José Lewgoy

O ator José Lewgoy nasceu no Rio Grande do Sul, em 1920. Eterno vilão das chanchadas da Atlântida fez mais de 100 filmes. Na Globo, estreou em 1972, na novela 'O Bofe'. Fez cerca de 30 trabalhos na emissora, entre novelas e minisséries. Morreu em 2003, aos 82 anos.

Por Memória Globo


O maior vilão do cinema brasileiro se regenerou na TV – apesar das ocasionais recaídas. José Lewgoy começou sua carreira nas telas em 1949 como o maquiavélico Anjo de 'Carnaval no Fogo', chanchada de Watson Macedo, e o seu último papel em telenovelas foi o Padre Romão de 'Esperança', de Benedito Ruy Barbosa, em 2002. O ator já havia atuado em quase 50 filmes quando fez a sua estreia na Globo, em 1972, em 'O Bofe', de Bráulio Pedroso e Lauro César Muniz. Filho de uma americana e um russo, caçula de uma família de oito irmãos, nasceu no dia 16 de novembro de 1920, em Veranópolis, no Rio Grande do Sul. “A maior parte dos meus irmãos nasceu em Nova York. Eu fui nascer em Veranópolis, e não me arrependo, porque é um dos lugares de maior longevidade no mundo.” Lewgoy morreu aos 84 anos, em 10 de fevereiro de 2003. Trabalhou em mais de 30 novelas e cerca de cem longas-metragens, com diretores como Glauber Rocha e o alemão Werner Herzog.

Quem quiser saber como eu sou, quem eu sou, leia Alice no País das Maravilhas e leia O Estrangeiro, do Camus, que é um autor favorito meu.

O ator aprendeu a falar italiano em sua cidade natal, uma colônia italiana. O inglês, que falava com a mãe desde o berço, aprimorou em Porto Alegre, numa escola metodista americana. A paixão por uma professora e, posteriormente, pelo autor de teatro Molière, o levou ao francês. Chegou a se formar em Economia pela Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas de Porto Alegre, mas a sua facilidade para aprender línguas lhe rendeu um emprego insólito nos Correios: censurar as cartas que marinheiros ingleses enviavam aos seus familiares. “Não era uma censura ideológica. É que, sem querer, eles davam detalhes de localização que serviam à espionagem alemã.” Depois, trabalhou como tradutor e revisor na Livraria do Globo, uma tradicional editora gaúcha, onde se tornou amigo do poeta Mario Quintana.

Nessa época, entrou para o Teatro do Estudante do Rio Grande do Sul, onde, além de atuar, traduziu e dirigiu várias peças. Na estreia de 'O Viajante sem Bagagem', de Jean Anouilh, conheceu Erico Veríssimo. O escritor estava acompanhado do adido cultural dos Estados Unidos, que, impressionado com a sua atuação, ofereceu-lhe uma bolsa de estudos na Escola Dramática da Universidade de Yale. Lewgoy ficou por lá de 1947 a 1949. Assistiu à estreia de Marlon Brando em 'Um Bonde Chamado Desejo', de Tennessee Williams, no Teatro Shubert, na Broadway; viu, pela primeira vez, um aparelho de televisão; e formou-se diretor.

José Lewgoy em Nina, 1977 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

De volta ao Brasil, foi apresentado pelo roteirista Almir Azevedo ao diretor Watson Macedo e acabou ganhando um dos papéis mais importantes de sua carreira em 'Carnaval no Fogo', quando atuou pela primeira vez com Oscarito e Grande Otelo. “Pedi que me deixasse fazer o papel como eu queria, de acordo com meu físico, e fiz um bandido suave, irônico, cínico e ameaçador.” Foi um sucesso instantâneo. “Carnaval no Fogo me deixou conhecido da noite para o dia. Naquela época, os filmes estreavam no Cinema São Luís, de manhã, às 10h30. Eu entrei desconhecido e saí famosíssimo. Famosíssimo, mesmo.” Foi antagonista da dupla em vários campeões de bilheteria da Atlântida, como 'Aviso aos Navegantes' (1950), também de Watson Macedo, 'Carnaval Atlântida' (1952), de José Carlos Burle, e 'Matar ou Correr' (1954), de Carlos Manga.

Em 1954, foi cobrir o Festival de Cannes para o Diário Carioca. Acabou ficando dez anos na Europa, onde trabalhou numa empresa exportadora de café e participou de alguns filmes, como 'SOS Noronha', do premiado documentarista francês Georges Rouquier, e 'Escapade', ao lado do astro Louis Jourdan, ambos em 1957. Voltou ao Brasil em 1964, quando fez sua estreia na televisão no 'Jornal de Vanguarda', na TV Excelsior, ao lado de Millôr Fernandes, Borjalo e Sérgio Porto.

Primeiros trabalhos na Globo

Os amigos Fabio Sabag e Lima Duarte o convidaram para trabalhar na Globo, na novela 'O Bofe' (1972), dirigida pelo último. “Sabag procurava um ator para fazer o noivo francês da Ilka Soares. Eu pedi ao Lima se, em vez de francês, eu podia falar um nordestino horrível; até hoje não sei fazer sotaque nordestino. Ele deixou, e ficou engraçadíssimo.” Em seguida, foi o Professor Noronha de 'Cavalo de Aço' (1973), de Walther Negrão.

