Especial Gilberto Braga

Valores éticos e morais, conflitos familiares e diferenças entre classes sociais são temas recorrentes nas novelas de Gilberto Braga. Este especial visita a obra de um dos maiores autores da dramaturgia nacional.

Por Memória Globo


As tramas de Gilberto Braga, que tão bem retrataram as diferentes classes sociais do Brasil em seus mais de quarenta anos de carreira como escritor, são resultado do olhar atento às diferenças que compõem o país. Nascido em Vila Isabel, Zona Norte do Rio de Janeiro, em 1º de novembro de 1945, cursou Letras na Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro e dava aulas na Aliança Francesa quando assumiu a crítica de teatro e cinema do Jornal O Globo.

Gilberto Braga, 2008 — Foto: Cícero Rodrigues/Globo

Em 1973, quando ainda assinava Gilberto Tumscitz, decidiu escrever um Caso Especial para TV Globo e adaptou a ‘Dama das Camélias’, de Alexandre Dumas. Após assinar mais dois episódios do Caso Especial, uma faceta do então escritor d’O Globo se mostrou: o de contador de histórias.

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Depoimento - Gilberto Braga: Entrada na Globo (1973)

Depoimento - Gilberto Braga: A parceria com Janete Clair

Depoimento - Gilberto Braga: Dinâmica de trabalho

'CORRIDA DO OURO' (1974)

A primeira novela veio em 1974, em colaboração com Lauro César Muniz. ‘Corrida do Ouro’ contou a história de cinco mulheres que herdavam uma fortuna de um milionário excêntrico. Teresa (Aracy Balabanian), Isadora (Sandra Bréa), Patrícia (Renata Sorrah), Ilka (Maria Luiza Castelli) e Gilda (Célia Biar), no entanto, precisam cumprir as condições estabelecidas pelo falecido para receberem a herança.

Renata Sorrah, Aracy Balabanian, Maria Luiza Castelli, Sandra Bréa e Celia Biar em Corrida do Ouro, 1974 — Foto: Acervo/Globo

'HELENA' (1975)

A exemplo de sua primeira experiência como escritor de televisão, ‘Helena’ (1975) foi escrita a partir do romance de Machado de Assis. A novela inaugurou as adaptações literárias nacionais no horário das 18h, e teve Lúcia Alves e Osmar Prado nos papéis principais. Com 20 capítulos, ‘Helena’ foi gravada em 12 dias e estreou na televisão com todos os capítulos finalizados.

Osmar Prado e Lúcia Alves em Helena, 1975 — Foto: Acervo/Globo

'SENHORA' (1975)

Norma Blum, intérprete de Aurélia, protagonizou ‘Senhora’ (2015), adaptação de José de Alencar. Disposta a se vingar de Fernando (Cláudio Marzo), homem que a trocou por uma mulher mais rica, Aurélia descobre que ainda é apaixonada pelo rapaz. A adaptação de Gilberto Braga apresentou uma estrutura similar à do romance: além da divisão da trama em três partes – com uma delas narrada em flashback –, tinha diálogos que reproduziam literalmente o texto original. ‘Senhora’ foi mais longa que sua antecessora, teve 80 capítulos.

Zilka Sallaberry e Norma Blum em 'Senhora', 1975 — Foto: Acervo/Globo

'BRAVO!' (1975)

No dia da estreia de ‘Roque Santeiro’, em 1975, a novela foi vetada pela Censura Federal, o que levou a TV Globo a se mobilizar para levar uma nova história ao ar. A solução encontrada foi colocar uma reprise de ‘Selva de Pedra’ no horário vago, enquanto Janete Clair, escritora de ‘Bravo!’, criava uma história para o horário, que se tonou a novela ‘Pecado Capital’. Gilberto, então, assumiu ‘Bravo!’, novela sobre Clóvis (Carlos Alberto), um maestro genial que se considera uma farsa. Ele só passa a acreditar em si mesmo quando conhece Cristina (Aracy Balabanian).

