Revolução Islâmica

O retorno do aiatolá Khomeini ao Irã, em 1979, instaura a Revolução Islâmica no país.

Por Memória Globo


Em janeiro de 1979, os islâmicos xiitas do Irã, liderados pelo aiatolá Rouhollah Khomeini, derrubaram o governo do xá Reza Pahlevi, no poder desde a década de 1940 e aliado aos Estados Unidos, e proclamaram a Revolução Islâmica. O movimento já vinha desde 1978, quando as diversas correntes de oposição ao xá (esquerdistas, liberais e muçulmanos tradicionalistas) se uniram sob a liderança de Khomeini – exilado desde 1964 no Iraque e, a partir de 1978, na França. O governo não conseguiu controlar as manifestações de oposição ao regime, o que acarretou na queda e no exílio do xá Reza Pahlevi. O poder foi transferido ao primeiro-ministro Shapur Baktiar, mas durou pouco. As forças armadas aderiram aos revoltosos e, no dia 1º de fevereiro de 1979, Khomeini voltou triunfalmente a Teerã, capital do Irã.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a cobertura da Revolução Islâmica em 1979 com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

Dois meses depois, em 1º de abril, um plebiscito referendou o governo revolucionário provisório do aiatolá Khomeini. O Irã foi declarado oficialmente uma república islâmica, que, em plena Guerra Fria, não se aliava nem com os EUA, nem com a União Soviética. Os xiitas acreditavam na Jihad, a guerra santa que converteria o mundo à fé islâmica, e diziam que essas duas potências eram regidas pelo “Grande Satã”.

EQUIPE E ESTRUTURA

Com o apoio do material enviado diariamente pelo escritório da Globo em Londres, produzido com imagens de agências de notícias, o jornalismo da emissora acompanhou os acontecimentos no Irã. Paralelamente, a equipe que estava em Teerã se preocupava em fazer reportagens que trouxessem um testemunho particular sobre a revolução, independente do factual.

Após a queda do xá Reza Pahlevi, o correspondente Roberto Feith e os repórteres-cinematográficos, Mário Ferreira e José Wilson da Mata, foram enviados ao Irã, onde passaram cerca de um mês acompanhando o desenrolar da revolução. Eles chegaram ao país antes do retorno de Khomeini, em um período marcado pela desordem, entre o fim do regime do xá e o começo do governo revolucionário.

O material produzido pela equipe em Teerã era encaminhado, em filme, para Londres, onde era revelado e editado conforme as instruções manuscritas do repórter. O áudio da reportagem era gravado separadamente na banda magnética. Por causa dessa dificuldade de logística, os correspondentes não cobriam o dia a dia, mas faziam matérias que mostravam um olhar brasileiro sobre os fatos.

O RETORNO DE KHOMEINI
Os principais telejornais da emissora – Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal Amanhã – mostraram imagens da chegada de Khomeini à Teerã, onde o líder religioso foi saudado por mais de dois milhões de pessoas.

TOMADA DA EMBAIXADA DOS EUA
Em 4 de novembro de 1979, um grupo de estudantes islâmicos tomou a Embaixada norte-americana em Teerã e fez 52 reféns. Os sequestradores exigiam que os Estados Unidos entregassem o xá Reza Pahlavi para que ele fosse julgado por um tribunal do governo revolucionário, com o aiatolá Ruhollah Khomeini no poder. Os enviados Sergio Motta Mello e Paulo Zero conseguiram uma entrevista exclusiva com o líder dos estudantes que haviam ocupado a Embaixada.

Reportagem de Roberto Feith sobre organização política de oposição ao governo do Aiatolá Khomeini no Irã, Jornal Amanhã, 01/03/1979.

O RETORNO DE KHOMEINI

Os principais telejornais da emissora – Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal Amanhã – mostraram imagens da chegada de Khomeini à Teerã, onde o líder religioso foi saudado por mais de dois milhões de pessoas.

Em 1º de fevereiro, os principais telejornais da emissora – Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal Amanhã – mostraram imagens da chegada de Khomeini à Teerã, onde o líder religioso foi saudado por mais de dois milhões de pessoas. Seu primeiro discurso, no qual pedia a Alá que “cortasse as mãos de todos os assessores e funcionários estrangeiros que vivessem no país” já indicava que aquela era uma revolução não apenas contra o governo do xá, mas, principalmente, contra o Ocidente e sua influência na vida iraniana.

O Irã permaneceu em destaque nos noticiários nos dias que se seguiram ao retorno de Khomeini ao país. Esse período foi de caos, principalmente após Mehdi Bazargan ter sido designado primeiro ministro do governo revolucionário, conforme noticiou o Jornal Nacional do dia 5 de fevereiro. Com dois governos simultâneos – o de Khomeini e o do primeiro ministro Shapur Baktiar, nomeado pelo xá Reza Pahlevi – a anarquia tomou conta de Teerã.

