Filho de um engenheiro belga que trabalhava para a ONU com uma enfermeira italiana, Carlos de Lannoy foi criado para ser um cidadão do mundo. Uruguaio de nascimento e brasileiro de coração, chegou ao Brasil aos 10 anos, e só voltou a morar fora do país para traçar uma bem-sucedida carreira de correspondente internacional da Globo.
Início da carreira
Carlos Maria Jose Claude Ghislain de Lannoy Ferrari, profissionalmente conhecido como Carlos de Lannoy, nasceu no dia 16 de agosto de 1969, na cidade de Treinta y Tres, no Uruguai. Quando tinha 10 anos de idade, a família se mudou para o Brasil e estabeleceram-se em Porto Alegre. “É por isso que torço para o Internacional”, diz o jornalista que depois foi morar no Distrito Federal. Na capital, Carlos de Lannoy ingressou no curso de Comunicação Social da UnB, a Universidade de Brasília. Antes de conseguir o diploma, em 1993, estagiou na Radiobrás. “Durante o curso de jornalismo, fiz teatro universitário. Então, sabia que precisava aprender a fazer jornalismo quando me formei,” conta.
A primeira experiência na grande imprensa foi no jornal Correio Braziliense, onde ficou por três anos. Com seis meses de trabalho, o repórter ganhou a principal premiação da imprensa brasileira, o Prêmio Esso de Jornalismo, com a reportagem Brasil Real, em 1994. Sob o comando do diretor de redação Ricardo Noblat, fez parte da equipe que acompanhou a implantação do Plano Real.
GloboNews
A chegada à Globo aconteceu depois que o então diretor de jornalismo da emissora em Brasília, Marcelo Netto, viu o material bruto de uma entrevista coletiva que teve a participação de Carlos de Lannoy, no Itamaraty. Ele fazia uma pergunta em francês e causou boa impressão. Foi chamado, então, para a equipe da GloboNews, que estava começando. “Não achava que eu ia encarar facilmente as câmeras. Apesar de ter feito teatro, eu ficava tenso, suava”, lembra.
A grande quantidade de entradas ao vivo deixava nervoso o iniciante repórter. A sensação foi diminuindo por meio das aulas de dicção e sessões de fonoaudiologia: “Eu suava, gaguejava, errava, acertava. Mas botava a cara. Tinha noção de que o meu trabalho era relevante. Encarei a GloboNews sempre com muita seriedade, sabia levar a informação correta, precisa. Aquilo foi me dando tranquilidade e também aos chefes e, com o tempo, eu estava fazendo um bom trabalho”.
A cobertura do Congresso, do Planalto e dos ministérios fervia naqueles anos de 1997 e 1998, com reformas e votações importantes. O jornalista queria fazer diferente. “Sentia que tinha uma informação boa e seguia uma pista. No fim do dia, muitas vezes tinha um material diferenciado”. Foi assim quando anunciou que o então desconhecido senador José Alencar ia ser candidato à Presidência do Senado, e depois quando deu o furo de que ele seria vice na chapa presidencial ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva. A eleição que levou Lula ao poder, em 2002, também marcou o período. “Naquela época, 1997, 1998, em Brasília, eu cobria o Congresso, o Planalto ou os Ministérios. Houve muitas reformas e votações importantes. A pauta virava em cinco minutos. E não era simplesmente observar e relatar. Era apurar e chegar com uma reportagem diferente no fim do dia”.
Lannoy ficou na GloboNews até 2005, apenas um ano depois de ter sua primeira reportagem exibida no 'Jornal Nacional'. Era uma pauta sobre irregularidades na distribuição de recursos da Funasa. Nessa época, era menos comum essa transição das reportagens entre os diferentes veículos. Mas ele ofereceu a pauta a atual diretora de Jornalismo, Silvia Faria, e emplacou. Além das boas coberturas, essa época também rendeu ao repórter o encontro com sua mulher, a também jornalista Fernanda Paraguassu.
