Compromisso com o fato. Para o repórter César Galvão, esse é o principal combustível que move um bom jornalista investigativo: 24 horas por dia, sete dias por semana. A notícia, segundo um dos responsáveis pelas principais coberturas da Globo de São Paulo relacionadas à segurança pública nos últimos anos, não tem hora nem lugar. “Você tem que exercitar a percepção”, observa.
Desde que entrou na Globo, em 1999, Galvão fez questão de se manter em contato com os assuntos que afligiam a população. Para ele, o jornalismo deve servir como ponte entre o fato e a sociedade. Em quase 20 anos de casa, César Galvão cobriu inúmeros sequestros, assassinatos, assaltos, fraudes e esquemas de corrupção. No calor dos acontecimentos, sente ansiedade, emoção e medo. Tudo isso, segundo ele, “faz parte do jogo”. A proximidade com as ruas vem do rádio, meio em que iniciou sua carreira como jornalista. “Eu nem pensava em fazer televisão”, confessa.
César de Lazare Galvão é filho do gráfico Carlos Galvão e da costureira Maria de Jesus Galvão. Cursou comunicação social na Universidade de Mogi das Cruzes. Queria trabalhar com radio-jornalismo. Seu primeiro emprego foi no pequeno Diário de Suzano, um jornal que, segundo ele, pagava mal. Por isso, passou a escrever para um jornal quinzenal e também a trabalhar em um turno numa rádio local. Três empregos. Desde cedo, tinha o ímpeto de criar as próprias pautas e correr atrás das principais notícias da região. “Eu sempre fui muito independente, gostava de oferecer pautas, assuntos e não ser pautado”.
Em 1991, incentivado por um amigo, começou a trabalhar na recém-inaugurada rádio CBN. Fazia de tudo um pouco em um programa noturno. Cobria cultura, economia, trânsito. Depois de pouco mais de um ano, mudou para o horário nobre, de 6h às 9h da manhã. “A CBN se tornou uma rádio nacional em rede. Era uma novidade em jornalismo porque a gente passou a cobrir os grandes fatos ao vivo”.
Um deles foi o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Galvão acompanhou ao vivo as investigações da Polícia Federal, incluindo a busca por Paulo César Farias, ex-tesoureiro da campanha do político, acusado de corrupção.
“A gente ficava de plantão na PF, descobria os fatos, botava no ar, acompanhava depoimentos. Eu lembro que montamos um esquema enorme de cobertura no InCor [Instituto do Coração], porque a secretária do Collor foi internada lá. A gente fazia transmissões de horas no ar”.
Também pela CBN, cobriu a queda do avião da TAM em Congonhas, em 1996, que deixou 99 pessoas mortas. Neste dia, o jornalista participava da cobertura de uma rebelião no pavilhão dois do presídio do Carandiru, quando os esforços da imprensa foram deslocados para acompanhar os desdobramentos do acidente aéreo. Ele lembra que foi um dia agitado. “Eu amanheci no presídio e conseguimos entrar na penitenciária. Havia funcionários como reféns, era bem tenso e a polícia ameaçava invadir. Por volta das nove horas, caiu o avião. Até então, a rebelião era o fato do dia. Mas quando caiu o avião, a coisa esfriou de uma forma que os próprios presos acabaram com a rebelião em meia hora”. Quando chegou ao local do acidente, Galvão fez o vivo mais longo de sua carreira até então: ficou quatro horas e meia no ar, narrando o trabalho dos bombeiros e oferecendo ao público as principais informações.
O costume de comentar um fato por horas a fio ao vivo e a proximidade com a população que conquistou com o trabalho de rádio, fez com que o jornalista se adaptasse bem à televisão. Em 1994, sem sair da CBN, Galvão começou a trabalhar na TV Manchete. Estranhou no início. A equipe destacada para cobrir um fato envolvia, pelo menos, três profissionais, diferente do estilo livre e autônomo com que estava acostumado. Um impacto que sentiu também quando começou a trabalhar na Globo, em 1999.
Nos primeiros anos, César Galvão fez matérias para os jornais locais, como 'Bom Dia São Paulo', 'São Paulo Já' e 'SPTV – 2ª Edição'. Ele era responsável pela editoria de Cidade. ” Era buraco de rua, reclamação do povo, problemas da periferia que a prefeitura e o Estado não resolviam. Um trabalho bem marcante naquela época, principalmente no SPTV 1ª Edição. A gente cobrava muito às autoridades e foi conquistando a simpatia das comunidades. As pessoas viam em nós uma forma de cobrar pelo serviço que elas não dispunham e que tinham direito”.
Em 2001, o repórter ganhou visibilidade com a primeira participação no 'Jornal Nacional'. Em 30 de agosto, o empresário de TV Silvio Santos foi mantido refém dentro da própria casa pelo bandido que sequestrara a filha do apresentador, Patrícia Abravanel, dias antes. Enviado ao local, Galvão entrou no plantão especial do 'Jornal Hoje' e ficou ao vivo durante seis horas e meia. Quando Silvio Santos foi libertado e a transmissão acabou, o repórter foi chamado para fazer um stand-up para o 'JN' daquele dia.
Reportagem de César Galvão sobre o sequestro do empresário Silvio Santos. Jornal Nacional, 30/08/2001.
