Cristina Serra

A repórter Cristina Serra nasceu em Belém do Pará. Entrou na Globo no início da década de 1990. Foi correspondente em Nova York e participou de importantes coberturas, nacionais e internacionais. Deixou a emissora em 2018.

Por Memória Globo


Quando Cristina Serra entrou na Universidade Federal do Pará, o Brasil ainda vivia uma ditadura. Ela mergulhou de cabeça naquele ambiente de efervescência do movimento estudantil. Virou presidente de centro acadêmico e representante na União Nacional dos Estudantes, a UNE. Viajava para congressos da entidade e ia aos encontros dos estudantes de comunicação. 

Era uma atividade política intensa e febril, para a qual, além de disposição, era preciso ter coragem. Essa militância aproximou Cristina da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, que editava o jornal Resistência, onde começou a trabalhar como repórter em 1982. Tinha 19 anos. 

A equipe do Resistência era pequena e aguerrida e vivia em constante situação de perigo. Volta e meia, a Polícia Federal dava batidas na gráfica onde o jornal era impresso e apreendia as edições. Por sorte, e precaução, ela nunca foi presa. O jornal era político, mas também fazia matérias para mostrar a dificuldade em que a população mais pobre vivia. Para Cristina Serra, foi uma experiência maravilhosa, porque lhe deu uma visão da importância social do jornalismo. “É isso que eu quero fazer daqui para frente”, pensou. E foi para o Rio de Janeiro.

Na cobertura de cidade, você passa a viver mais de perto o drama do cidadão comum.
Cristina Serra no 'Programa do Jô', 2012 — Foto: Zé Paulo Cardeal/Globo

Início da carreira

Cristina Ferreira Serra nasceu em 10 de março de 1963 em Belém do Pará. O pai é químico industrial e professor universitário. A mãe, professora primária. No jardim de infância, brincar com massa de modelar não lhe interessava: queria lápis, para escrever. Reclamava tanto que sua mãe a tirou do jardim e a colocou na alfabetização do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Pará, onde estudou até o vestibular.

Quando contou aos pais que se inscrevera no exame para Jornalismo, sentiu certa decepção. A mãe disse: “Está bom. Mas você tem que ser que nem aquela moça de Londres, a Sandra Passarinho”. Cristina nunca contou isso à Sandra. Mas, quando foi convidada para trabalhar no escritório de Nova York, ligou para a mãe e disse: “Mãe, não fui para Londres, mas estou indo para Nova York”. A mãe respondeu: “Então, você fez exatamente o que eu imaginava que faria!”

Chegou ao Rio em fevereiro de 1983, mas ficou um semestre inteiro esperando uma vaga na Universidade Federal Fluminense, para a qual pedira transferência. Trabalhava num banco para se sustentar. Fez um estágio de três meses no jornal O Globo, mas não foi contratada porque ainda não concluíra o curso de jornalismo. Também fez estágio na Tribuna da Imprensa, cobrindo nas ruas, como repórter, a campanha das Diretas Já. “Era um momento de transição entre a ditadura e a democracia. Acho que era um aprendizado para a sociedade, para a imprensa, para os repórteres e para mim, sobretudo, que estava naquele limiar entre estudante e profissional”.

Cristina escrevia como freelancer para O Globo, matérias assinadas que ela guarda até hoje, e foi emendando um estágio no outro até se formar. Depois que concluiu o curso, passou numa prova de seleção e entrou, ainda como estagiária, para o Jornal do Brasil em 1986. Foi direto para a editoria de Política, sem passar pela editoria Geral, a iniciação de todo foca. Começou em plena campanha eleitoral para governador, com Leonel Brizola disputando a reeleição. “O Rio de Janeiro pegava fogo”, conta. “Você sabia que matéria com Brizola ganharia primeira página no dia seguinte”.

Em seguida, Cristina Serra foi contratada e designada para cobrir Brizola, que mais tarde seria candidato a presidente. “Foi um período maravilhoso de aprendizagem. Cada dia, para mim, era uma descoberta como jornalista”, lembra. No Jornal do Brasil, teve uma história de muitas idas e vindas. Cobriu a eleição de Collor pelo jornal, depois passou pela revista Veja, e voltou para o JB: “A redação do JB me traz lembranças maravilhosas de exercício crítico do jornalismo”.

