A Nicarágua enfrentou, desde setembro de 1978, uma intensa guerra civil, que opôs o ditador Anastásio Somoza à Frente Sandinista de Libertação Nacional, de orientação socialista. A crise entre guerrilheiros e governo era antiga, remetia ao início do século XX, como uma forma de resistência à ostensiva presença norte-americana no país.
O movimento Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) foi fundado em 1962, inspirado no líder guerrilheiro Augusto César Sandino, morto em 1934. O objetivo era derrubar a ditadura da família Somoza, no poder desde 1936, e implantar um regime socialista no país.
EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO
Webdoc sobre a cobertura da Revolução Sandinista em 1978 com entrevistas exclusivas do Memória Globo.
A causa sandinista ganhou o apoio da população, principalmente no final da década de 1970, quando crescia a insatisfação dos nicaraguenses com o governo de Anastásio Somoza. Além das denúncias de corrupção, o ditador era acusado de mandar assassinar o jornalista Pedro Joaquím Chamorro. A morte do mais destacado líder da oposição moderada, em janeiro de 1978, detonou a guerra civil no país.
As ações dos guerrilheiros, que no início eram isoladas, se intensificaram em setembro daquele ano. Foram seis semanas de confronto entre a Guarda Nacional e a FSLN, mas sem resultados positivos para os sandinistas. No dia 6 de junho de 1979, no entanto, os guerrilheiros retomaram os ataques a Anastásio Somoza
EQUIPE E ESTRUTURA
Em junho de 1979, quando se intensificou a ofensiva sandinista, o Jornal Nacional passou a acompanhar detalhadamente o desenrolar dos acontecimentos, enviando os correspondentes Sérgio Motta Mello e Luís Fernando Silva Pinto, além dos repórteres cinematográficos Newton Quilichini e Handerson Rohes, para cobrir o conflito no local. Antes disso, Sérgio Motta Mello e o também correspondente Lucas Mendes, que na época trabalhava no escritório da Globo em Nova York, foram algumas vezes à Nicarágua, cobrir a guerra civil que se desenrolava no país.
Sérgio Motta Mello lembra que aquela foi uma cobertura complicada: “Como era uma guerrilha, não havia uma linha divisória entre o inimigo e os aliados. As balas podiam vir de qualquer lado. A gente saía em verdadeiras expedições, com bandeira de imprensa e andando em fila indiana para não ser atingido nem pelos guerrilheiros, nem pela guarda nacional, que era o exército do Somoza. Quando estávamos entrando na cidade de Leon, fomos surpreendidos por um avião da Guarda Nacional, que sobrevoou e começou a nos metralhar. Nós descemos do carro e nos escondemos em uma estradinha que tinha uns barrancos. Ficamos lá durante mais de duas horas sendo metralhados. As balas passavam perto e entravam na terra ao nosso lado, levantando poeira”.
A GUERRA CIVIL
Desde janeiro de 1978, quando o jornalista Pedro Joaquím Chamorro foi assassinado, deflagrando a guerra civil na Nicarágua, os acontecimentos no país tiveram espaço nos principais telejornais da Globo na época – Jornal Nacional e Amanhã, e, a partir de abril de 1979, Jornal da Globo. Porém, foi nos últimos meses de combate que os noticiários deram mais destaque ao fato, exibindo reportagens diárias sobre o conflito.
No dia 8 de junho de 1979, o Jornal Nacional apresentou uma entrevista exclusiva do repórter Sérgio Motta Mello com Anastásio Somoza, na qual o ditador afirmava que a situação no país estava sob controle. No dia 19 de junho, no entanto, o JN exibiu o caos instaurado em Manágua. A reportagem do correspondente, que estava na capital, mostrou que a Frente Sandinista resistia à ofensiva do governo. Os guerrilheiros já tinham provocado mais de mil baixas na Guarda Nacional, abatido metade dos aviões de Somoza e destruído quatro tanques oficiais. Segundo dados da Cruz Vermelha, até aquele momento, mais de dez mil pessoas já haviam morrido no combate. O número de refugiados aumentava a cada dia.
Entrevista exclusiva do repórter Sérgio Motta Mello com Anastásio Somoza durante a Revolução Sandinista na Nicarágua, Jornal Nacional, 08/06/1979.