José Lewgoy em O Bofe, 1972 — Foto: Acervo/Globo

Em 1974, interpretou o banqueiro Braga, na novela de Bráulio Pedroso 'O Rebu'. Lewgoy participou das duas versões de 'Anjo Mau', em 1976 e 1997. Na primeira, escrita por Cassiano Gabus Mendes, foi Augusto, motorista da família Medeiros e pai adotivo da protagonista Nice (Suzana Vieira). Na segunda, adaptada por Maria Adelaide Amaral, viveu o patriarca dos Medeiros, Eduardo. “Eu prefiro a segunda versão, embora meu papel na primeira fosse melhor. O relacionamento que eu tinha com a Beatriz Segall, na segunda, foi um achado.” O professor de dança Frazão, de 'Nina' (1977), novela escrita por Walter George Durst a partir do livro Simão, o Caolho, de Galeão Coutinho, é um dos seus personagens favoritos.

Essas pessoas que amaram a arte, mas não foram amadas por ela, dão personagens muito ricos, comoventes.

O Rebu - 1ª versão (1974): cena em que Braga (José Lewgoy), Lídia (Arlete Salles) e Olympia Boncompagni (Marília Branco) chegam à festa. Com Conrad Mahler (Ziembinski), Boneco (Lima Duarte) e Maria Angélica (Yara Cortes).

Parceria com Gilberto Braga

Em 'Dancin’Days' (1978), na qual viveu Horácio Pratini, iniciou uma bem-sucedida parceria com o autor Gilberto Braga. “Ele foi meu guru. Foi a pessoa que mais acreditou em mim, dando-me os melhores papéis.” A partir daí, ficou conhecido por interpretar sempre os personagens ricos nas novelas do autor, como o milionário assassino Kleber Simpson, de 'Água Viva' (1980). “Foi uma maravilha fazer o Kleber, e ter o prazer de matar Raul Cortez. Eu matei Miguel Fragonard!” O distraído Edgard Dumont de 'Louco Amor' (1984) foi o seu papel mais popular na televisão. “A maneira de falar foi o que determinou tudo. Ele tinha enfisema e estava esclerosado. Daí, eu parti para aquela maneira de falar, com aquele bordão, e aquela vaidade. Edgard não queria ser corrigido. Dizia: ‘E eu não sei?’” Também foi o crítico de arte Ronaldo Pires de 'Pátria Minha' (1984) e o Conselheiro Felício Cantuária de 'Força de um Desejo' (1999). “Eu sairia nos primeiros capítulos de Força de um Desejo, mas fiquei até a penúltima cena do último capítulo.”

José Lewgoy em 'Labirinto', 1998 — Foto: Nelson Di Rago

De Gilberto Braga, participou ainda de duas minisséries. Em 'Anos Dourados' (1986), deu vida ao Brigadeiro Campos. “Era um militar da linha dura. Eu aceitei fazer sem nenhum espírito de vingança. E humanizei o personagem, sem perder nada do que havia de desagradável no caráter dele.” E representou o Dr. Mateus de Toledo Galhardo em 'Labirinto' (1998).

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a minissérie Anos Dourados (1988) com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Quando Gilberto fez a minissérie, era um tipo de papel que ele sabia que eu podia fazer direito: um velho milionário. Labirinto é a súmula de tudo que já fiz em novelas. Eu adoro personagem de smoking, um personagem de casaca

Outros Trabalhos

Na década de 1980, o ator trabalhou em novelas como 'Plumas e Paetês' (1980), de Cassiano Gabus Mendes; 'Terras do Sem Fim' (1981), escrita por Walter George Durst a partir da obra de Jorge Amado; e 'Um Sonho a Mais' (1985), de Daniel Más e Lauro Cesar Muniz, inspirada na peça 'Volpone', de Ben Johnson. Em 1987, Lewgoy viveu o rico Agostinho Della Santa em 'O Outro', de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares. No ano seguinte, trabalhou em 'Vida Nova' (1988), de Benedito Ruy Barbosa, quando viveu o judeu Samuel, pai de Ruth (Deborah Evelyn), que tinha falas em iídiche.

Na década de 1990, atuou em 'Gente Fina' (1990), de Luiz Carlos Fusco e Marilu Saldanha, no papel de Vovô Olavo, pai do protagonista Guilherme (Hugo Carvana). “Gostei muito de trabalhar com as crianças. Não é fácil contracenar com criança, você precisa de certa prática para entrar na delas, não o contrário.” Uma das crianças era a atriz Natália Lage, na época com 11 anos. Dois anos depois, viveu o mafioso Branco Torremolinos, em 'Perigosas Peruas' (1992), de Carlos Lombardi. “Eu ria à beça. Meu papel era engraçadíssimo. E como eu avacalhava com o Guilherme Karan!”. Outro papel marcante foi o Coronel Bento Amaral da minissérie 'O Tempo e o Vento' (1985), escrita por Doc Comparato, a partir da obra de Erico Verissimo.

Aquele personagem eu conhecia como ninguém. É um personagem fantástico, como o Capitão Rodrigo.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a a minissérie O Tempo e o Vento – 1ª versão com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Filmes

No cinema, Lewgoy trabalhou também em Roberto Carlos em 'Ritmo de Aventura' (1968) e 'Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-Rosa' (1970), ambos dirigidos por Roberto Farias; no clássico do Cinema 'Novo Terra em Transe' (1967), de Glauber Rocha; 'Fitzcarraldo' (1982) e 'Cobra Verde' (1987), de Werner Herzog; 'O Beijo da Mulher Aranha' (1985), de Hector Babenco; e 'Luar Sobre o Parador' (1988), de Paul Mazursky, entre muitos outros. Seu último filme foi 'Apolônio Brasil, Campeão da Alegria' (2003), dirigido por Hugo Carvana.

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José Lewgoy morreu no Rio de Janeiro em 10 de fevereiro de 2003, aos 82 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória.

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