Seduzido pela chance de cobrir a Copa do Mundo de 1990, Custodio Coimbra aceitou o convite para trabalhar em O Globo, deixando o Jornal do Brasil, publicação em que seu trabalho havia obtido mais reconhecimento até aquele momento. Desde então, se passaram mais de três décadas em que ele deixou sua marca em O Globo, com fotos de impacto e repercussão social, e imagens de grande e rara beleza. Custodio Coimbra é, também, autor de livros e teve seu trabalho, muito ligado ao meio ambiente, exposto em espaços culturais.
Início da carreira
O fotógrafo Custodio Coimbra é carioca de Quintino Bocaiúva, mesmo bairro de seu primo ilustre, Arthur Antunes Coimbra, o Zico. Nascido em 4 de abril de 1954 e filho dos descendentes de portugueses Emygdio e Maria de Azevedo Coimbra, ele se interessou por aquela que seria sua profissão ainda muito jovem, aos 11 anos, quando foi aceito no clube de fotografia criado por seus três irmãos, todos mais velhos, e por alguns primos. Com o fim do clube, Custodio Coimbra herdou o laboratório de revelação das fotos e continuou a usá-lo, sem que tivesse definido ainda a que atividade se dedicaria.
Em função de seus múltiplos interesses, iniciou quatro faculdades, sem concluir nenhuma. Começou por Engenharia, por influência da família, e depois cursou Música, Belas Artes e Ciências Sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro. A chegada ao fotojornalismo se deu na década de 1970, primeiro como freelancer, com a publicação de duas fotos em O Globo, e depois como profissional, no jornal Repórter, que de tempos em tempos tinha seus números retirados da banca pela Censura. A experiência seguinte, já nos anos 1980, aconteceu na agência Lead, especializada em produzir jornais para sindicatos de trabalhadores, e no Tribuna de Madureira.
Seu primeiro emprego na grande imprensa foi na Última Hora onde chegou em 1982. Pelo jornal, publicou em 1984 uma foto do maior comício pelas Diretas Já realizado no Rio de Janeiro, que lhe rendeu um convite para trabalhar no Jornal do Brasil. No JB, entre as fotos marcantes que fez, estão aquelas que mostraram o desespero das pessoas durante a confusão que levou a mortos e feridos no velório de Tancredo Neves, em 1985, na capital mineira.
Início em O Globo
Durante três anos, o editor de fotografia de O Globo, Anibal Philot, tentou convencer Custodio Coimbra a se transferir para o jornal, até que usou um argumento forte e definitivo: estava aberta uma vaga para a Copa do Mundo de 1990, na Itália. O fotógrafo aceitou o convite e começou sua trajetória na empresa em 1989, para fazer cursos e se preparar para o aproveitamento mais frequente de fotos coloridas – até então o jornal era impresso, quase em sua totalidade, em preto e branco. No início, O Globo fez a opção por utilizar cromos, como nas revistas, mas a revelação das imagens era difícil e demorada. Depois, passou para os negativos, mais fáceis de se lidar. Antes de viajar para cobrir a Copa, Custodio trabalhou, pelo O Globo, na cobertura do segundo turno das eleições presidenciais de 1989.
Na época, os fotógrafos não trabalhavam em editorias específicas e eram escalados para pautas de todas elas, de acordo com a disponibilidade. Isso mudou no final da década de 1990, quando Philot já havia levado para O Globo, como lembra Custodio, um time de profissionais de primeira linha, no qual estavam Chiquito Chaves, Marcelo Carnaval, Fernando Maia, Hipólito Pereira, Gabriel de Paiva e Márcia Foleto. Custodio Coimbra, nesse time, passou a atuar na editoria Rio, após um rápido período em que coordenou o trabalho dos fotógrafos no jornal de bairro, em 1994.