Aracy Balabanian e Carlos Alberto em Bravo!, 1975 — Foto: Acervo/Globo

'ESCRAVA ISAURA' (1976)

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Webdoc novela - Escrava Isaura (1976)

As adaptações de Gilberto ganharam o mundo com a exibição de ‘Escrava Isaura’ (1976). O romance abolicionista de Bernardo Guimarães sobre a escrava branca atormentada por seu senhor foi sucesso de exportação. Isaura (Lucélia Santos) e Leôncio (Rubens de Falco), a mocinha e seu algoz, respectivamente, representaram a luta por liberdade por onde passavam. A abertura de 'Escrava Isaura', que exibia gravuras do pintor francês Jean-Baptiste Debret, entrou para a história.

Rubens de Falco e Lucélia Santos em 'Escrava Isaura', 1976 — Foto: Acervo/Globo

'DONA XEPA' (1977)

Yara Cortes em Dona Xepa, 1977 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

A busca pela ascensão social levou os filhos da feirante Xepa (Yara Cortez), Edson (Reinaldo Gonzaga) e Rosália (Nívea Maria), a se afastarem da mãe, por vergonha Para imprimir maior realismo aos personagens e às suas histórias, a Globo fez uma pesquisa minuciosa sobre o dia a dia dos feirantes e as tradições que envolvem as feiras livres. O sucesso da trama fez com que o autor Gilberto Braga fosse convidado para escrever uma novela no horário das 20h. No ano seguinte, estreou ‘Dancin’ Days’ (1978).

'DANCIN’ DAYS' (1978)

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Webdoc novela - Dancin' Days (1978)

Seguidos dos sucessos ‘Escrava Isaura’ (1976), às 18h, e ‘Dona Xepa’ (1977), às 19h, Gilberto Braga escreveu sua primeira novela das 20h, ‘Dancin Days’, em 1978, repetindo o êxito. Na trama, Júlia Matos (Sônia Braga) é uma ex-presidiária que tenta reconquistar o amor de sua filha, Marisa (Gloria Pires), criada pela socialite Yolanda Pratini (Joana Fomm), irmã e inimiga de Júlia. A novela impulsionou o sucesso das discotecas no Brasil, a exemplo do que já havia acontecido no exterior em ‘Embalos de Sábado à Noite’ (1977), filme com John Travolta. ‘Dancin Days’ inaugurou ainda as discussões dos valores da classe média urbana nas tramas de Gilberto Braga.

Sônia Braga em 'Dancin' Days', 1978 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

'ÁGUA VIVA' (1980)

‘Água Viva’ (1980) foi escrita em parceria com Manoel Carlos e trouxe Raul Cortez e Reginaldo Faria como Miguel e Nelson Fragonard, irmãos que disputam o amor de Lígia (Betty Faria). Com o Rio de Janeiro como cenário, a novela imprimia as características marcantes dos dois autores, sendo um sucesso. Em 'Água Viva', a atriz Beatriz Segall interpretou a sua primeira grande vilã na televisão, a personagem Lourdes Mesquita.

Betty Faria em 'Água Viva', 1980 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

'BRILHANTE' (1981)

Gilberto Braga inovou ao abordar em ‘Brilhante’ (1981) a homossexualidade através do personagem Inácio Newman (Dennis Carvalho). Pertencente a uma família de renome, Inácio é apresentado a Luiza (Vera Fischer) por intermédio de sua mãe, Chica (Fernanda Montenegro). Luiza se afasta quando descobre a sexualidade do rapaz. ‘Brilhante’ teve problemas com a Censura. Gilberto Braga conta que não foi autorizado o uso da palavra “homossexual” nos diálogos da novela. Segundo ele, isso dificultava muito o desenvolvimento da trama, porque um dos eixos centrais estava envolto no tema.

