Queda do Muro de Berlim

Um dos maiores símbolos da Guerra Fria, o Muro de Berlim, foi desativado em novembro de 1989. Menos de um ano depois, as duas Alemanhas se tornariam uma única nação.

Por Memória Globo


Durante a Guerra Fria, o planeta esteve dividido entre duas grandes esferas de influência político-ideológica e militar: o Ocidente, capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o Leste, socialista, liderado pela União Soviética. Poucos locais do mundo simbolizaram de forma tão concreta essa divisão quanto Berlim. Oficialmente capital das duas Alemanhas (embora o governo ocidental ficasse sediado em Bonn), a própria cidade foi cortada ao meio, fisicamente, por um muro de concreto com 155 km de extensão e 3,6 metros de altura. A construção começou de surpresa em 1961, por iniciativa do governo alemão oriental. A partir daquele momento, a fronteira entre a RFA, ou Alemanha Ocidental, e a RDA, ou Alemanha Oriental, ficou fechada, e quem tentasse cruzar de um lado para outro poderia ser morto – o que, de fato, aconteceu com pelo menos 100 pessoas.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Webdoc sobre a cobertura da Queda do Muro de Berlim em 1989, com entrevistas exclusivas do Memória Globo.

A partir de meados dos anos 1980, com as políticas reformistas do dirigente soviético Mikhail Gorbatchev (a Perestroika, na economia, e a Glasnost, na política), a tensão entre as duas Alemanhas começou a diminuir e outros países do Leste Europeu acompanharam as mudanças. Em setembro de 1989, depois que o governo da Hungria abriu as fronteiras com a Áustria, milhares de cidadãos da Alemanha Oriental começaram a sair do país, atravessando a antiga Tchecoslováquia, chegando à Hungria e, em seguida, ao território austríaco. Dali, eles tinham livre acesso ao mundo ocidental. O governo alemão oriental, que até então tinha se mantido imune às tendências de reforma dos países vizinhos, teve que ceder: em 9 de novembro, vencido pelas manifestações populares e pela onda de emigração em massa, abriu os postos de fronteira com a Alemanha Ocidental.

EQUIPE E ESTRUTURA

Silio Boccanera, então chefe do escritório da Rede Globo em Londres, e o cinegrafista Paulo Pimentel viajaram para Berlim em 10 de novembro. “Naquele dia, a movimentação começou cedo em Berlim. Nós saímos de Londres e não fomos nem para o hotel. O Muro era imenso, mas havia alguns pontos-chave, e nós fomos do aeroporto direto para o Portão de Brandemburgo”, lembra Silio Boccanera.

O correspondente Pedro Bial, que na época da queda do Muro de Berlim estava no Brasil ajudando na cobertura das eleições presidenciais, cobriu a reunificação da Alemanha, em outubro de 1990.

A QUEDA DO MURO

Um dia após a abertura de todas as fronteiras, soldados da Alemanha Oriental começaram a derrubar uma parte do Muro. Guindastes arrancaram pesados blocos de concreto, e seus pedaços foram distribuídos como souvenir. Os alemães de ambos os lados da cidade subiram e dançaram em cima daquele que havia sido, nas décadas anteriores, o grande divisor simbólico do mundo. O repórter Silio Boccanera e o cinegrafista Paulo Pimentel estavam lá e registraram as comemorações junto ao Portão de Brandemburgo. A reportagem da dupla foi ao ar no Jornal Nacional de 10 de novembro.

“Era um clima de festa. As pessoas estavam comemorando, subindo, batendo com picareta em cima do Muro e havia até batucada. Foi o Paulo Pimentel que insistiu comigo: ‘Sobe lá no Muro!’ O Muro era alto, as pessoas precisaram me ajudar a subir. E eu subi e o Paulo ficou mais à distância, com o microfone sem fio e a gente conversava. Eu falava para ele, ele fazia sinais e nós estávamos gravando as pessoas ali, derrubando o Muro. ‘Derrubando’ em termos, porque era muito rígido, as pessoas martelavam e não acontecia nada. O Muro, para ser derrubado mesmo, precisava de guindaste, o que, na virada da madrugada, eles usaram. Mas o clima todo ali era de euforia, não pelo Muro em si, mas por tudo o que ele representava. Naquele momento, nós sentíamos que uma mudança histórica estava acontecendo na nossa frente, não havia a menor dúvida. Há uma certa tendência, um certo lugar-comum, clichê, que é dizer: ‘Esse é um momento histórico.’ Mas tem horas que é indiscutível: o momento é histórico. E nós sabíamos que aquele momento certamente era”, conta Silio Boccanera.

Reportagem Silio Boccanera e Paulo Pimentel sobre as comemorações junto ao Portão de Brandemburgo, após a abertura das fronteiras entre as Alemanhas, Jornal Nacional, 10/11/1989.

No dia seguinte, o Jornal Nacional mostrou as mudanças na vida dos moradores de Berlim. Silio Boccanera acompanhou o movimento na fronteira, que havia ficado fechada durante quase 30 anos. Famílias inteiras estavam atravessando de carro e a pé, usando vários pontos do Muro. No lado ocidental, um supermercado montou um posto de distribuição de brindes aos visitantes, com chocolates, biscoitos e doces. Além disso, todo alemão que chegava da parte comunista podia receber, nos bancos do lado ocidental, a quantia de 100 marcos. Era um presente do governo de Bonn.

No domingo, 12 de novembro, o Fantástico exibiu uma matéria especial de Silio Boccanera, noticiando a determinação do governo alemão de abrir mais oito passagens no Muro, uma delas no coração da cidade. De Berlim, o repórter destacou “o gesto de reconciliação” dos prefeitos dos lados ocidental e oriental da cidade, que haviam se encontrado “a meio caminho”.