Em 12 de fevereiro, o JN informou que a monarquia iraniana chegara ao fim. Mehdi Bazargan assumiu a chefia do governo revolucionário e anunciou o apoio das forças armadas. A URSS, o Sudão e a Síria foram os primeiros países a reconhecerem oficialmente o novo regime. Em Brasília, a repórter Marilena Chiarelli mostrou as mudanças na embaixada do Irã, como a retirada de retratos de Reza Pahlevi. O Jornal Amanhã exibiu uma entrevista que Khomeini concedeu em Paris, antes de embarcar para o Irã, e apresentou uma reportagem do correspondente Lucas Mendes, direto dos Estados Unidos, falando sobre o presidente Jimmy Carter e o reconhecimento americano do novo governo. O noticiário apresentou também um histórico sobre o islamismo no mundo.

A situação se agravou quando o exército ocupou os terraços dos edifícios da capital iraniana e abriu fogo contra os muçulmanos, que por sua vez resistiram, tendo o apoio da população e de militares dissidentes. Imagens da guerra civil que tomou conta da cidade foram exibidas pelos principais telejornais da Globo.

O fim da greve geral em Teerã, que já durava quatro meses, foi noticiada pelo Jornal Nacional em 17 de fevereiro. Os estrangeiros, principalmente britânicos e norte-americanos, começaram a deixar o país. De Nova York, o repórter Lucas Mendes apresentou uma matéria sobre a crise do petróleo devido à greve no Irã. Dois dias depois, o JN mostrou imagens de Yasser Arafat, presidente da Organização para Libertação da Palestina (OLP), comemorando junto aos iranianos a revolução.

Um dos momentos de maior tensão que a equipe da Globo passou durante a cobertura no Irã foi após a entrevista com Abolhassan Bani-sadr, um dos pensadores da revolução islâmica. Quando voltavam para o hotel, de táxi, Roberto Feith e Mario Ferreira foram surpreendidos por revolucionários, que apontaram rifles para suas cabeças. A tensão só se desfez quando o repórter mostrou seu passaporte brasileiro.

Enquanto Roberto Feith, Mario Ferreira e José Wilson da Mata estavam em Teerã, a repórter Denise Reis, de Paris, cobria os acontecimentos em torno de Khomeini, que, antes de retornar ao Irã, estava exilado na capital francesa.

UMA QUESTÃO DE PRONÚNCIA

Uma curiosidade da cobertura está relacionada à pronúncia do nome do aiatolá Khomeini. Na França, a repórter Denise Reis, responsável pela cobertura enquanto o líder religioso estava exilado em Paris, adotara a pronúncia local, “Khomeini”, que difere da dos demais países.

Quando Roberto Feith chegou ao Irã e viu que todos se referiam ao aiatolá como “Romeini”, resolveu assumir esse padrão. Luís Edgar de Andrade, editor-chefe do Jornal Nacional, no entanto, achou que tinha que ser mantida a pronúncia adotada por Denise Reis, que já vinha sendo utilizada pelo JN há algum tempo. Passou então a mandar instruções para o escritório de Londres, mas, devido às dificuldades de comunicação, essas instruções nunca chegaram às mãos de Roberto Feith no Irã, que continuou enviando suas reportagens com a pronúncia “Romeini”. Quando o repórter voltou para Londres, encontrou uma série de comunicados de Luís Edgar de Andrade, cada vez mais irritados, e soube que suas matérias haviam sido suspensas por “insubordinação”. Elas deixaram de ir ao ar no JN, sendo exibidas apenas nos outros telejornais da emissora.


TOMADA DA EMBAIXADA DOS EUA

Em 4 de novembro de 1979, um grupo de estudantes islâmicos tomou a Embaixada norte-americana em Teerã e fez 52 reféns. Os sequestradores exigiam que os Estados Unidos entregassem o xá Reza Pahlavi para que ele fosse julgado por um tribunal do governo revolucionário, com o aiatolá Ruhollah Khomeini no poder. O fato aconteceu nove meses depois do fim da Revolução Islâmica. Na época, o então presidente americano, Jimmy Carter, era um forte aliado do governo de Pahlavi e decidiu dar asilo a ele, sob o argumento de que o xá estava doente e acuado. Os reféns foram libertados no dia 20 de janeiro de 1981, dia em que Ronald Reagan tomou posse como o novo presidente dos Estados Unidos. Um acordo entre Irã e EUA colocou fim ao sequestro de 444 dias.