“Eu penso: ‘Como a cidade funciona?’; ‘Por que o ônibus não funciona?’; ‘Quais são os interesses que estão em jogo?’. Ainda que isso não vire matéria, acredito que parte do exercício do jornalista é estar atento. E, para estabelecer uma conexão com a pessoa que está em casa, o jornalismo de denúncia é fundamental”.
Mensalão
Em 2005, passou a integrar o núcleo especial de repórteres da Globo destacados para a cobertura do Mensalão, principalmente nos bastidores. Sem nunca deixar de questionar seu papel social: “Estou sempre pensando: ‘Poxa, o que estou fazendo nessa etapa da minha vida? Que tipo de jornalista eu sou?’. A parte da investigação, da denúncia, é a mais nobre do jornalismo. É quando o jornalismo diz a que veio para a sociedade. O jornalista existe, na sua essência, para contar histórias que alguém não quer que sejam contadas”.
Na cobertura do Mensalão, foi responsável por conseguir as imagens de políticos entrando e saindo do shopping onde ficava a agência do Banco Rural apontada pelo então deputado Roberto Jefferson como sendo o local dos pagamentos aos envolvidos. “Ele falou sobre isso na CPI às 18h. Às 19h, eu já tinha o CD com as câmeras do shopping, e procurava os nomes dos políticos. E, no Jornal Nacional, logo em seguida, o Heraldo Pereira já fez um ‘ao vivo’ com os primeiros nomes dos deputados que tinham entrado no Rural para sacar dinheiro”, conta.
Reportagem de Carlos de Lannoy sobre a cassação do mandato de Roberto Jefferson, Jornal da Globo, 14/09/2005
Reportagem de Carlos de Lannoy sobre a denúncia do procurador Antonio Fernando de Souza ao STF de 40 pessoas envolvidas com o mensalão, Jornal Nacional, 11/04/2006
Correspondente na Argentina
Como repórter da rede, fez reportagens que marcaram sua carreira, como a dos conflitos na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Cobriu também a queda do avião da Gol, em 2006. Seu trabalho chamou a atenção e, em 2009, foi convidado para ser correspondente da Globo na América Latina, sediado em Buenos Aires. Mudou-se com a mulher e os filhos: "É uma experiência muito especial. Você chega em um país completamente diferente, apesar de próximo, com uma cultura nova. E é você que vai contar as histórias daquele lugar”.
Carlos de Lannoy, ao vivo, atualiza as informações sobre o acidente com o avião da Gol, e Júlio Mosquera dá detalhes sobre o desaparecimento da aeronave, Jornal da Globo, 29/09/2006
Carlos de Lannoy sentiu menos a adaptação ao país e mais ao tipo de trabalho. Era preciso estar ligado em tudo o que acontecia na região e passou a trabalhar para todos os telejornais da casa. “Pensava o factual, pensava o especial, pensava, pensava… Foi desafiador no início. Foram seis meses até me sentir seguro”, recorda. Trabalhava de casa, com o notebook, uma câmera de tripé e o equipamento de iluminação. Quando estava na rua, contava com a presença do cinegrafista Emiliano Fabris.
Cobriu as eleições de quase todos os países da América Latina naquele período. Falou com Hugo Chávez na pista do aeroporto, na ocasião do referendo sobre uma nova eleição do político venezuelano. Durante o golpe de estado em Honduras, em 2009, estava no meio da multidão durante um protesto que foi reprimido a bala por soldados do país. “Foi um dos momentos mais difíceis da minha carreira, em termos de segurança, e a situação mais violenta que já vivi. Duas pessoas morreram naquele tiroteio”.
Em 2010, Lannoy cobriu o terremoto do Chile. Por pouco não fez parte da história. Estava no aeroporto de Santiago apenas três horas antes da tragédia. “Aquele lugar onde a gente tinha estado ficou completamente destruído”, relata. No mesmo ano, também em território chileno, participou da dramática cobertura do soterramento e resgate dos mineiros presos. Ficou no deserto mais de uma semana. “Foi a cobertura mais fantástica de que participei, a sensação de ter vivido dentro de uma novela por 15 dias. Nunca trabalhei tanto. Os últimos três dias, passamos sem dormir. Você já não pensa, vai no automático”.
