O sonho de escrever roteiros e trabalhar em televisão esteve vivo desde cedo na vida de Duca Rachid. Introspectiva, lia tudo o que lhe passava pelas mãos, desde menina, de enciclopédia a romance de Jorge Amado, e adorava programas de TV. Formou-se em jornalismo pela PUC, em São Paulo, e chegou a exercer a profissão durante alguns anos. Mudou de emprego e de continente até conseguir a oportunidade de trabalhar como roteirista e ter seu talento reafirmado em diversas novelas de sucesso como O Profeta (2006) e Cordel Encantado (2011). Um dos marcos dessa trajetória veio em 2014, quando recebeu, com as autoras Thelma Guedes e Thereza Falcão, o Prêmio Emmy, um dos mais importantes da televisão mundial, com a novela Joia Rara.
Formação
Filha do comerciante Wilson Rachid, e da professora Maria Amélia Rodrigues Rachid, Duca Rachid estudou em escolas públicas e passou boa parte da infância e da adolescência em São Miguel Paulista, periferia de São Paulo. “Depois fui fazer o colegial em Mogi das Cruzes e, como não tinha muita opção, acabei fazendo um curso técnico em química, uma matéria que eu odiava. Mais tarde, fiz vestibular para jornalismo”, conta. O nome de batismo, Maria do Carmo Rodrigues Rachid, é uma homenagem à avó, Maria do Carmo.
Formou-se em jornalismo pela PUC, em São Paulo, e chegou a exercer a profissão durante alguns anos. Mas nem mesmo a carreira jornalística que se desenhava promissora fez Duca Rachid deixar de lado o sonho de infância. O caminho até a realização profissional passou pela atuação em redações de dois jornais. O primeiro foi em um tabloide paulistano, de circulação gratuita, e, em seguida, no Diário do Comércio e Indústria – DCI. Desde a faculdade, Duca empreendia projetos com os amigos. Um deles foi uma produtora que fazia de vídeos de casamentos a documentários. Outro, uma cooperativa que prestava serviços de assessoria de imprensa e publicidade. “Éramos vários profissionais, e a gente trabalhava em conjunto. Fiquei cinco anos trabalhando nessa cooperativa, como assessora, até ir para Portugal. A empresa ia muito bem, mas eu estava um pouco infeliz, queria trabalhar com televisão”, lembra.
Duca arrumou as malas e partiu rumo a longas férias na casa de um colega do curso técnico, que morava em Portugal. Lá, conseguiu trabalho em uma agência de publicidade e, graças à experiência que havia adquirido, começou a atuar na produção de vídeos, criando conteúdo audiovisual para um cliente da agência. “Nessa época, meu marido, que é ilustrador, já havia ido para Portugal também, e trabalhava em uma agência de publicidade, onde conheceu o Jaime Camargo, roteirista que tinha trabalhado na Globo, na equipe do Vila Sésamo. Jaime tinha uma proposta de montar uma produtora e precisava de gente para escrever roteiro. Eu me ofereci, e comecei a trabalhar com ele, que foi a pessoa que me ensinou os primeiros rudimentos do roteiro”. Começou fazendo programas infantis, como os portugueses Zás Trás e Turma da Bebé. Também escreveu, com Jaime Camargo, a série infantojuvenil O Grande Irã, gravada na África. “Eu fui para a Guiné para pesquisar para o programa. Foi uma experiência marcante conhecer a África”. O trabalho seguinte foi uma sitcom intitulada Computa Amor. Foi essa parceria da produtora portuguesa com a TV Manchete que trouxe Duca de volta ao Brasil, em 1992. “A direção da sitcom era do Cecil Thiré e o elenco era misto, tinha Tônia Carreiro, José de Abreu e atores portugueses. Eu vim para o Brasil para acompanhar a produção e as gravações, e acabei ficando”.
