Marco Antônio Gonçalves

O repórter cinematográfico Marco Antônio Gonçalves nasceu em São Paulo, em 11 de julho de 1955. Ingressou na Globo em 1971. Participou da criação do 'Globo Repórter', passou pelo escritório da emissora em Londres e pelo programa 'Globo Mar'.

Por Memória Globo


Pode-se dizer que Marco Antônio Gonçalves foi criado dentro da Globo. Contratado aos 15 anos como auxiliar de câmera, o repórter cinematográfico logo tomou gosto pelo ofício, que diz tê-lo escolhido. Ainda menor de idade, viajou o  Brasil com a equipe do 'Globo Repórter', programa que estreara em 1973. Conheceu também o país com o 'Globo Rural'. A passagem por esses dois programas apurou seu olhar para grandes reportagens e, particularmente, para as que envolviam aventura e vida selvagem. Parceiro de grandes nomes do jornalismo investigativo como Carlos Nascimento, Caco Barcellos e William Waack, rodou o mundo cobrindo conflitos como a guerra civil de Angola e o bombardeio das Farc pelo Exército colombiano. Outro desafio foi participar do 'Globo Mar', empreitada conjunta com seu velho amigo Ernesto Paglia, o primeiro programa da emissora gravado em tecnologia HD (de alta definição).

O antigo repórter cinematográfico, formado antes do VT, tinha que se concentrar no que é notícia, estar atento ao que estava acontecendo ao redor. Por isso, estou sempre visitando as afiliadas da Globo para passar um pouco da minha experiência.
Primeira oportunidade de Marco Antônio Goncalves como cinegrafista foi cobrindo a posse de Geisel — Foto: Memoria Globo

Início da carreira

Marco Antônio Gonçalves, filho do vendedor Boanerges Gonçalves e da dona de casa Clementina Grava Gonçalves, saiu direto do ensino médio (então colegial) e teve um início precoce na profissão: aos 15 anos, começou na Globo, levado por um primo. Ainda adolescente, iniciaria sua carreira como auxiliar de cinegrafista e não pararia mais. “Não fui eu que escolhi minha profissão. Fui escolhido por ela”, brinca.

O repórter cinematográfico foi contratado pela Globo de São Paulo, chamada então Rádio e Televisão Paulista, em 1971. A sede ainda era precária, e o auxiliar de câmera acompanhou a expansão do estúdio, originalmente alocado em um cinema e que, mais tarde, incorporou a pensão de solteiros localizada ao lado. A equipe tinha três repórteres – Hércules Breseghelo, João Leite Neto e Marília Gabriela – sete cinegrafistas e apenas duas câmeras sonoras (na época, boa parte das câmeras não captava som), que só eram usadas quando o repórter ia para a rua. Gonçalves teve sua primeira oportunidade como cinegrafista quando foi cobrir a posse do general Ernesto Geisel, em Brasília. Inicialmente escalado como auxiliar, foi deslocado para assumir a câmera, pois eram necessários dois profissionais e não somente um, como previsto.

Eu cheguei a fazer a posse de sete ministros num dia só, subia em um ministério, descia em outro, subia em um, descia em outro, praticamente sozinho, com uma câmera muda

A partir de então, fez inúmeras coberturas de temas cotidianos para o 'Globo Cidade' – com câmera sonora –, nas quais saía às ruas para entrevistar pessoas sobre buracos e outros problemas da cidade. Também cobria assuntos para o programa 'Globo em Dois Minutos', apresentado por Luiz Lopes Corrêa, que usava o bordão “Um minuto para os comerciais”. Mostrou ainda grandes tragédias em São Paulo, como o incêndio que destruiu o edifício Joelma, em 1974. “Se hoje passamos por treinamentos e prevenções, na época não tomávamos muito cuidado. Acho que o cinegrafista não tem muita noção do perigo. Olhando pelo visor da câmera, você acha que tem um escudo na sua frente; na verdade, você não tem”, afirma.