Entrevista exclusiva do jornalista Carlos de Lannoy ao Memória Globo em 08/07/2013, sobre a cobertura do resgate de mineradores do Chile, em acidente ocorrido em 05/08/2010.
Correspondente em Israel
Outra mudança veio em 2011. De Renato Ribeiro, na época diretor executivo de Jornalismo, recebeu o convite para ser correspondente da Globo no Oriente Médio. "Foram dez dias de sufoco para tomar uma decisão”, confessa. Após uma negociação com a mulher, a família estava pronta para uma nova mudança, desta vez para Israel. Em dois anos, viajou por mais de dez países da região, acompanhando a chamada Primavera Árabe, manifestações populares em países árabes. Um treinamento para enfrentar ambientes hostis, dado pela empresa de segurança britânica Thor, o ajudou a se preparar para esse período. “No início, você se descobre ignorante. Um jornalista cru, aprendendo. Mas com vontade de fazer. Então, tem que ter humildade, chegar lá e perguntar”, comenta de Lannoy, que contou com a boa vontade da população local (de origem hebraica ou muçulmana) para conversar.
Houve momentos de tensão. Os inúmeros protestos na Praça Tahrir, no Cairo, uma horda furiosa em Porto Said, no Egito, mísseis atirados por Israel durante uma cobertura que fazia na Faixa de Gaza. “Nas manifestações, você nunca sabe de onde vai vir o problema, porque os árabes não gostam que filmem situações tensas. Já os mísseis eram ataques cirúrgicos, mas neste dia em que estive em Gaza ouvi que foram mais de 300 mísseis lançados. Percebi depois que me coloquei numa situação de risco. E nenhuma reportagem vale o risco. O problema é que a adrenalina faz você se meter no meio da confusão”.
Além das reportagens tensas, Carlos de Lannoy pôde fazer matérias mais leves, como as 'Crônicas do Oriente Médio', para o 'Jornal Hoje'. Ele passou a viver em comunidade com os outros correspondentes brasileiros e também de outros países. A mulher voltou um pouco antes, mas o jornalista não se arrepende. “Eu gostaria de ser correspondente o resto da vida. Descobri uma vocação”.
Retorno ao Brasil
Em março de 2013, voltou ao Brasil, agora sediado no Rio. Trouxe um olhar de fora para entender os problemas da cidade. Um novo aprendizado. “A pressa e a angústia ajudam você a apurar, mas as boas histórias vêm com o tempo. A gente tem que matar um leão por dia, porque é uma carreira que está em mudança”. Em julho daquele ano, produziu uma série especial para o Globo Repórter sobre a juventude brasileira católica, durante a Jornada Mundial da Juventude.
No ano seguinte, na Copa do Mundo no Brasil, Carlos de Lannoy fez a cobertura da seleção chilena, que jogou em Cuiabá, Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, sendo eliminada na capital mineira pelo Brasil, em 28 de junho. O repórter também esteve presente no Maracanã em 18 de junho, dia em que a torcida chilena invadiu o estádio pela área reservada para a imprensa. Após a eliminação do Chile, De Lannoy acompanhou o desfecho da punição dada ao atacante uruguaio Luis Suárez, suspenso após morder o zagueiro italiano Giorgio Chiellini.
O jornalista questiona a profissão o tempo todo. “Sou um jornalista simples, não crio, não torno a coisa maior do que ela é. Sempre busco a medida certa para a história, a moderação. Se você é equilibrado, chega rápido na credibilidade. E o que a gente oferece é credibilidade, não apenas informação”, afirma. De Lannoy se emociona ao falar da educação que recebeu dos pais, que tanto contribuiu para sua formação como ser humano e profissional: “Se você tem pais com uma visão de mundo generosa, aberta, ajuda muito. Principalmente para um jornalista. A confiança em Deus também. São muito religiosos. É importante ter esse lado também”.
FONTE:
Depoimento concedido ao Memória Globo por Carlos de Lannoy em 08/07/2013. |