Nascido em Bonsucesso, zona norte do Rio de Janeiro, filho de um técnico em contabilidade e de uma professora, antes de se tornar jornalista, Ari Peixoto Chauvet foi marinheiro. Aos 18 anos, formou-se oficial de Marinha Mercante, especializado em náutica, navegação, pela Escola de Formação de Oficiais de Marinha Mercante. Viajou por alguns anos, mas se cansou da vida no mar e transferiu-se para o quadro do pessoal de terra da mesma empresa em que trabalhava, a antiga Frota Nacional de Petroleiros, a Fronape, hoje Transpetro, da Petrobras. Prestou vestibular para comunicação social na Suam e, ainda trabalhando, fez seu primeiro estágio, nos últimos três meses do curso, no Jornal do Brasil. Em 1981, já formado, não foi contratado pelo Jornal do Brasil e continuou na Fronape. Seis meses depois, inscreveu-se em um concurso para o 15º Curso Bloch de Jornalismo, da Manchete, que ainda não tinha televisão, só revistas e rádio. Passou em primeiro lugar, fez o curso de duas semanas e foi contratado como redator da rádio Manchete FM. Com 26 anos, tinha achado seu rumo. Deixou a Fronape e, algum tempo depois, fez um teste para trabalhar como repórter no programa Cidinha Livre, na Rádio Tupi – e foi contratado. “De manhã eu era repórter da Rádio Tupi, fazendo matérias para o programa da Cidinha Campos. Saía às 13h e pegava às 14h na Manchete. Durante dois ou três anos, minha rotina foi essa”, conta.
Desde os tempos de universidade, Ari Peixoto queria ser repórter de televisão e achava que o caminho era fazer jornal e rádio: “O jornal te ensina a escrever, o rádio, a falar, embora seja um tom acima e um pouco mais acelerado”. A oportunidade surgiu quando um locutor da Tupi, que também trabalhava na TVE, sugeriu que Ari deixasse um currículo na emissora. Ele deixou e foi chamado para cobrir uma licença-maternidade. Acabou sendo contratado e desligou-se da Rádio Tupi.
Ficou quase três anos na TVE, onde começou em 1984: “Foi uma experiência maravilhosa, a TVE é uma grande escola”. Começou como repórter local. À noite, “grudava os olhos na TV” para ver como as outras emissoras tratavam do assunto das matérias que fizera e para aprender com o resultado. “Eu só disse a ele recentemente, há uns dois anos, mas eu copiei muito o Caco Barcellos”, revela. “Caco resolvia questões de texto e de passagens de um modo que eu, depois, adotava e que fazia muito sucesso na TVE.” Em 1985, foi mandado a Brasília para cobrir a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral e a posse, que acabou não ocorrendo.
A inflação galopante corroía os salários “e a situação começou a ficar complicada”. Estava decidido a procurar outro trabalho, e conseguiu: em 1986, participou como voluntário da campanha de Fernando Gabeira a governador do Estado do Rio. Em compensação, conheceu uma jornalista do Fantástico, à qual entregou uma fita para ver se emplacava na Globo. Mas os meses se passaram e nada aconteceu.
Em abril de 1987, recebeu duas propostas: uma da TV Cultura de São Paulo, outra da TV Manchete, de Brasília – mas não queria deixar o Rio de Janeiro. Decidiu ir à Globo para reaver sua fita. Na saída, passou pela editoria Rio e resolveu arriscar. Encontrou um repórter conhecido, que o levou até a chefe de redação. “Deixa a fita aqui que a gente vai dar uma olhada”, ela prometeu. A fita agradou, mas havia uma condição: tirar a barba. Assim, começou na Globo no dia 1º de abril de 1987.
A primeira matéria foi sobre erros nos documentos de veículos, o que estava causando grande confusão: ” o cidadão tinha um Fusca, mas o registro indicava um Chevette e por aí vai”. Foi ouvir o diretor do Detran. Conversa vai, conversa vem, pediu para ver o documento dele. “O senhor se chama fulano de tal?”, perguntou. Não, respondeu o diretor. “Então, seu nome está errado no documento”, disse. “Minha primeira passagem na Globo foi assim: olha, até o documento do diretor está errado”. A matéria agradou, e Ari decolou. Levou oito anos para se tornar repórter de rede. Enquanto isso, acompanhou de perto muitos carnavais e as mudanças nos morros cariocas, onde os traficantes nascidos na comunidade davam lugar a quadrilhas organizadas. Viu os jornalistas passando a trabalhar com coletes à prova de bala.