Dennis Carvalho em 'Brilhante', 1981 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

'LOUCO AMOR' (1983)

Bruna Lombardi e Fábio Jr em Louco Amor, 1983 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

As diferenças sociais davam o tom à ‘Louco Amor’ (1983), em que a rica Patrícia Dumont (Bruna Lombardi) se apaixona por Luiz Carlos (Fábio Jr.), filho da cozinheira de sua casa. A relação passa a ser alvo de Renata (Tereza Rachel), madrasta de Patrícia, que repudia seu envolvimento com alguém de nascimento tão baixo. ‘Louco Amor’ contou ainda a história de Cláudia (Gloria Pires), uma jornalista cujos caminhos se cruzam com o de Luiz Carlos.

'CORPO A CORPO' (1984)

Em ‘Corpo a Corpo’ (1984) Gilberto Braga expôs as mazelas sociais ao discutir o racismo na trama de um casal interracial composto por Marcos Paulo e Zezé Motta. A polêmica se estendeu ao público da novela, já que parte não aprovava o relacionamento de um homem branco com uma mulher negra. Estrelada por Débora Duarte e Antonio Fagundes, o eixo principal girava em torno de uma mulher que, para ascender socialmente, faz um pacto com um homem misterioso.

Débora Duarte, Antonio Fagundes e Yaçanã Martins em 'Corpo a Corpo', 1984 — Foto: Acervo/Globo

'VALE TUDO' (1988)

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Webdoc novela - 'Vale Tudo' (1988)

“Vale a pena ser honesto no Brasil?”. Com essa pergunta o autor levou para a televisão a história de Raquel Acioly (Regina Duarte), que toma um golpe da própria filha, a ambiciosa Maria de Fátima, papel de Gloria Pires. Honestidade e desonestidade, personificados pelas duas personagens, se alternam diante de situações corriqueiras conforme a trama de desenvolvia. A vilã aristocrata Odete Roitman, papel de Beatriz Segall, foi eternizada como uma das maiores vilãs da dramaturgia brasileira. ‘Vale Tudo’ foi escrita em colaboração com os autores Leonor Bassères e Aguinaldo Silva, e foi a primeira novela de uma trilogia que teve como tema os valores éticos diante da corrupção.

Regina Duarte e Gloria Pires em 'Vale Tudo', 1988 — Foto: Acervo/Globo

'O DONO DO MUNDO' (1991)

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Webdoc novela - 'O Dono do Mundo' (1991)

Um renomado cirurgião aposta tirar a virgindade da esposa recém-casada com um funcionário de sua empresa, tudo isso antes que o marido consuma o ato na lua de mel. Felipe Barreto (Antonio Fagundes) não vê obstáculos para conseguir o que quer. No entanto, ao fazer de Márcia (Malu Mader) personagem de uma de suas brincadeiras, entra em um jogo perigoso. Diferente das tramas anteriores, Gilberto Braga contou com um vilão masculino.

Malu Mader e Antonio Fagundes em O Dono do Mundo, 1991 — Foto: Arley Alves/Globo

'PÁTRIA MINHA' (1994)

Em mais uma trama sobre a influência do poder e dinheiro na sociedade, ‘Pátria Minha’ (1994) mostra a história de Raul Pelegrini (Tarcísio Meira), rico empresário que quer desapropriar uma comunidade carente. Ao humilhar um funcionário e logo em seguida atropelar uma pessoa, Raul é confrontado pela jovem Alice (Cláudia Abreu). Idealista e com valores que a aproxima das pessoas mais carentes, ela vê no empresário um inimigo ferrenho. O que os dois não imaginam é que são avô e neta.