No lugar certo, na hora certa

Marco Gonçalves foi testemunha da criação de um dos programas-ícone da Globo, o 'Globo Repórter', e integrou a sua primeira equipe, formada por renomados diretores de cinema. “Eu estava no lugar certo, na hora certa”, diz. Aprendeu tudo com o diretor João Batista de Andrade, que o levou para incansáveis viagens pelo país, apesar de ainda ser menor de idade. “Eu precisava de autorização porque nessa época eu devia estar com 16, 17 anos. Fazia documentários maravilhosos com o João Batista, como 'Escola de 40 Mil Ruas' e 'Mercúrio no Pão Nosso de Cada Dia'”, conta. No primeiro, os dois registraram a rotina de menores abandonados nas ruas de São Paulo. O segundo foi gravado na Enseada dos Tainheiros, na Bahia, e mostrava empresas locais despejando mercúrio na bacia. Os frutos do mar da região, que serviam de alimentos para os moradores, estavam todos contaminados.

Anos de chumbo

Marco Antônio Gonçalves vivenciou os anos de chumbo do regime militar, uma época em que fazer jornalismo era um exercício de resistência e exigia habilidade e estratégia. Com censores nas redações, o cinegrafista precisava agir com inteligência para captar imagens como a do enterro de Vladimir Herzog, em 1975, que ele conhecera durante as gravações do filme 'Doramundo', de João Batista de Andrade. “A gente sentia que havia militares de todos os lados, não era só um ou outro, era bastante, a gente via que estava todo o pessoal do Exército lá. Era uma coisa meio difícil, porque naquela época se você fosse marcado por eles ficava um pouco complicado”, explica.

Em uma outra ocasião, a emissora foi repreendida pelo governo porque Marco Antônio gravou imagens de Dom Hélder Câmara, conhecido opositor do regime, durante a cobertura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Itaici, São Paulo. Na reportagem que foi ao ar, Dom Hélder aparecia.

Durante o período, Marco enfrentou outras dificuldades por conta da censura. Para driblá-la, os repórteres-cinematográficos e jornalistas usavam artifícios. Ao cobrir reuniões e grandes concentrações de pessoas – proibidas na época – registravam no 'Jornal Nacional' que tal região da cidade ficara congestionada. “Passávamos uma mensagem. A gente não falava o que aconteceu, mas a gente instigava as pessoas a tentar descobrir o que estava acontecendo”, acredita. Nessa época também cobriu a oposição ao regime militar por meio das greves no ABC paulista, promovidas pelo movimento sindical liderado pelo agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de sua prisão na época e julgamento pela Justiça Militar.

Marco Antônio tinha que usar de estratégias criativas para registrar eventos proibidos pela ditadura militar, que durou até 1985 — Foto: Memória Globo

Uma nova era para o jornalismo de TV

Marco Antônio também foi testemunha de um período importante para o jornalismo brasileiro. Particularmente na TV, com a chegada das novas tecnologias, como o Electronic News Gathering (ENG) e, depois, com a Unidade Portátil de Jornalismo, que possibilitou a realização de reportagens ao vivo do local de transmissão.

Essa modernização aconteceu paralelamente ao aumento da presença da sucursal paulista nos telejornais da rede, ocorrida com a contratação de Luiz Fernando Mercadante, que veio do Jornal da Tarde, para assumir a função de editor-chefe da redação de São Paulo, em 1976. Além de reforçar a equipe convidando novos jornalistas, Mercadante fez uma série de mudanças na rotina dos profissionais. “Ele trouxe um pessoal do jornal impresso que deu mais dinamismo para a nossa redação. O próximo passo seria inovar o formato de fazer TV. E foi o que aconteceu”, garante.

O desafio veio com o lançamento do 'Globo Rural', que estreou em 1980. O programa foi considerado uma aposta de risco, mas a produção foi em frente apesar das desconfianças que despertava. Demorou-se a acertar a linguagem, porém o 'Globo Rural' encontrou sua vocação ao concentrar os esforços em reportagens externas, com foco na produção rural do país.

Carreira internacional

Nesse mesmo ano, quase por acaso, Marco Antônio começou sua carreira internacional. Escalado para fazer uma reportagem no Paraguai sobre roubo de caminhões brasileiros que iam parar no país vizinho, estava novamente no lugar certo, na hora certa: o ex-presidente da Nicarágua Anastasio Somoza, refugiado no país, fora assassinado em um atentado, e o cinegrafista se encontrava a poucos metros do local do crime. A lista de reportagens no continente continuou com a parceria de Carlos Nascimento, com destaque para as coberturas do fim do governo militar na Argentina e da rota do tráfico de drogas na Bolívia.