A MORTE DE BILL STEWART
Um dos momentos mais dramáticos da cobertura foi a morte do jornalista norte-americano Bill Stewart no dia 20 de junho. Ao tentar cobrir os combates, o correspondente da rede ABC aproximou-se da região dos conflitos com uma bandeira branca e um intérprete. Um soldado da Guarda Nacional mandou o repórter se ajoelhar, abrir os braços, deitar de bruços e o matou com tiros de metralhadora. A cena da execução foi gravada pelo cinegrafista da equipe norte-americana e foi ao ar no mundo inteiro.
Naquela noite, o Jornal Nacional exibiu uma reportagem de Sérgio Motta Mello, que estava em Manágua e acompanhou de perto o fato que chocou o mundo. O telejornal mostrou quatro vezes a imagem da morte do repórter, precedida do seguinte texto: “As imagens do assassinato do repórter da rede ABC, que estão sendo mostradas esta noite em todo o mundo, são um documento da brutalidade humana”. Somoza convocou uma entrevista coletiva, na qual classificou como um acidente isolado a morte de Bill Stewart e prometeu punição aos responsáveis. Mas os jornalistas recusaram as explicações e desculpas do ditador, entregando-lhe uma carta de protesto assinada por todos.
No dia seguinte, o JN trazia a repercussão do acontecimento na mídia internacional, além de uma matéria de Hélio Costa, direto de Nova York, sobre a vida profissional do repórter da rede ABC.
A Nicarágua foi tema do Globo Repórter exibido no dia 6 de julho. Com reportagens de Sérgio Motta Mello, Raul Silvestre e Marilena Chiarelli, o programa falou sobre a guerra civil que assolava o país há um ano e meio.
REFORÇO NA COBERTURA
Entrevista de Luís Fernando Silva Pinto com o monsenhor Miguel Obando Bravo, arcebispo de Manágua, durante a Revolução Sandinista, Jornal da Globo, 16/07/1979.
Em julho, o correspondente Luís Fernando Silva Pinto e o repórter cinematográfico Handerson Rohes foram enviados para cobrir o conflito. Os dois desembarcaram na Costa Rica, onde fizeram reportagens sobre a situação dos refugiados nicaraguenses na cidade de La Cruz. A equipe da Globo cruzou a fronteira com a Nicarágua por terra, em comboio com outras emissoras de TV, seguindo os avanços das forças sandinistas. Em Léon, a 70 km de Manágua, Luís Fernando Silva Pinto cobriu a mobilização dos guerrilheiros sandinistas numa das principais cidades do país e também as manifestações populares pela paz.
Já na capital, o correspondente fez uma entrevista com o arcebispo de Manágua, monsenhor Miguel Obando Bravo, exibida pelo Jornal da Globo no dia 16 de julho. Naquela noite, o telejornal também exibiu uma matéria sobre a possível saída da família Somoza do país. No dia seguinte, o Jornal Nacional confirmou a renúncia do ditador.
FIM DA GUERRA CIVIL
No dia 19 de julho de 1979, o Jornal Nacional anunciou o fim da guerra civil na Nicarágua. Após 18 meses de luta, a capital Manágua foi finalmente tomada pelas tropas da Frente Sandinista de Libertação Nacional. Nesse dia, a Guarda Nacional, até então solidária ao ditador, depôs armas. Anastásio Somoza seria morto no ano seguinte, em um atentado no Paraguai.
Luís Fernando Silva Pinto se recorda do dia em que os guerrilheiros invadiram a fortaleza blindada onde vivia Somoza: “A chegada dos sandinistas à Manágua foi poética, uma cena inesquecível. Nós estávamos hospedados no Hotel Intercontinental, que era ao lado do bunker de Somoza, e, de repente, ouvimos uma explosão muito grande. Quando o barulho acabou, entramos naquele palácio onde vivia o ditador. Não tinha ninguém, a imprensa entrou antes dos sandinistas. Depois, quando eles chegaram, foi feita aquela famosa imagem do guerrilheiro na banheira”. A reportagem do correspondente exibida naquela noite mostrava a festa e o caos instaurados na capital nicaraguense.
A junta da Reconstrução Nacional, formada por sandinistas e liberais, que já havia tomado posse dias antes em Leon, mudou-se para Manágua, onde assumiu o governo: expropriou os bens da família Somoza, nacionalizou bancos e estatizou cerca de 40% da economia. Era a revolução sandinista.