Dupla jornada

Ainda cobrindo a campanha para presidente, acompanhou as reuniões de diretores de televisão para discutir as regras do debate entre os candidatos no primeiro turno, em 1989, o que era uma novidade, em se tratando de uma campanha presidencial. Havia muitos candidatos, entre eles Collor, Brizola, Lula, Ulysses Guimarães e Mário Covas – “Olha que riqueza cobrir uma campanha com todos esses candidatos!”

Numa dessas reuniões, recebeu o primeiro convite para trabalhar na Globo. Tinha acabado de voltar ao JB, ficou “meio assustada” e recusou. No segundo convite, pensou: “Melhor se arrepender do que não tentar”, e aceitou, com a condição de não pedir, de imediato, demissão do JB. Passou a cumprir dupla jornada. A atração por novos desafios foi maior e, finalmente, pediu demissão do JB. Não foi uma transição fácil.

Na televisão, Cristina Serra morria de medo da câmera, e chegou a pedir demissão três vezes, até que um cinegrafista lhe disse: “Enquanto você não meter na cabeça que a câmera tem que gostar de você e você tem que gostar da câmera, não vai dar certo. Se não for assim, pula fora!” A jornalista diz hoje que os repórteres cinematográficos foram os melhores professores que teve na televisão.

Início na TV

Cristina começou como repórter no 'RJTV' e passou um tempo no 'Bom Dia Rio' para aprender a fazer entradas ao vivo. Lembra que seu primeiro vivo foi “alguma coisa de cidade”: “Não lembro assunto, mas lembro da sensação, do frio na barriga e do cinegrafista Evilásio Carneiro dizendo: ‘Fica tranquila, vai dar tudo certo. É fácil, relaxa’.” Deu certo. Com um ano de Globo, tudo se estabilizou.

No 'Bom Dia Rio', Cristina Serra fez muitas matérias de serviço: cobriu campanha de vacinação, feira e fez muita entrevista. Também foi uma maneira de conhecer a cidade muito rapidamente. “Na cobertura de cidade, você passa a viver mais de perto o drama do cidadão comum. Fui resgatar um pouco minhas raízes em Belém, no jornal Resistência. Lembro que fiquei muito impressionada com a Baixada Fluminense – e olha que já conhecia a periferia de Belém”.

Cristina Serra — Foto: Frame de vídeo/Globo

Política

A jornalsta ficou na editoria Rio por quatro anos, de 1990 a 1994, quando começou a sentir falta da cobertura política. Voltou para o JB, dessa vez em Brasília. No final de 1995, uma “proposta irrecusável” a trouxe de volta à Globo, agora na Política. “Cheguei no segundo ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi um período de muitas transformações, muita mudança, muita lei sendo aprovada: reforma da Previdência, tentativa de reforma tributária, quebra do monopólio do petróleo – todas importantíssimas para a economia do país e para a sociedade brasileira.” Era preciso traduzir tudo isso para o entendimento da população. “Era pesado o trabalho”, revela. Nesse período, Cristina Serra ficou fixa no 'Jornal Hoje' e entrava ao vivo todo o dia de Brasília com informações ou do Congresso, ou do Governo.

Uma de suas matérias de grande repercussão foi feita em 1997, na prisão de Jorgina de Freitas, advogada e procuradora do INSS que organizou um esquema de desvio de verbas de aposentadorias, uma fraude de R$ 500 milhões. Jorgina foi localizada na Costa Rica, e Cristina falou por telefone com o embaixador costarriquenho, que disse ser questão de horas a prisão da advogada. Ela passou a informação a seu chefe. Um pouco depois, ele voltou e disse: “Vai para casa, arruma sua mala: você vai para a Costa Rica”, lembra. Apesar do frio na barriga, a jornalista foi. A prisão de Jorgina se confirmou, mas, sem contatos no Judiciário, era quase impossível chegar a ela. Cristina Serra, o cinegrafista Lúcio Alves e o auxiliar dele, o Baiano, ficaram quase um mês na Costa Rica. Então resolveram agir por conta própria. Alugaram uma van e estacionaram atrás do presídio. Lúcio subiu e chegou até o limite do muro, e lá estava Jorgina no banho de sol. Os guardas perceberam e tiraram Jorgina do pátio, mas a reportagem já estava muito bem encaminhada. Já estava feita. A matéria foi exibida no 'Jornal Nacional'.