Portas abertas por Avancini
Antes da volta ao Brasil, Duca já havia sido apresentada ao diretor Walter Avancini, que estava trabalhando em Portugal e buscava novos roteiristas. “Avancini era um mito para mim. E foi vendo Gabriela, dirigida por ele, que eu tive vontade de fazer roteiro, porque quando criança e adolescente, eu morava em um lugar em que não havia teatro, cinema, nada, quer dizer, fui muito formada pela televisão e pelos livros”. Avancini convidou Duca para fazer a novela A Banqueira do Povo para uma emissora de televisão portuguesa. “Eu falei: ‘Avancini, eu estou voltando pro Brasil’. Ele falou: ‘Tudo bem, você escreve de lá.’ Então, escrevi essa novela com a Patrícia Mello e com o Maurício Arruda”.
A novela foi o início de uma amizade com Avancini e abriu novos horizontes para Duca no Brasil. “De volta ao país, eu estava meio perdida, e bati na porta do Walter George Durst, que era uma pessoa generosa e tinha uma ligação forte com o Avancini – porque eles fizeram coisas monumentais na televisão brasileira, como Gabriela, Grande Sertão: Veredas, e Anarquistas Graças a Deus – e Durst e eu acabamos ficando amigos”. Com Walter Durst e os autores Mario Teixeira e Marcos Lazarini, Duca Rachid fez a adaptação do romance Tocaia Grande, de Jorge Amado, para a TV Manchete, e em seguida, em 1997, escreveu com Durst a adaptação da novela Os Ossos do Barão, para o SBT.
Início na Globo
O início de Duca Rachid na Globo foi em 1999, na novela O Cravo e a Rosa, atuando como colaboradora dos autores Walcyr Carrasco e Mário Teixeira. “Essa novela foi uma delícia, porque foi um tremendo sucesso. Era para ter 90 capítulos e teve mais de 200. A Adriana Esteves estava maravilhosa, o Du Moscovis também, e tinha um elenco ótimo, com Luís Melo, Leandra Leal, Ângelo Antônio, Ana Lúcia Torres, e Sueli Franco fazendo par com o Pepê [Pedro Paulo Rangel]. Eu também comecei aí a trabalhar com a Amora [Mautner], e com o Mario Marcio Bandarra, que depois encontrei no remake de O Profeta. Foi um momento feliz e eu aprendi muito com o Walcyr.”
Em 2001 e 2002, Duca colaborou com Walcyr Carrasco na novela A Padroeira, que tinha Walter Avancini na direção. “Essa novela foi muito sofrida para nós porque o Avancini foi adoecendo e faleceu dois meses depois da estreia.”
Duca ainda foi colaboradora da novela Coração de Estudante, de Emanuel Jacobina, em 2002. Depois, desenvolveu um novo formato para o Sítio do Picapau Amarelo, em parceria com Júlio Fischer e Alessandro Marson. “Foi corajoso, tanto da parte do [diretor geral artístico] Mário Lúcio Vaz, como da gente ter aceitado transformar o Sítio em uma novelinha. E foi uma coisa que me impulsionou a fazer novela. Ali eu perdi o medo e falei: ‘agora eu posso fazer novela, já sei como é que se faz’. Claro que a gente nunca sabe, mas a gente acha que sabe. Porque não existe uma fórmula, não é porque deu certo tal coisa, que vai dar certo outra vez. Mas quando a gente terminou o trabalho, eu falei para o Ary Nogueira [diretor artístico]: ‘Ary, eu perdi o medo de fazer novela, agora eu posso fazer’. Porque em novela você tem que ousar mesmo, tem que ter um certo despudor. Acho que é por aí que as coisas tendem a dar certo.”
Sucessos nas 18h
Em 2006 entrou no ar O Profeta, uma adaptação da novela homônima de Ivani Ribeiro escrita por Duca Rachid, Thelma Guedes e Júlio Fischer, com a supervisão de texto de Walcyr Carrasco. Começava também uma parceria de sucesso com Thelma Guedes que vem se estabelecendo ao longo do tempo. “A partir de O Profeta, Thelma e eu começamos a estabelecer um método de trabalho: a gente escaletava juntas, pensava a novela juntas, estruturava a novela, estruturava os capítulos e depois dividia o material para os colaboradores.”