Em 1983, Marco foi convidado a ir para Londres, uma cidade que vivia sob ameaça permanente de atentados terroristas protagonizados pelo grupo católico irlandês IRA. O escritório da Globo cobria, com quatro equipes, praticamente toda a Europa e parte da Ásia e Austrália, e o repórter cinematográfico teve muito trabalho, incluindo o noticiário de esportes, com as corridas de Fórmula 1, nas quais registrou a ascensão de Ayrton Senna – ele cobriu o primeiro grande prêmio que o piloto ganhou em sua carreira –, e jogos de futebol de times europeus que tinham jogadores brasileiros atuando na Itália e em Portugal.

Redemocratização

A temporada em Londres terminou com a volta de Marco Antônio ao Brasil, no final em 1987, o que lhe permitiu participar das eleições de 1989. Do primeiro presidente eleito depois da redemocratização, registrou da posse ao impeachment, passando pelo Plano Collor e suas repercussões para o país.

Marco Antônio voltou também a trabalhar no 'Globo Repórter'. Ele não esconde o prazer de participar do programa. “A gente almoça com o assunto. No 'Globo Repórter', você leva as dúvidas sobre o que você vai fazer, para onde você vai. Uma das coisas importantes para o cinegrafista no 'Globo Repórter' é a continuidade da captação para estabelecer a linguagem daquele programa”, avalia.

Entre as reportagens desse período, também está o Massacre do Carandiru. Outra cobertura de impacto foi o velório de Ayrton Senna, em 1994.

A imagem que marca é a dos policiais entrando no presídio. É claro que você não sabia o que ia acontecer, mas essa é uma imagem que marca muito, quando eles estavam entrando ali no Carandiru

Um grande parceiro

O repórter Ernesto Plagia é um antigo companheiro de empreitadas. Conheceram-se no Núcleo de Reportagens Especiais, em 1979, e, desde então, fizeram grandes matérias juntos. Em 1995, acompanharam a rotina dos habitantes na Groelândia, retornando ao local 12 anos depois, em 2007. O intervalo possibilitou o registro das consequências do aquecimento global para a região.

Durante sua carreira, Marco Antônio se especializou em reportagens sobre natureza. Para ele, o segredo para registrar imagens do gênero é a paciência: “Você tem que ter muita paciência para gravar, tem que parar e esperar a situação. É um desafio”, ensina.

Segundo bloco da matéria de Ernesto Paglia sobre a Groenlândia, 12 anos depois da primeira reportagem – no Ártico – para o programa. 'Globo Repórter', 16/11/2007.

Jornalismo investigativo

As experiências na profissão deram a Marco Antônio a tarimba para trabalhar com jornalismo investigativo. Usando um carro descaracterizado, mostrou o interior do apartamento de luxo comprado em Miami pelo juiz do Tribunal Regional do Trabalho Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau”, em 2000. Ao lado de Caco Barcellos, fingiu ser marceneiro e teve acesso ao imóvel. Com uma pequena câmera dentro da sacola, registrou com exclusividade a opulência do apartamento.

Reportagem Caco Barcellos, com imagens de Marco Antônio Gonçalves, sobre a suposta casa na Flórida do juiz Nicolau dos Santos Neto, 'Jornal Nacional', 07/08/2000.

Ainda ao lado de Barcellos, cobriu a guerra civil em Angola, um conflito que se arrastava há mais de 40 anos. Produziram juntos reportagens exibidas pelo 'Fantástico', em 2001. Foi a cobertura mais sofrida de sua vida. “Eu chorava muito”, conta. A série ganhou o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos.

Primeira parte da reportagem de Caco Barcellos e Marco Antônio Gonçalves sobre o sofrimento da população de Angola com a guerra civil que assolava o país, e o trabalho da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras para tentar salvar vidas. 'Fantástico', 10/12/2000.

Outra experiência marcante na trajetória de Marco Antônio foi um encontro com as Farc, ao lado de William Waack, em 2002. O grupo paramilitar estava sendo bombardeado pelo governo da Colômbia. Levados para San Vicente de Caguán, cidade ao lado do local conhecido como Farcolândia, a dupla conseguiu um grande feito: ligar as Farc à produção de cocaína e ao narcotráfico. No país vizinho, a Venezuela, no mesmo ano, cobriu a tentativa de golpe contra Hugo Chávez, ao lado de Tonico Ferreira.