Destaques na reportagem
Entre as matérias desse tempo de repórter local, lembra-se de uma feita em 26 de abril de 1991, dia de seu 35º aniversário. Estava fazendo uma entrada ao vivo no Bom Dia Rio, direto do Copacabana Palace, sobre a visita de Lady Di e do príncipe Charles, quando a princesa resolveu entrar na piscina. Ari, que tinha acabado de fazer o flash, chamou a emissora e entrou ao vivo mostrando a Lady Di nadando na piscina do Copa.
Já como repórter de rede, coube a Ari Peixoto mostrar os horrores da Clínica Santa Genoveva, para idosos, no Rio de Janeiro. Matéria do jornal O Globo estimava que 100 velhinhos haviam morrido na clínica de diarreia provocada pela água contaminada dos bebedouros e dos maus-tratos que sofriam. O repórter e o cinegrafista Carlos Trinta foram até a clínica numa quinta-feira, mas não conseguiram nada. Voltaram na sexta e viram os dois donos da clínica deixando o prédio, mas eles se recusaram a falar sobre o assunto. Os jornalistas conversaram com os moradores de uma comunidade pobre vizinha, por dentro da qual era possível chegar à clínica. “Não tinha cerca, não tinha portão, não tinha nada, então entramos”, conta o repórter, que estava temeroso de ser acusado de invasão de domicílio.
Na mesma noite, a matéria foi para o ar, mostrando um ambiente tenebroso, com idosos maltratados, enrolados em cobertores e tremendo de frio, além de parentes reclamando e funcionários denunciando as condições de atendimento da clínica. No dia seguinte, o ministro da Saúde veio ao Rio, foi até lá e fechou a clínica Santa Genoveva. Ari Peixoto foi arrolado como testemunha no processo movido pelas vítimas. Isso foi em 1997. Cinco anos depois, ainda era chamado para prestar depoimento. “Essa matéria, para mim, significou tudo aquilo que eu sempre pensei do jornalismo”, afirma.
Das derrapadas que deu, lembra-se que, por pouco, não incluiu na matéria a frase do cantor Jamelão sobre a visita do então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, ao Complexo Esportivo da Mangueira no Rio de Janeiro. Mais preocupado com a arte para ilustrar o pênalti batido por Clinton, que Pelé deixou entrar, quase não registrou o antológico comentário “feliz como um pinto no lixo”. Foi salvo pelo editor executivo do Jornal Nacional, Odejaime de Holanda, “um cara que tinha um faro impressionante para a coisa popular”, recorda. O repórter considera a matéria uma das melhores que já fez na Globo.
Correspondente internacional
De férias, em 2007, foi chamado à emissora, onde encontrou no corredor, em frente à porta da chefia, o então correspondente em Jerusalém, Marcos Losekann, que comentou: ‘Estou deixando Jerusalém, acho que o homem vai te convidar para ir para lá’. Pensou: “Ai meu Deus, Jerusalém, não”. Porém, entrou e ouviu do diretor de Jornalismo na época, Carlos Henrique Schroder: “A gente está mandando o Alberto Gaspar para Jerusalém, e eu queria te convidar para ir para Buenos Aires. Você topa?”.
Ari Peixoto ficou na capital argentina por dois anos. Nesse tempo, cobriu acontecimentos em toda a América do Sul e na América Central. Esteve em Cuba, cobriu o terremoto no Haiti e no Peru: “Quando fui dormir havia cinco mortos; quando acordei, já eram 110”. Foi à Colômbia, onde cobriu a libertação dos primeiros reféns das Farc, ao Paraguai, ao Equador e muitas vezes à Venezuela: “Toda vez que o Chávez aprontava uma, nós íamos para lá”.
