O jornalista Alberto Gaspar Filho escrevia para uma revista feminina de decoração quando recebeu um telefonema do colega de faculdade, Ernesto Paglia, querendo saber se ele gostaria de fazer um teste na Globo. Era um programa de estágio, informal. Essa informalidade, no entanto, não significava descompromisso, e o iniciante Alberto Gaspar logo foi contratado como repórter do 'Bom Dia São Paulo'. Chegava à Globo, diariamente, às 5h em ponto, e fazia sobretudo matérias de serviço. Em sua opinião, uma vitória, afinal, não fora escalado para a equipe da madrugada. Participou de coberturas históricas como a campanha Diretas Já e a doença e morte do então presidente eleito Tancredo Neves, em abril de 1985. Trabalhou em afiliadas no interior de São Paulo e de Minas Gerais, mas também como correspondente internacional na Argentina e Jerusalém.
Início da carreira
Alberto Gaspar Filho nasceu no dia 13 de outubro de 1957, filho do economista e contador Alberto Gaspar e da dona de casa Iracema Ferreira Gaspar. Na década de 1970, participou ativamente do movimento estudantil, inclusive escrevendo para pequenas publicações. Chegou a ser preso pelo regime militar, em 1977. Entrou na Globo como estagiário, em 1980, e logo foi contratado como repórter do 'Bom Dia São Paulo'.
O ano de 1982 o Brasil teve a primeira eleição para governadores depois do golpe militar. O país mudou. E, com ele, a carreira do jornalista. Vieram as primeiras grandes coberturas: campanha Diretas Já e a doença e morte do então presidente eleito Tancredo Neves, em abril de 1985. Tancredo estava em Brasília e foi transferido para o Instituto do Coração, em São Paulo. Alberto Gaspar estava na primeira equipe da Globo ao chegar ao hospital. O motorista parou o carro, uma Veraneio, em cima da calçada. E o carro não saiu dali enquanto não terminou a cobertura. Com os pneus arriados, virou refeitório e dormitório. “
Passagem por afiliadas e Globo Rural
No final de década de 1980, casou-se com a repórter Glória di Monaco, também da Globo. Em busca de um lugar mais calmo para criar o primeiro filho, o casal foi para a emissora afiliada de Ribeirão Preto, na época TV Ribeirão. Em seguida, mudou-se para a TV Campinas e, depois, para a TV Sul de Varginha, em Minas Gerais, que o jornalista ajudou a fundar. Um ano depois, de volta à redação da Globo em São Paulo, foi escalado para trabalhar na equipe do 'Globo Rural'. Na época, viajou para a África do Sul e para a Austrália. Entre os programas que fez, o jornalista destaca três: os 100 anos do eucalipto no Brasil, a cultura da mandioca, no Pará, e a caçada da jaçanã, no Maranhão.
“O paraense tem vários pratos, uma tradição, um jeito riquíssimo de lidar com a mandioca. O programa tinha um final bonito sobre o tacacá, com o texto de uma jornalista paraense que falava que aquilo ‘era como beber um pouco de mar’”, lembra. O jornalista também tem lembranças singelas da matéria sobre a caçada da jaçanã: “Fomos para uma região extremamente pobre do Maranhão. Era uma matéria bonita e triste. As pessoas caçam aquelas avezinhas. Mas, coitadas, são magrinhas. Ao mesmo tempo, existe a tradição do arroz de jaçanã. Eu me lembro de um momento: eu estava numa canoa com o cara, ele caçando e eu perguntando sobre o Ibama. Lembro do olhar dele, o olhar perdido”.
De volta ao jornalismo diário em 1995, fez a cobertura do acidente com o Fokker da TAM (1996), que caiu logo após decolar de Congonhas, resultando na morte de todos os passageiros. O jornalista já havia participado da cobertura de duas tragédias anteriores: em 1984, no incêndio na Vila Socó, em Cubatão, por onde passava o duto da Petrobras; e um engavetamento na Dutra, com vítimas carbonizadas, entre elas muitas crianças. Mesmo mais experiente, naquele dia, não conseguiu chegar ao fim da cobertura.
Correspondente internacional
No início dos anos 2000, participou de reportagens como a da prisão do juiz Nicolau dos Santos, a que denunciou uma máfia que misturava combustível nos postos de São Paulo e a do sequestro e morte do então prefeito de Santo André, Celso Daniel. Depois disso, foi convidado para ser correspondente da Globo em Buenos Aires. “Lá, vivi um período rico de experiências, viajei muito para cobrir a América Latina. Viajei umas oito vezes para a Venezuela, sete para o Peru, seis para o Chile, onde fiz a cobertura da eleição da presidente Michele Bachelet. Cobri a eleição de Alan García, no Peru, e a reeleição de Chávez, em 2006. Essa experiência dá a você outra perspectiva”, conta.