A REUNIFICAÇÃO

O repórter Pedro Bial anuncia, ao vivo, a reunificação da Alemanha, Jornal Nacional, 02/10/1990.

Em 2 de outubro de 1990, Pedro Bial entrou ao vivo no Jornal Nacional, em frente ao Portão de Brandemburgo, para noticiar a reunificação da Alemanha. Em Berlim era meia-noite e meia e, no Brasil, oito e meia da noite, quando anunciou: “Há exatamente meia hora a Alemanha é uma só nação.”

No dia seguinte, o presidente Richard Von Weizsäcker e o chanceler Helmut Kohl mandaram uma mensagem a todos os governos do mundo, em que assumiram a responsabilidade pelos crimes nazistas e prometeram trabalhar pela paz mundial e pela unidade europeia. Nas ruas de Berlim, a equipe da TV Globo mostrou que a festa da reunificação continuava.

Passada a euforia inicial, surgiram muitos problemas no processo de integração das partes oriental e ocidental da Alemanha, com suas realidades tão opostas. Para o Leste, a transição para a economia de mercado levou ao desemprego e à inflação. No lado ocidental, o aumento dos impostos, promovido pelo primeiro-ministro Helmut Kohl para cobrir os gastos decorrentes da reunificação, provocou ondas de protestos. Em maio de 1992, o país parou na maior greve de funcionários públicos desde a Segunda Guerra. No rastro desse movimento, diversas categorias profissionais começaram também a exigir aumentos salariais.

SETE ANOS DEPOIS

Os alemães orientais estavam dominados por uma onda de nostalgia do que tinha sido a Alemanha Oriental. Eles detestavam o regime comunista quando estavam sob ele, mas, terminado esse regime, começaram a reinventar o passado.
— William Waack

Sete anos depois da reunificação, em novembro de 1996, o Jornal Nacional apresentou uma reportagem de William Waack que mostrava que o país continuava dividido, como se os 150 quilômetros de concreto do Muro não tivessem sido derrubados.

William Waack foi ao encontro de uma família alemã oriental mostrada numa reportagem de Silio Boccanera exibida em 1989. A família Kuling ainda morava no lado oriental. Sua casa, antes esburacada, agora estava sendo reformada pelo governo. Mas, apesar dos enormes investimentos que vinham sendo feitos no lado “oriental” pelo “ocidental”, ainda havia uma profunda divisão de mentalidade entre as duas regiões. Como, no entanto, mostrar essa clivagem se as diferenças mais óbvias, como as de roupa e de consumo, não mais existiam? Esse, segundo Waack, era o grande desafio.

O repórter explica: “Os alemães orientais estavam dominados por uma onda de nostalgia do que tinha sido a Alemanha Oriental. Eles detestavam o regime comunista quando estavam sob ele, mas, terminado esse regime, começaram a reinventar o passado. Por isso é que eu digo: memória é imaginação, nada muda mais do que o passado. Os alemães orientais estavam muito presos ao fato de se sentirem inferiores aos alemães ocidentais, que nunca os deixaram esquecer que eles eram considerados cidadãos de segunda classe. É impossível você entender o que acontece em qualquer sociedade se você não se dedicar à maneira como essa sociedade trata do passado. Toda a minha experiência como repórter e como profissional em mais de 40 países me mostrou que se você não entende como uma sociedade lida com os seus conflitos e os seus cadáveres no porão, você jamais vai entender o que ela faz no presente.”

VINTE ANOS SEM MURO

Reportagem de Silio Boccanera e imagens de Paulo Pimentel, que fizeram com a família Kuling a travessia da Alemanha Oriental para a Ocidental pela primeira vez. Globo Repórter, 17/11/1989.

Na última reportagem da série sobre os 20 anos da queda do Muro de Berlim, William Waack reencontra a família Kuling, que havia sido entrevistada pelo repórter Silio Bocanera logo após atravessarem a fronteira para a Alemanha Ocidental. Jornal da Globo, 09/11/2009.

Em novembro de 2009, o Jornal da Globo exibiu uma série de quatro reportagens sobre os 20 anos da queda do Muro. William Waack e Sergio Gilz viajaram à Berlim para registrar como estava a capital alemã duas décadas após a reunificação. Apesar do Muro já não mais existir, algumas barreiras persistiam na vida das pessoas. Waack também entrevistou um ex-oficial da polícia política e secreta da Alemanha Oriental, a Stasi. A última reportagem mostrou novamente a família Kuling, a mesma que o correspondente Silio Boccanera acompanhou em 1989 e que, sete anos depois, Waack reencontrou.

“Nós estudamos as reportagens de 1989 e de 1996, e os fizemos percorrer os mesmos trechos da cidade. É impressionante o que aquilo traz de riqueza de transformação. Não precisa de texto. Se você exibir aquelas imagens, um chinês entende, um russo entende, um brasileiro entende, um americano entende. Basta, não precisa de palavras. A cara da menina, a cara do pai, o carro que eles dirigiam, a casa onde eles moravam e onde eles moram hoje, as ruas onde eles andavam e onde eles andam hoje. É muito raro em televisão ter essa oportunidade de levar as mesmas pessoas aos mesmos lugares 20 anos depois. Um material desses é único. Essa reportagem foi exibida numa feira da qual a TV Globo participou, em Lisboa, e chamou a atenção. A própria televisão alemã se interessou” conta Waack.

FONTES

Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Pedro Bial (25/05/2001), Silio Boccanera(05/04/2004); William Waack (29/05/2002 e 21/03/2012); Jornal Nacional: a notícia faz história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004; Fantástico, 12/11/1989; Jornal Nacional, 09-13/11/1989, 02/10/1990, 09/11/1996.