Premiações
Ainda neste ano, Custodio recebeu duas menções honrosas no Prêmio Wladimir Herzog. A primeira, pela foto de um homem pegando fogo. Acusado de ter incendiado um barraco onde um bebê morreu, o homem foi assassinado, e moradores de Vigário Geral, bairro em que a tragédia ocorreu, jogaram seu corpo em uma fogueira. “Eu via que era o cara pegando fogo, mas eu tinha que ficar preocupado com a lente que eu estava usando, qual era o plano que eu tinha que usar. Eu trabalhei o cara como se fosse mais um elemento", relembra. A segunda mostrou uma batalha campal durante o leilão de privatização da Açominas. Na foto, sobre a cabeça dos manifestantes, havia o letreiro do Cinema Brasil, e o filme anunciado na sala era: 'O Último Grande Herói'. Seis anos mais tarde, o fotógrafo participaria da equipe que recebeu o Prêmio Esso na categoria Contribuição à Imprensa, além de outras premiações, pela série 'Retratos do Rio'. Os profissionais envolvidos na iniciativa fizeram uma radiografia dos bairros cariocas com base no IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. Em 2012, Custodio ganhou o prêmio de Fotografia da Confederação Nacional de Transporte por uma foto que mostrava pessoas dormindo no ônibus, às 7h30, em um engarrafamento na Avenida Brasil, na altura de Ramos.
Cristo Redentor
Um dos registros que marcaram a carreira do fotógrafo ganhou também o reconhecimento dos assinantes: a imagem da lua nas mãos do Cristo Redentor, publicada na ocasião da visita do Papa João Paulo II ao Rio de Janeiro, em 1997, foi eleita a foto do ano de O Globo. “Eu estava indo para o plantão do jornal num domingo. Eu morava em Copacabana, quando virava no Aterro, tem o Cristo Redentor, Corcovado à esquerda. Eu vi que a lua estava por ali, eu pensei: 'Eu vou ao jornal, vou pegar uma tele, porque, dependendo onde eu me localizar, eu vou fazer essa foto’. Imaginei logo a lua na mão dele. Fui ao jornal, peguei o equipamento e, quando eu voltei, a lua já era. Não tinha mais lua, ela já tinha descido. (...) No mês seguinte, nublou. E, no terceiro mês, eu consegui fazer essa foto às 4h30. (...) Se eu tivesse feito essa foto nos meses anteriores talvez ela não tivesse nem sido publicada. Porque não tinha gancho. Nessa semana, o papa estava chegando ao Rio de Janeiro, e aí o jornal deu essa foto grande na primeira página".
O Cristo seria ainda protagonista de outros registros famosos. Custodio subiu no braço do monumento para documentar a cidade. “Eu fiquei três horas no braço do Cristo vendo a cidade amanhecer. Eu fui para lá de madrugada, subi por dentro, saí numa tampinha no braço dele, fiquei vendo a cidade: 'Que bom que eu estou vivo!'. Eu vi aquela cidade toda sair do escuro total para aquela luz poderosa. Foi maravilhoso!”, lembra. E também registrou um raio batendo na cabeça do Cristo, que ganhou a primeira página de O Globo. “Fiz a foto do raio na cabeça do Cristo em um domingo, em casa. Ainda não era noite, e aquela nuvem negra vinha. Preparei um banquinho com a minha lente, vi o raio e apertei o botão. Eu estava, digamos, tecnicamente errado, porque trabalhava com a máquina na mão, com velocidade 125. Geralmente você bota um tripé, deixa o obturador aberto, espera o raio vir. Deu certo, mas foi tudo meio ao contrário.”
Do ponto de vista técnico, Custodio Coimbra experimentou muitas mudanças ao longo de sua trajetória. Além da questão das cores, acompanhou a introdução das câmeras digitais em O Globo. “Nós fomos aos poucos. Foi uma política acertada com o departamento de engenharia. Nós compramos umas seis ou oito [câmeras]. Escolhemos uma que era compatível com as lentes que tínhamos da Canon, quer dizer, a mudança não foi radical de todo equipamento, foi do corpo da máquina. E depois nós nos adaptamos a essas lentes dessas máquinas digitais. Foi um processo lento que, quando foi decidido, foi de uma tacada”. Durante a fase experimental, no ano 2001, os fotógrafos do esporte usavam mais os novos equipamentos, para aproveitar a agilidade que o envio de imagens digitais permitia. O passo seguinte foi aproveitar os recursos de vídeo que as câmeras ofereciam. “Fui um dos primeiros a fazer vídeos no jornal. Nós somos um seleto grupo de fotógrafos que têm o compromisso histórico de construir uma nova linguagem, que não é televisão, não é cinema, não é o vídeo tradicional. É o que a gente costuma chamar de mar azul, estar diante de um oceano que você vai ter que conquistar”, explica.