Em 2007, foi transferido para Jerusalém, onde substituiu o jornalista Marcos Losekann, já com outras responsabilidades além das de repórter. Não havia escritório. Alberto Gaspar trabalhava com um cinegrafista freelancer e, na volta para casa, enviava as matérias pelo computador para o Rio de Janeiro. Leu, estudou os conflitos da região, mas a realidade era totalmente diferente. A primeira dificuldade foi achar lugar para morar. Depois, acostumar-se a hábitos diferentes. “A sexta deles é o nosso sábado, o sábado deles é o nosso domingo e o domingo deles é a nossa segunda, mais ou menos assim”, analisa. Daquela vez, no entanto, não haveria tantas viagens pela região. E ele conta o porquê: “A verdade é que existe um problema: passaporte com carimbo de Israel não entra em quase nenhum país árabe. Você não entra no Líbano, na Síria, não tenho certeza se nos Emirados. Então, as viagens foram para a Jordânia, para a Turquia, para o Egito e para a Grécia”.
No dia 27 de dezembro de 2008, Israel atacou a Faixa de Gaza. Alberto Gaspar, com um cinegrafista italiano e a repórter Renata Malkes, do jornal O Globo, formaram uma equipe. Ela não tinha carro, ele tinha. Ele não falava hebraico, ela falava. Logo no primeiro dia, os dois descobriram uma brasileira dentro da Faixa de Gaza, onde nem cidadãos israelenses, nem imprensa entravam. “Fui para um kibutz onde moravam brasileiros, perto de Gaza, e comecei meus contatos. O motorista palestino ligou para não sei quem, que ligou para não sei quem lá. E consegui falar com a brasileira, gravar com ela, tudo. Mas, ao chegar em casa, o computador não funcionava. E a matéria só saiu no 'Jornal Nacional' do dia seguinte, segunda-feira. Mas, enfim, acho que o grande gol foi conseguirmos, logo de cara. Depois, a colega do Globo conseguiu mais um contato e eu, também. Nós tínhamos três fontes, três brasileiras que falaram pelo telefone conosco: gravávamos e mandávamos para nossas redações”, lembra.
De volta ao Brasil
Em 2008, Alberto Gaspar viajou para a Grécia para cobrir uma série de protestos deflagrados após a morte de um estudante. No ano seguinte, voltou para a redação de São Paulo. Fez matérias para o 'JN' – inclusive para os 40 anos do programa, uma reportagem sobre a Cracolândia, em São Paulo –, e também para o Globo Repórter: 'Mitos e Verdades sobre o Café', 'O que Tira o Sono dos Brasileiros', 'Mutirão do Michael Jackson' e 'Diário de uma Dieta'.
Em 2010, Alberto Gaspar fez a série 'Amazônia Urbana'. Em cinco reportagens, o repórter mostrou a vida dos brasileiros que moram nas cidades que cercam a Amazônia, registrou como as quatro capitais da região – Manaus, Porto Velho, Belém e Rio Branco – se desenvolveram e como foi o impacto desse crescimento sobre a floresta, falou das pequenas cidades e povoados que ficam isolados do meio da Amazônia, apresentou os projetos ambiciosos que fracassaram por falta de conhecimento do ecossistema, e também exibiu como as cidades buscam novos caminhos para o desenvolvimento da floresta amazônica.
No ano da Rio+20, o jornalista fez uma série de seis reportagens sobre os rumos da produção de energia elétrica no país, gravadas em sete estados brasileiros, para o 'Jornal Nacional'. O trabalho, que se chamou 'Rio + 20 – Série Energia', também mostrou as consequências do apagão elétrico e energias alternativas como a eólica e solar. Nesse mesmo ano, Alberto Gaspar foi o mediador dos debates que marcaram a cobertura da campanha para governador do estado no Acre.
Primeira reportagem da série "Rio+20 Energia", de Alberto Gaspar, sobre as consequências do apagão elétrico no Brasil, 20 anos depois, 'Jornal Nacional', 02/06/2012.
Faltando poucos dias para as eleições de 2014, o jato do candidato do PSB à Presidência, Eduardo Campos, caiu em Santos, litoral de São Paulo. Além do presidenciável, o assessor, Pedro Almeida Valadares Neto, o assessor de imprensa, Carlos Augusto Ramos Leal Filho (Percol), o fotógrafo, Alexandre Severo Gomes e Silva, o cinegrafista da campanha, Marcelo de Oliveira Lyra, e os pilotos, Marcos Martins e Geraldo da Cunha, morreram no acidente. O repórter Alberto Gaspar fez a cobertura da tragédia e também a matéria sobre a substituição do candidato pela ex-senadora Marina Silva para o 'Jornal Nacional'.
Em 2020, Alberto Gaspar foi um dos profissionais que passou a cobrir a pandemia de Covid-19 de casa. O repórter só voltou ao trabalho presencial após completar seu esquema vacinal. No ano seguinte, após 39 anos dedicados à Globo, deixou a empresa.
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