Chegada a Teerã

A cobertura do caso começou para Sergio Motta Mello e o repórter-cinematográfico Paulo Zero antes mesmo da chegada ao Irã. Os dois eram correspondentes da Globo em Nova York e tiveram dificuldades para conseguir o visto iraniano nos Estados Unidos. Tentaram em Paris, também sem sucesso. “O Irã estava num estado de convulsão. Imagino que a própria burocracia de governo do Ministério, a chancelaria, estava travada e, na dúvida, não estava dando visto para ninguém, nem para os correspondentes. Mas, por outro lado, eles queriam dar visibilidade para a tomada da Embaixada norte-americana”, contou Sergio Motta Mello ao Memória Globo. Repórter e repórter-cinematográfico viajaram sem visto de entrada no país. Valia a tentativa. Para conseguir entrar em Teerã, tentaram convencer as autoridades locais de que era importante para eles ter uma cobertura diferenciada da que era feita pelos norte-americanos. Conseguiram.

A dupla ficou um mês no Irã cobrindo a tomada da Embaixada, porque havia um enorme interesse em todo o mundo sobre qual seria o destino dos 52 reféns. Também fizeram reportagens sobre economia e política, tentando traduzir esse contexto pouco conhecido pelos brasileiros. A comunicação não era fácil, porque poucos iranianos falavam inglês.

Entrevista exclusiva

O correspondente Sergio Motta Mello entrevista, com exclusividade, o líder dos sequestradores dos funcionários da embaixada americana em Teerã. Jornal Nacional, 29/11/1979.

Sergio Motta Mello e Paulo Zero conseguiram uma entrevista exclusiva com o líder dos estudantes que haviam ocupado a Embaixada. A matéria foi ao ar no Jornal Nacional do dia 29 de novembro de 1979, transmitida via satélite. “Eles se diziam revoltados com o imperialismo norte-americano, porque os Estados Unidos tinham apoiado fortemente o xá Reza Pahlavi e o processo de ocidentalização do Irã, que era um importante fornecedor de petróleo”, relembrou Sergio Motta Mello, em entrevista ao Memória Globo.

A prisão de Paulo Zero

Durante a cobertura, o repórter-cinematográfico Paulo Zero ficou preso por, aproximadamente, três horas para explicar as imagens que estava gravando em uma área com obras paradas. As cenas eram para ilustrar uma matéria sobre como a revolução estava parando a economia iraniana. A produção de petróleo, que era a maior fonte de renda, estava estagnada.

Paulo Zero foi interrogado e explicou que estava fazendo uma reportagem, mostrou a credencial, e o soltaram. Disse ser brasileiro, não um espião americano: “Brasil, Pelé. Você sabe quem é Pelé?”, contou Paulo Zero ao Memória Globo. E ele se lembra de ter ouvido como resposta: “Ah, Pelé, Jairzinho, Rivellino, Clodoaldo”. Sabiam todo o time da seleção do Brasil de 1970. O episódio aconteceu no dia do aniversário de Paulo Zero. “Passei meu aniversário de 22 anos no Irã. Não comemorei da maneira ocidental: álcool era proibido; a comida, limitada; e ainda fui preso e interrogado, acusado de ser espião. Por sorte, o motorista arrumou uma garrafa de vodca e uma lata de caviar iraniano”, contou Paulo Zero em depoimento ao Memória Globo.

Reportagem de Lucas Mendes e Sergio Motta Mello sobre a crise dos reféns americanos no Irã após um grupo de estudantes e militantes islâmicos tomar a embaixada americana em Teerã, em apoio à Revolução Iraniana. Fantástico, 02/12/1979.

A matéria sobre as obras paradas e a crise socioeconômica foi ao ar no Jornal Nacional do dia 02 de dezembro. Na reportagem, Sergio Motta Mello relatou o alto índice de desemprego – mais de três milhões de iranianos desempregados, a metade deles em Teerã – e a queda na qualidade de vida no país. A construção civil estava em decadência. A produção de petróleo não chegava à metade do volume exportado no tempo do xá. Com a queda da renda do petróleo, dos investimentos estrangeiros e da atividade econômica, caiu também a qualidade de vida do povo iraniano. A importação de alimentos aumentou, assim como o preço da comida e o custo de vida.

Reportagem de Lucas Mendes e Sérgio Motta Mello sobre a crise dos reféns americanos no Irã após um grupo de estudantes e militantes islâmicos tomar a embaixada americana em Teerã, em apoio à Revolução Iraniana. Fantástico, 02/12/1979.

FONTES

Depoimentos de Sergio Motta Mello, de 12/06/2002 e 30/06/2017, e Paulo Zero, de 19/10/2009, concedidos ao Memória Globo; “Há 30 anos, iranianos ocuparam embaixada”, O Estado de S. Paulo, 05/11/2009.