O carioca Carlos Absalão foi responsável por sua própria pauta no primeiro dia de estágio na imprensa escrita do Rio de Janeiro. Tudo aconteceu quase por acaso, mas o faro jornalístico já era aguçado naquela época. Nascido no dia 2 de abril de 1950, Absalão cursava a primeira turma de jornalismo da Universidade Estácio de Sá, quando foi contratado pelo jornal O Dia. No caminho para o trabalho, viu um tumulto na porta do Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, atual INSS), no centro da cidade. Decidiu investigar. “Eu desci do ônibus, fui andando e descobri a confusão. Cheguei na redação e avisei. Aí, os caras me olharam: ‘Você mal começou e já trouxe a notícia?’ Eu disse: ‘Não só trouxe como apurei. Sentei lá e datilografei o que seria a minha primeira nota.”
Filho do advogado Niceias Absalão da Silva e de Maria Helena Absalão, funcionária da Caixa Econômica Federal, Carlos se formou em 1974 e trabalhou durante dez anos na imprensa escrita. Também passou pelo jornal O Globo, onde começou cobrindo a Cúria Metropolitana e os assuntos mais importantes relacionadas ao então Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles. Também cobriu o Desipe – Departamento do Sistema Penal – e a Secretaria Estadual de Justiça. “Eu era pau para toda obra. Na redação não tinha essa coisa de escolher matéria. Plantão, então, você fazia de tudo”, lembra. Logo depois começou a cobrir política, editoria de onde não sairia mais. Em 1979, participou da cobertura da promulgação da Lei da Anistia e da volta dos exilados no governo de João Figueiredo, um dos primeiros passos para a redemocratização do Brasil. Neste mesmo ano, trocou O Globo pelo Jornal do Brasil, tornando-se, em pouco tempo, editor de Política.
Em 1982, cobriu pelo JB as primeiras eleições diretas para governador após o fim da ditadura militar; o atentado no Riocentro (1984), quando a explosão de uma bomba no estacionamento do centro de convenções matou um militar e feriu outro, durante as comemorações do Dia do Trabalhador. Os dois eram funcionários do DOI-CODI.
Absalão foi para a Globo, em 1984, cobrir a licença maternidade da jornalista Leila Cordeiro. Começou fazendo reportagens para a Editoria Rio. O jornalista lembra que foi um pouco difícil se adaptar à televisão e que passou por maus bocados. Deparou-se “com uma experiência nova, que é olhar para a câmera, ver o outro lado. No início foi difícil, porque eu esquecia o que eu tinha para dizer. O sujeito ligava a luz, eu tinha que falar, fazer um stand-up, decorar o texto”. Depois de três meses, ainda em 1984, Carlos Absalão passou a ser editor de Política do 'Jornal da Globo'. "Eu fiquei assim acho que uns dois meses e tal. E aí ele (Woile Guimarães) me transformou no editor-chefe". Ele ficou na chefia do telejornal até 1990, com eventuais intervalos para projetos especiais.
Em depoimento ao Memória Globo, Absalão contou que comandar a editoria no horário noturno foi um dos momentos mais dinâmicos e divertidos da carreira dele.
“A gente tinha muita liberdade e usávamos a criatividade. O telejornal tinha grandes colunistas, como o Jô Soares, que participava como comentarista de assuntos ‘aleatórios.’ Imagina o Jô naquela fase em que tudo era motivo de piada! Ele saía para gravar, e a gente tinha que sair correndo atrás dele porque a hora não parava e atrasava tudo. Mas era muito divertido”.
Em 1985, Carlos Absalão se afastou temporariamente do 'Jornal da Globo' para participar do projeto 'Eleições 85', exibido aos domingos depois do 'Fantástico'. O programa acompanhava a corrida eleitoral para as prefeituras das principais cidades do país. A ideia era detalhar os assuntos, principalmente, para os eleitores que iam às urnas pela primeira vez. O projeto também incluía um pacote de pesquisas semanais feitas pelo Instituto Gallup, e Absalão era o responsável por acompanhar a evolução dos números. “Eu fiquei com a incumbência de, toda semana, ir a São Paulo para pegar os blocos de pesquisa e trazer para o Rio. Era como se fosse aquelas coisas de serviço diplomático: ninguém podia ver, era confidencial. Porque o que mantinha a expectativa era a novidade. Se essas informações vazassem, os nossos números perderiam importância.”