Claudia Abreu e Tarcísio Meira em 'Pátria Minha', 1994 — Foto: Jorge BaumannGlobo

'FORÇA DE UM DESEJO' (1999)

‘A Retirada da Laguna’, Inocência’ e ‘A Mocidade de Trajano’, romances do Visconde de Taunay, inspiraram ‘Força de Um Desejo’ (1999). Ambientada no século XIX, teve como casal protagonista Ester Delamare (Malu Mader) e Inácio Sobral (Fábio Assunção), que se conheceram em uma viagem do rapaz à capital do país, na época o Rio de Janeiro,e juraram amor. Porém, com a volta do rapaz à fazenda de seu pai, o Barão (Reginaldo Faria), o casal se separa por conta das maldades de Idalina (Nathalia Timberg), avó de Inácio. Tempos depois, após uma viagem, o Barão se casa novamente e traz sua esposa para morar consigo e os filhos na fazenda. É Ester, que agora é madrasta do homem que ama. Novela escrita em parceria com Alcides Nogueira.

Malu Mader e Fábio Assunção em 'Força de um Desejo', 1999 — Foto: Nelson Di Rago/Globo

'CELEBRIDADE' (2003)

A vingança de Laura (Cláudia Abreu) contra a ex-modelo e produtora Maria Clara Diniz (Malu Mader) norteia os acontecimentos de ‘Celebridade’ (2003). Gilberto Braga traçou um panorama do Rio de Janeiro onde os personagens, de diferentes realidades sociais, lidam com os impactos da fama e do poder. Hugo Carvana deu vida a mais um empresário nas tramas do autor, Lineu Vasconcelos, cuja morte levou os telespectadores a se perguntarem a identidade do assassino, revelada apenas no último capítulo.

Cláudia Abreu e Malu Mader em 'Celebridade', 2003 — Foto: João Miguel Júnior/Globo

'PARAÍSO TROPICAL' (2007)

Em uma Copacabana onde várias histórias se desenvolvem, as gêmeas Paula e Taís (Alessandra Negrini) se conhecem sem saber da existência uma da outra até então. O bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro é palco das disputas pelo controle do Grupo Cavalcanti, chefiado por Antenor Cavalcanti (Tony Ramos). O inescrupuloso Olavo (Wagner Moura) e o honesto Daniel (Fábio Assunção) antagonizam ao concorrerem pela preferência de Antenor. No decorrer dos capítulos, Olavo passa a fazer dupla com a prostituta Bebel (Camila Pitanga), e os dois caem nas graças do público.

Fábio Assunção e Alessandra Negrini em 'Paraíso Tropical', 2007 — Foto: Rafael França/Globo

'INSENSATO CORAÇÃO' (2011)

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Webdoc novela - 'Insensato Coração' (2011)

Dois irmãos completamente diferentes são parte do núcleo principal de ‘Insensato Coração’ (2011). Pedro (Eriberto Leão) e Léo (Gabriel Braga Nunes) têm uma história marcada pelo ressentimento no modo com que Raul (Antonio Fagundes), o pai, trata os dois. Enquanto Pedro é visto com admiração, Léo representa a incapacidade de tomar um rumo na vida. Mau-caráter, Léo vê sua vida mudar com a saída de Norma (Gloria Pires) da prisão. Ele a mandou para a cadeia por um crime que ela não cometeu.

Gloria Pires e Gabriel Braga Nunes em 'Insensato Coração', 2011 — Foto: Estevam Avellar/Globo

BABILÔNIA (2015)

Beatriz (Gloria Pires), Inês (Adriana Esteves) e Regina (Camila Pitanga) têm personalidades distintas e lidam com um sentimento em comum: a ambição. Dividida em duas fases, ‘Babilônia’ (2015) tem Gloria Pires e Cássio Gabus Mendes (Evandro Rangel) repetindo a parceria de ‘Vale Tudo’. Um dos destaques foi o casal Estela (Nathalia Timberg) e Teresa (Fernanda Montenegro), juntas há trinta anos, que protagonizaram um beijo no primeiro capítulo. Foi a última novela do autor, falecido em outubro de 2021. ‘Babilônica’ foi uma parceria de Gilberto com Ricardo Linhares e João Ximenes Braga.

Glória Pires, Adriana Esteves e Camila Pitanga em Babilônia, 2015 — Foto: Alex Carvalho/Globo