londres não conseguiu se deslocar para fazer a cobertura, coube a Orlando Moreira e Flávio Fachel irem ao local. “A primeira matéria que fizemos foi sobrevoando a boca do vulcão de helicóptero, e eu me lembro das labaredas de fogo na hora da passagem do Fachel. Percorremos uma cidade inteira que estava toda tomada pela fumaça e também com um cheiro muito ruim”.
Em outubro de 2012, o furacão Sandy atingiu os países do leste caribenho e chegou com força a Nova York e Nova Jersey. Orlando Moreira e a equipe do escritório enfrentaram alagamentos, falta de luz e transporte, e dificuldades técnicas de comunicação para o envio das matérias. “Quando o furacão chegou a Nova York, o nosso escritório ficou sem luz, toda Manhattan. Por sorte, nosso prédio tinha um elevador de serviço que funcionava com gerador. Fomos lá pegar o equipamento – a câmera, as baterias – para trabalhar numa das agências com que temos contrato. Foi devastador, todos os repórteres participaram intensamente dessa cobertura”.
Outra tragédia documentada pelo repórter-cinematográfico foi o atentado em Boston, em abril de 2013. Duas bombas foram detonadas a poucos metros da linha de chegada da maratona. Orlando Moreira e Hélter Duarte foram ao local acompanhar as consequências do ato terrorista, acompanhados de Alan Severiano e Lúcio Rodrigues. “Foi uma cobertura muito intensa e foi muito difícil trabalhar, porque a região foi toda cercada. A polícia fechou tudo, porque estava investigando, procurando evidências”.
Reconhecimento e eleições americanas
No mês seguinte, Orlando Moreira e Jorge Pontual foram até Pittsburgh, na Pensilvânia, gravar matéria para o programa Cidades e Soluções, da GloboNews. A pauta era a exploração de gás xisto nos Estados Unidos. A reportagem conquistou o Prêmio Petrobras de Jornalismo.
Em Nova York, Orlando Moreira cobriu a eleição de George Bush em 1988; a eleição e reeleição de Bill Clinton em 1992 e 1996 ;a eleição e releição de George W Bush em 2000 e 2004; a campanha vitoriosa de Barack Obama e a última eleição americana que levou à presidência Donald Trump, em 2016.
O reconhecimento do trabalho do cinegrafista aconteceu ao longo dos anos. Em setembro de 2009, Orlando foi entrevistado ao vivo no Jornal Nacional por William Bonner e Fátima Bernardes, na edição especial que comemorou os 40 anos do telejornal. Em 2011, foi convidado pelo Jornal das Dez da Globo News para falar sobre os 10 anos dos atentados às Torres Gêmeas e, em 2014, comemorando 50 anos de carreira, esteve na bancada do programa Manhattan Connection, da GloboNews. Em abril de 2015, Orlando Moreira foi um dos homenageados na série 50 anos, em que o JN relembrou cinco décadas de jornalismo da Globo.
Repórteres dividem memórias, experiências e emoções dos 50 anos do jornalismo da Globo
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