Os repórteres William Waack e Marco Antonio Gonçalves entrevistam na Colômbia, com exclusividade, o traficante de drogas conhecido como “Bonner”, ligado a Fernandinho Beira-Mar. 'Jornal Nacional', 01/03/2002.

Em 2005, também teve a oportunidade de mostrar o impacto de um terremoto no Paquistão, ao lado de Caco Barcellos.

Reportagem de Caco Barcellos e Marco Antônio Gonçalves sobre a ajuda dos Médicos Sem Fronteiras às vítimas do terremoto no Paquistão que deixou mais de 40 mil mortos, 'Fantástico', 27/11/2005.

Edição sem cortes

No ano 2000, Marco Antônio teve a oportunidade de ver uma reportagem sua render uma edição inteira do 'SPTV': a agressão sofrida pelo governador Mário Covas durante a greve nacional dos professores. O repórter-cinematográfico gravou a sequência inteira de entrada e saída do governador da Secretaria de Educação quando o fato ocorreu. A edição, sem corte, foi ao ar do jeito que estava. “Houve um só intervalo durante o jornal e o apresentador falou: ‘Aí estão as imagens brutas, sem corte, sem edição, cada um tire as suas conclusões’, porque não tinha narração também, foram as imagens do jeito que elas foram feitas. Tenho muito orgulho até hoje de ter feito esse jornal assim inteiro”, diz.

Com William Waack, cobriu as duas eleições do presidente Barack Obama, em 2008 e 2012. Nessa época, participou ainda da cobertura da Copa do Mundo de 2010, na África do Sul, e da escolha do Papa Francisco, em 2013, ao lado de Gerson Camarotti.

Desbravando novos mares

A trajetória eclética de Marco Antônio o levou a ser escolhido para trabalhar no 'Globo Mar', em 2010. O programa teve quatro temporadas e foi realizado com seu antigo parceiro Ernesto Paglia. “Ah, o 'Globo Mar' foi uma experiência maravilhosa. O programa seria feito com duas câmeras, mas toda vez que você usa duas câmeras existe a probabilidade de as câmeras se encontrarem e de estar uma câmera de cada lado do repórter. Aí você precisa de um repórter que saiba lidar com as duas câmeras, que saiba a hora de olhar para uma e a hora de olhar para a outra. É claro que o Paglia era esse cara”, enfatiza.

Ernesto Paglia mostra curiosidades da Ilha de Curaçao, para o 'Globo Mar'. 28/06/2013

Além da agilidade do repórter, era preciso atenção especial ao equipamento: “Tínhamos muito cuidado com a limpeza. Passávamos o dia inteiro limpando todo o equipamento para tirar a água do mar”. Entre as experiências mais inusitadas no período, Marco Antônio cita a filmagem de um surfista na pororoca. “A gente tinha que andar na frente da pororoca e tinha medo de o barco falhar. Se isso acontecesse, a pororoca nos pegava”, detalha.

O programa também foi a primeira produção da emissora a usar a tecnologia HD, com alta definição.

“O impacto do HD foi mais ou menos o mesmo de quando começamos a trabalhar com filme colorido, que era uma coisa revolucionária na época. Como o programa estava estreando, gravamos tudo em alta definição, usando uma supercâmera, que é um avião, a PW800. Considero que, hoje em dia, não trabalho mais nem com uma câmera, eu trabalho com um computador que tem uma lente."

Em 2023, para marcar os 50 anos do 'Globo Repórter', participou de uma reportagem para mostrar a evolução de seu principal instrumento de trabalho, as câmeras, ao longo deste tempo.

Veja como a tecnologia mudou o jeito de fazer o Globo Repórter, em 50 anos. As câmeras ficaram menores, mais leves e muito mais tecnológicas. As produções eram feitas à mão. Os repórteres cinematográficos Marcel Hollender e Marco Antonio Gonçalves, dos primeiros tempos do programa, mostram relíquias.. 'Globo Repórter', 31/03/2023

Fonte

Depoimento de Marco Antônio Gonçalves concedido ao Memória Globo em 25/06/2015.