Carlos Absalão não estava na redação quando morreu Tancredo Neves, o primeiro presidente civil eleito após a ditadura militar. Mas participou ativamente da cobertura da doença de Tancredo, em março de 1985. Ele conta que, assim que o político fora internado, o 'Jornal da Globo' deu um furo de reportagem ao exibir um pronunciamento do jurista Afonso Arinos. Com a Constituição em mãos, Afonso Arinos anunciava à nação que em caso de morte do presidente, o vice José Sarney deveria assumir o cargo. “O papel da Globo foi fundamental para garantir o equilíbrio e a Constituição. A gente estava vendo a história acontecer na nossa frente. Foi um privilégio.”
Nas eleições para deputado federal, senador e governador, em 1986, a Globo fez um programa semelhante ao do ano anterior. E, segundo Absalão, teria sido uma das primeiras vezes em que o recurso de videoconferência fora utilizado em reunião de pauta na emissora. “Nessa época a gente teve que ir em uma sede da Embratel para fazer essa videoconferência. A gente falava e ouvia simultaneamente, via a imagem”.
Neste mesmo ano, Absalão ajudou a montar a cobertura especial da Globo do anúncio do Plano Cruzado, que começou mais cedo, durante o 'Jornal Hoje'. Ele também coordenou o debate político dos presidenciáveis, em 1989. Carlos Absalão lembra que ele era a comunicação entre o jornalista Alexandre Garcia, que conduziu o debate entre Fernando Collor e Luiz Inácio Lula da Silva, com os editores que comandavam o trabalho.
Entre junho de 1990 e novembro de 1991, Carlos Absalão foi editor-chefe do 'Jornal Nacional', sendo que nos dois últimos meses dividiu a função com Edson Ribeiro. Ele se lembra da estreia à frente do programa, que definiu como “pesada e tensa”. Naquele dia, escolheu para abrir o noticiário uma matéria de André Luiz Azevedo sobre a precariedade do sistema de saúde do Rio. A reportagem trazia um paciente pobre passando mal e ninguém socorrendo. Dias depois, o governador mandou demitir o diretor do hospital. Absalão percebeu o impacto que o 'JN' tinha na sociedade. As matérias precisavam de extremo cuidado editorial.
Do período em que esteve na direção do 'Jornal Nacional', o editor destaca a cobertura da Guerra do Golfo, em 1991, quando os Estados Unidos iniciaram os bombardeios ao Iraque. Para esta cobertura, a Globo investiu muito em arte. Construiu-se um cenário virtual para que as pessoas visualizarem melhor o que acontecia na guerra. Pela primeira vez, os correspondentes apareceram conversando entre si. Numa época em que a transmissão ao vivo ainda era uma operação arriscada, sujeita a inúmeras falhas, tratava-se de uma ousadia.
“O Ernesto Rodrigues montava diariamente aquela operação e a gente explicava como a guerra estava acontecendo. Mostrava os blindados para o telespectador. Um repórter explicava como era o deslocamento das forças americanas, enfim, como é que estava se dando o combate. Nesse período, a arte teve um papel extraordinário, porque eles montaram essa cenografia toda e cuidavam dessa parte de ilustração gráfica para reproduzir, em animação, como eram os bombardeios."
Em 1992, Absalão não foi a Brasília coordenar a cobertura do impeachment do presidente Fernando Collor, mas acompanhou pelo 'Jornal da Globo', do qual voltou a ser editor-chefe. “Foi um grande momento em que a Globo mostrou capacidade de planejamento para fazer a cobertura em todos os detalhes, ou seja, todos os votos foram registrados, os que eram a favor, os contra e as abstenções. Ninguém conseguiu se esconder da opinião pública porque a televisão estava ali para mostrar tudo.”
Depois, entre 1993 e 1994, ele chegou a voltar ao 'JN' como editor-executivo, com Xico Vargas como editor-chefe. Em 1994, ele passou a ser chefe da redação do 'Fantástico', cargo que ocupou até 1996. E foi dali que o jornalista coordenou a cobertura da campanha presidencial de 1994, momento em que a Globo também investiu muito na produção gráfica. Nos meses que antecederam ao pleito presidencial, Absalão também coordenou as equipes que acompanhavam, diariamente, as campanhas dos principais candidatos. A emissora contou com equipes espalhadas pelas principais cidades do país. Foram envolvidos cerca de dez mil profissionais, entre jornalistas, técnicos e pesquisadores.
Em 1996, Absalão teve uma última passagem pelo 'Jornal da Globo', no cargo de coordenador geral. Ele estava nesta função quando aconteceram as coberturas do acidente fatal da banda Mamonas Assassinas (em março) e o Massacre de Carajás (em abril).
Em 1997, Absalão vai para a TV Manchete, onde fica até 2000. Em 2001, é convidado para trabalhar na TVE, onde fica até 2014.
FONTES:
Depoimentos dados por Carlos Absalão ao Memória Globo em 14/06/2004 e 14/07/2014 |