Coberturas marcantes
Entre as coberturas marcantes de que participou, quando recursos tecnológicos compatíveis com os atuais já estavam disponíveis, está a dos deslizamentos que aconteceram na Ilha Grande, em 2010. Como chegou cedo ao jornal para render o plantonista, e houve uma logística favorável, Custodio Coimbra foi o primeiro a chegar ao local da tragédia e obteve imagens exclusivas, muitas delas enquanto estava dentro d’água, único local em que poderia trabalhar em segurança.
De temática mais amena, as fotos realizadas durante a visita do Papa Francisco ao Brasil, em 2013, ganharam destaque em O Globo. O fotógrafo conseguiu se infiltrar em um grupo de freiras e deu sorte, porque o papa decidiu atender as religiosas e se aproximou delas. As imagens, então, foram feitas de uma perspectiva diferente daquelas produzidas pelos outros profissionais que cobriam a viagem. Dois anos depois, ele participou da Missão Mário de Andrade, refazendo o caminho que o escritor definiu para uma equipe do Departamento de Cultura de São Paulo, quando estava à frente da área, nos anos 1930. Mário de Andrade tinha medo de que a difusão do rádio descaracterizasse manifestações culturais tradicionais brasileiras. Por dez dias, a equipe de O Globo percorreu o mesmo trajeto pelo interior do país e constatou que muitas manifestações ainda existiam. “Foi uma benção, um daqueles trabalhos que eu posso citar como os mais incríveis da minha vida, porque a história é incrível”, destaca.
Custodio Coimbra tem seu trabalho marcado, também, pelo gosto por fotos aéreas. “Eu tenho medo de água e não tenho nenhum medo de avião. Em toda oportunidade eu me ofereço, já voei de helicóptero, monomotor, dirigível, já fotografei de asa delta dupla, ultraleve. O que tem de diferente na fotografia aérea? Você não repete a mesma luz, o mesmo ângulo”, explica. Outra predileção do fotógrafo está nas imagens de meio ambiente. Uma das exposições que apresentou, ‘Baía de Guanabara, espelho do Rio’, trazia fotos da Baía da Guanabara, com sua geografia, barcos e a denúncia do derramamento de óleo em suas águas.
O material produzido ao longo dos anos levou Custodio Coimbra a publicar dois livros: 'Rio de Cantos 1000’ (Editora Réptil), de 2009, e 'Guanabara, Espelho do Rio’ (Editora FGV), de 2016. Neste último, as 170 fotos selecionadas para o livro, editado por Flavia Cavalcanti, foram acompanhadas por textos da jornalista Cristina Chacel, esposa de Custodio, falecida em julho de 2020. Em 2021, o Instituto Moreira Salles (IMS) adquiriu 410 imagens do fotógrafo. Destas, 50 fazem parte do acervo de O Globo e foram negociadas por meio de um contrato de licenciamento entre a instituição e o jornal. Alguns dos registros desse acervo são as manifestações pela Anistia, em 1979, na Avenida Rio Branco; os surfistas de trem na Central do Brasil, em 1994; e a imagem de um plástico preso à cauda de um boto, na Baía de Guanabara, que lhe garantiu o Prêmio Petrobras em 2015.
FONTES:
Depoimento de Custodia Coimbra ao Memória Globo em 26/10/2004 e 16/05/2017; https://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/fotos-premiadas-do-globo-17032062; https://oglobo.globo.com/brasil/custodio-coimbra-artista-da-imagem-16134995; https://oglobo.globo.com/rio/livro-reune-20-anos-de-imagens-surpreendentes-da-baia-de-guanabara-19768571; https://oglobo.globo.com/cultura/artes-visuais/veja-fotos-iconicas-de-custodio-coimbra-25259150; https://testemunhaocular.ims.com.br/fotografo-ims/custodio-coimbra/. |