Pouco tempo depois, passou uma temporada de um ano e meio no 'Jornal da Globo', cobrindo Economia. Mas sentiu saudade das ruas e ficou preocupado em perder suas fontes. Em 2002, conseguiu transferência para a redação do 'SPTV – 2ª Edição', sendo escalado com frequência para fazer reportagens para o 'Jornal Nacional'. Neste ano, participou da cobertura das eleições presidenciais.
Acostumado com a adrenalina de investigar crimes e acompanhar casos tensos relacionados à violência e segurança pública, Galvão cobriu do início ao fim longos julgamentos, como o da estudante Suzane Von Richthofen, acusada de mandar matar os pais em 2002. O julgamento foi marcado para julho de 2006 e durou cinco dias. Ainda em 2006, Galvão acompanhou os ataques criminosos e rebeliões em presídios, que provocaram pânico e caos em São Paulo, em maio. Era um verdadeiro “cenário de guerra”, segundo ele. O jornalista almoçava na casa da mãe, em um domingo de folga, mas o trabalho o chamou. Após ver a chamada na TV, o telefone tocou e ele correu para a emissora. Ficou quase 11 horas no ar, narrando os acontecimentos com entradas ao vivo na programação da TV Globo, direto do Globocop.
O repórter César Galvão acompanha, ao vivo, a coletiva de imprensa com o governador Cláudio Lembo e o secretário de segurança pública, Saulo de Castro, Jornal Hoje, 13/05/2006.
O jornalista também participou da cobertura do caso Isabella Nardoni, em 2008. A menina de 5 anos foi jogada da janela do prédio onde seu pai, Alexandre Nardoni morava com a mulher, Anna Jatobá. O casal Nardoni foi à júri popular, em 2009, sendo condenados a 31 e 27 anos de prisão, respectivamente. No dia do julgamento, Galvão começou a trabalhar às 8h e deixou o tribunal à 1h do dia seguinte.Reconhecido como um bom repórter de casos policiais, César Galvão também participou da cobertura de outros crimes hediondos, como a morte do cartunista Glauco Villas Boas e seu filho Raoni Villas Boas, em 2010. O assassinato da advogada Mércia Nakashima, pelo ex-namorado Mizael de Souza, em 2010. Neste caso, César Galvão acompanhou os trabalhos da polícia que encontrou o corpo da mulher em uma represa em Nazaré Paulista, no interior de São Paulo. O jornalista observa que o repórter tem que ter muito cuidado ao cobrir casos como esses. A dificuldade é correr contra o tempo para passar a informação mais precisa, na hora certa. E não pode depender apenas das fontes oficiais.
Reportagem de César Galvão sobre o caso Isabella Nardoni após depoimento de testemunhas. 'Jornal Nacional', 31/03/2008.
Mas às vezes é preciso ter calma, Respeito às investigações policiais e ao pacto de confiança que se tem com as fontes. Em 2013, Galvão e a equipe de produção conseguiram ter acesso exclusivo às câmeras de segurança que davam pistas sobre a explosão e roubo de um carro-forte, em abril, em São Paulo. Para não atrapalhar as investigações, a Globo segurou as imagens até que os primeiros suspeitos fossem presos – o que ocorreu apenas em setembro. No dia 25, quando a maior quadrilha de roubo de carros-fortes de São Paulo foi capturada pela polícia, o vídeo foi exibido em primeira mão, no Jornal da Globo.
Também em 2013, César Galvão cobriu dois importantes julgamentos: o dos policiais responsáveis pelo massacre no Complexo do Carandiru, operação comandada pelo coronel Ubiratan Guimarães, em que morreram 111 presos na penitenciária, em 1992. E o do estudante Gil Rugai, acusado de ter matado o pai e a madrasta, em 2004.O desfecho do caso Rugai teve um aspecto diferente para o jornalista, que dez anos antes ajudara a polícia nas investigações. Ele lembra: “muitas vezes, os policiais pedem opinião pra gente e, vendo o ambiente, eu cheguei a falar ao policial que achava que arma do crime pudesse ter sido deixada numa calha ou no esgoto. Estava no esgoto do escritório do Gil Rugai. Acompanhei inteira a investigação e, como nós fornecemos imagem exclusiva à polícia, eu tive acesso ao laudo que mostrava que o Gil Rugai tinha uma lesão na planta do pé”, o que confirmava a hipótese de que ele teria arrombado a porta da casa do pai. A descoberta foi um furo de reportagem exibido no Jornal Nacional em 19 de maio de 2004.
Reportagem de César Galvão sobre o caso Gil Rugai. Jornal Nacional, 19/05/2004.
Em 2014, outro caso que chocou os brasileiros. Em junho, Galvão acompanhou, com matérias nos principais telejornais da rede, os desdobramentos do assassinato do zelador Jezi de Souza em um prédio residencial na zona norte de São Paulo. No mesmo mês, o publicitário Eduardo Martins confessou ter cometido o crime à polícia.
Nos últimos anos, fez diversas reportagens sobre mobilidade, segurança pública e justiça, sobretudo em pautas sobre o estado de São Paulo.
O jornalista deixou a emissora em abril de 2023.
FONTE:
Depoimento de César Galvão ao Memória Globo, em 5/6/2014. |