Em julho de 2008, veio ao Brasil e Carlos Henrique Schroder perguntou se queria permanecer em Buenos Aires. Disse que não, e o diretor prometeu: “Estou pensando numa coisa grande para você” – pensou em Tóquio ou Nova York. Em novembro daquele ano, recebeu um telefonema do chefe: “Vou te mandar para Jerusalém, tudo bem?”. O Oriente Médio foi um choque cultural para o repórter: “É uma lógica diferente, são línguas diferentes e até um calendário diferente; a adaptação é muito mais complicada”. Sua primeira providência foi alugar um carro. “Botei dois adesivos da Globo, um de cada lado, bandeira do Brasil e um símbolo da Associação dos Correspondentes Estrangeiros”. A segunda, entrar em contato com os assessores de imprensa da Autoridade Palestina e do governo de Israel. “Aí você começa a se movimentar; não é difícil”. Pouco antes de deixar Israel e retornar ao Brasil, foi ao Cairo cobrir os protestos que culminaram com a derrubada do ditador do egípcio, Osni Mubarak, na chamada Primavera Árabe.
Primavera Árabe: Jornal Nacional, 28/01/2011.
Primavera Árabe: Jornal Nacional, 12/02/2011.
Milhares de pessoas ocuparam a Praça Tahrir, no Cairo, Egito, em janeiro de 2011. Estudantes, professores, comerciantes, engenheiros, gente simples, pessoas comuns, todos discutindo, pulando, gritando palavras de ordem em protesto contra uma ditadura que governava o país há 30 anos. Ari Peixoto tentava gravar uma passagem, mas o áudio do microfone sem fio volta e meia era cortado, e o cinegrafista não conseguia fixar sua imagem em meio à multidão. Percebendo que, de tempos em tempos, um grupo percorria a praça carregando alguém nos ombros, tomou uma decisão: “Olhei para o lado, tinha um fortão, falei assim: fala inglês, pode me botar no seu ombro? Fui para o ombro do cara. Mas a primeira passagem não deu certo, porque o sujeito continuava pulando comigo no ombro. Pedi a ele que não pulasse, então fiz uma, duas, três passagens”, lembra. No mesmo dia, a matéria entrou no ar.
De volta ao Brasil
Em 2011, Ari Peixoto foi para Brasília. No ano seguinte, participou da série JN no Ar e foi até Tabatinga, no oeste do Amazonas, para acompanhar a chegada de milhares de refugiados haitianos que pretendiam evitar a miséria e a pobreza causada pelo abalo sísmico. O repórter mostrou as dificuldades que eles enfrentavam para conseguir visto e trabalho no Brasil.
Ainda em 2012, o jornalista noticiou o envolvimento do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o então senador de Goiás, Demóstenes Torres. Eles atuavam para legalizar os jogos de azar junto ao Senado. Em função das conversas interceptadas pela Polícia Federal, o mandato de Demóstenes Torres foi cassado em 11 de julho de 2012 e ele foi afastado do Ministério Público de Goiás. Ele só poderá voltar à vida pública em 2027.
Ari Peixoto participou também da cobertura da morte de Oscar Niemeyer, em dezembro de 2012. O jornalista mostrou a comoção dos brasileiros com a morte do arquiteto em uma reportagem no JN. Ainda em Brasília, acompanhou as manifestações populares que tomaram conta das principais cidades do país em junho de 2013.
Em agosto de 2013, vou à Editoria Rio como repórter especial. Participou da cobertura da Copa do Mundo de 2014 na cidade e das Olimpíadas, dois anos depois. Neste mesmo ano, emocionou-se no ar, durante o Jornal Hoje, ao acompanhar, como enviado especial à Colômbia, o traslado dos corpos das vítimas do acidente com o avião que levava o time da Chapecoense, entre os quais três jornalistas da Globo. Em 2018, ao lado de Bette Lucchese, revelou as maravilhas naturais da Costa do Sol, no litoral Sudeste, para o Globo Repórter. Enquanto a repórter desbravou a região por terra, Ari Peixoto seguiu pelas águas.
Em 2020, o jornalista, então com 64 anos, teve de se afastar das ruas e participar da cobertura da pandemia de Covid-19 de forma remota, o que não o impediu de noticiar as consequências da doença e a situação dos hospitais no Rio de Janeiro. Retornou às redações do jornalismo assim que seu esquema vacinal foi completo e, depois de 34 anos, deixou a emissora em outubro de 2021.
Morte de Oscar Niemeyer: Jornal Nacional, 06/12/2012.
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