Reportagem de Cristina Serra sobre a prisão de Jorgina de Freitas, acusada de fraude no INSS. Em seguida, Roberto Cabrini conta como o conseguiu localizar a fraudadora, foragida da polícia, Jornal Nacional, 04/11/1997.

Correspondente internacional

Quando foi convidada para ser correspondente internacional, quase não acreditou. Levou meses para decidir, mas acabou aceitando, e não se arrependeu. “Do ponto de vista pessoal, foi um pouco problemático. Mas foi uma experiência inigualável. Vou levar isso comigo para o resto da vida”.

Cristina Serra chegou a Nova York em 2002, antes de completar um ano dos atentados de 11 de Setembro. “A cidade, assim como o restante dos Estados Unidos, ainda vivia um clima de tensão muito forte. E o governo Bush fazia questão de lembrar isso a todo o momento, porque boa parte do apoio dele vinha daí”, conta. “Polícia na rua, polícia no metrô, podiam revistar a mochila. Você sentia no ar uma tensão muito grande. Depois, a coisa foi desanuviando.” Ela passou três anos em Nova York e viveu essa transição.

Cobrindo dos EUA a ofensiva norte-americana contra o Iraque, em 2003, Cristina Serra registrou a repercussão da morte do diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, vítima de um caminhão-bomba que foi lançado contra o prédio da ONU, em Bagdá, no dia 19 de agosto. Ao longo da cobertura desta guerra, Cristina se notabilizou pela postura crítica com relação às supostas evidências de armas químicas escondidas pelo governo iraquiano.

Em 2004, de Nova York, Cristina Serra reuniu informações de agências do mundo inteiro sobre o tsunami na Ásia, onde estavam os correspondentes Marcos Uchoa e Sergio Gilz, e preparou reportagens para o 'Jornal Nacional'.

De volta ao país

De volta ao Brasil, Cristina fez escala no Rio, antes de chegar a Brasília, e foi almoçar. O aparelho de televisão do restaurante mostrava o depoimento do deputado Roberto Jefferson, sobre o caso que ficou conhecido como Mensalão. Cristina disse para si mesma: “Nossa! É um choque de realidade. Já sei o que me aguarda em Brasília”. Na capital, a jornalista participou da cobertura do Mensalão, das eleições de 2010 e do escândalo envolvendo o então deputado Demóstenes Torres e o contraventor Carlinhos Cachoeira.

No início de 2012, a repórter esteve na Antártida, onde visitou a base chilena e a base brasileira de pesquisa e conversou com cientistas. O material produzido deu origem a uma série de reportagens exibida no 'Bom Dia Brasil' e na GloboNews. Cerca de um mês depois, a base brasileira pegou fogo, destruindo grande parte das instalações e cerca de 40% dos trabalhos de pesquisa. Entrevistada ao vivo no estúdio do 'Bom Dia Brasil', a jornalista contou suas impressões sobre o impacto do incêndio nas pesquisas brasileiras e ressaltou a solidariedade entre os cientistas do mundo inteiro que trabalham no continente gelado.

Após a série gravada na Antártida, Cristina Serra voltou ao Brasil e mergulhou na cobertura da Rio+20, em junho de 2012, que reuniu representantes de quase 200 países para debater o desenvolvimento sustentável. De Brasília, a jornalista cobriu alguns dos principais acontecimentos da política brasileira em 2014.

Reportagem de Cristina Serra sobre os recursos apresentados pelos condenados no julgamento do mensalão, Jornal Nacional, 02/05/2013.

____________________

A repórter Cristina Serra deixou a Globo em fevereiro de 2018.

FONTE:

Depoimento concedido ao Memória Globo por Cristina Serra em 01/03/2011.