Duca dividiu com Thelma a autoria de Cama de Gato, em 2009. Era uma novela dinâmica e moderna que conquistou o público das 18 horas e foi vencedora do Banff World Television Festival, uma conceituada premiação mundial para conteúdos criados para televisão, realizada, anualmente, no Canadá. “Foi uma coisa inesperada fazer uma primeira novela com argumento original e, de cara, ganhar um prêmio importante.”
Em 2011, Cordel Encantado, uma história fabular de autoria de Duca e Thelma, reunia uma princesa com referências europeias e cangaceiros do sertão nordestino. “A gente achou interessante colocar esses dois universos em confronto: o rei de Seráfia, que tinha uma coroa na cabeça, e o rei do sertão, cuja coroa era o chapéu de cangaceiro. Tivemos personagens marcantes, como o trio formado por Patácio, o prefeito, a mulher dele, Ternurinha, e o delegado Batoré, que representava os políticos. Eles viviam fazendo falcatruas e com aquele servilismo todo quando chegava à corte. Sem falsa modéstia, Cordel Encantado é um marco do ponto de vista estético. Assumimos que nós estávamos contando uma fábula que se passava em um lugar fictício no nordeste, em um lugar fictício na Europa.”
Joia Rara e o Emmy
Em 2013 e 2014, uma nova novela escrita por Duca e Thelma mobilizou o público das 18h. Joia Rara foi a oportunidade de abordar um tema que a dupla queria há tempos, mas tinha receio quanto à receptividade do telespectador. “Ficamos pensando como o público receberia uma novela que tratava do budismo, mas para a nossa surpresa, quando fizemos o group discussion, vimos que todo mundo adorava budismo e mais ainda, conhecia os dogmas do budismo. Algumas pessoas tentavam praticar, porque tem muito a ver com outros dogmas, como os do espiritismo e do cristianismo. Então, as pessoas tinham uma familiaridade surpreendente com o budismo.” O processo de escrita envolveu uma viagem de pesquisas para o Nepal, com visitas a monastérios, conversas com monges, e a observação do dia a dia dos budistas. “Foi um dos momentos mais emocionantes que eu passei na minha vida. Porque é um mundo fascinante, uma cultura incrível e um povo de uma gentileza enorme, que vive o budismo no dia a dia, a compaixão, o olhar para o outro – para mim isso foi muito profundo.”
O reconhecimento da ousadia da trama de Joia Rara veio em novembro de 2014. A novela foi vencedora do Emmy de melhor telenovela. Um retorno merecido para um trabalho intenso. “Para mim foi lavar a alma. Porque havia uma expectativa muito grande para que a gente repetisse o fenômeno que foi Cordel Encantado. A gente se esmerou tanto nessa novela, todos nós, a produção, a direção, que ganhar o Emmy foi lavar a alma mesmo. Foi muito importante. Mas, por outro lado, você ganha o Emmy, põe lá na sua prateleira, e você continua trabalhando. A minha preocupação agora é com a próxima novela. Não vou sentar em cima do Emmy e achar que está tudo bem. Eu vou seguir adiante. E a gente segue trabalhando e querendo fazer cada vez melhor.”
Órfãos da Terra
A novela Órfãos da Terra, de Duca Rachid e Thelma Guedes, foi exibida em 2019 e recebeu vários prêmios no ano seguinte: o Emmy Internacional na categoria Melhor Novela; o Grand Prize na 15ª edição do Seoul Drama Awards, a premiação de entretenimento mais importante da Ásia; e o Rose D’Or Awards na categoria Serial Drama. Além de já ter sido licenciada para mais de 50 países.
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