Lançado em fevereiro de 1994 pelo então ministro da fazenda Fernando Henrique Cardoso, o Plano Real era a sétima tentativa, desde 1986, de conter a inflação a partir de um pacote de medidas econômicas. Desvinculada da moeda vigente, o cruzeiro real, foi criada a Unidade Real de Valor (URV), que serviria de referência de cálculo para preços e contratos firmados a partir de 1º de março. Cada URV correspondia a 1 dólar, e o cruzeiro real se desvalorizaria até que entrasse em circulação a nova moeda. Quando entrou em vigor, em 1º de julho, o real equivalia à URV.
Reportagens sobre o impacto da nova moeda nos centros urbanos, Jornal Nacional, 01/07/1994.
EQUIPE E ESTRUTURA
Reportagem de Ernesto Paglia sobre o anúncio do Plano Real, Jornal Nacional, 07/12/1993.
A TV Globo acompanhou a implantação do Plano Real. Os telejornais da emissora exibiram diversas matérias explicando para a população as medidas econômicas. No período de transição entre as duas moedas, começou a ser usada uma tabela de conversão de valores de difícil compreensão, e o desafio do jornalismo era informar os telespectadores da maneira mais simples possível.
Para realizar tal empreitada, foram mobilizados profissionais das diferentes regiões do país – entre eles, Ana Paula Padrão, Marcelo Canellas, Marcelo Rezende, César Tralli, Roberto Kovalick, Renato Machado, Beatriz Thielmann, Isabela Scalabrini, Ilze Scamparini e Sandra Moreyra. Os repórteres acompanhavam as reuniões e entrevistas da equipe econômica e davam informações sobre as medidas que estavam sendo tomadas para a implantação da nova moeda a partir de 1º de julho.
O anúncio do Plano
O novo pacote de medidas econômicas foi lançado oficialmente em 28 de fevereiro de 1994. Na véspera, o 'Fantástico' dedicou grande parte de sua edição ao plano de estabilização idealizado por Fernando Henrique Cardoso. O jornalista Joelmir Beting entrevistou o ministro da Fazenda para tentar esclarecer algumas dúvidas da população sobre URV, salário mínimo, investimentos e contratos.
A partir da publicação da Medida Provisória que criou a URV, em 28 de fevereiro, os principais telejornais da emissora procuraram, com suas reportagens e entrevistas, explicar como funcionaria, na prática, aquele novo plano que prometia conter a inflação e estabilizar a economia do país. Reportagens também mostravam os abusos cometidos pelo comércio na hora de fazer a conversão dos preços em URV.
O repórter Heraldo Pereira comenta a importância que o jornalismo da Globo teve no processo de implantação do Plano Real: “Na verdade, o Plano Real nasceu com a URV. E explicar na televisão o que era URV, que ia ser o embrião do Plano Real, não era uma tarefa fácil. A URV era uma referência, uma sigla e o país conviveu meses com essa referência, que ia se transformando. Nisso, a Globo teve um papel fundamental. Através de todos os seus telejornais, especialmente o Jornal Nacional, a população brasileira aprendeu a conviver com uma moeda que, de fato, não existia e que nunca existiu, que era a URV. E foi assim até que o real foi implantado de fato.”
O real entra em circulação
Em 1º de julho de 1994, primeiro dia de circulação do real, o 'Jornal Nacional' apresentou reportagens mostrando o impacto da nova moeda nos grandes centros urbanos. Em Brasília, Ana Paula Padrão informou que, na hora de converter o valor dos produtos para o real, diversos estabelecimentos aproveitaram para aumentar os preços. Ricardo Von Dorff, de Porto Alegre, mostrou as semelhanças entre as moedas antigas e as novas e alertou a população para possíveis confusões.
O 'Globo Repórter' daquela sexta-feira foi todo dedicado ao novo plano econômico. O programa abriu espaço para que os telespectadores tirassem suas dúvidas. No estúdio em Brasília, o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, e o presidente do Banco Central, Pedro Malan, responderam, ao vivo, a perguntas da população, feitas através de ligações gratuitas para um telefone que a Rede Globo disponibilizou.
Nas semanas seguintes, o 'JN' continuou dando destaque à adaptação da economia e da população brasileiras à nova moeda. O grande desafio das reportagens, segundo César Tralli, era traduzir o “economês” e as inúmeras equações matemáticas para uma linguagem mais simples. “Era uma dificuldade. Eu tinha um conhecimento muito pequeno sobre economia, mas sempre me preocupei em usar uma linguagem que todo mundo entendesse. Fiz muita matéria tentando explicar para as pessoas como era a questão do Plano Real, aquela conversão de moedas, URV para real. Eu ia aos supermercados, transformava aquilo em quilos de melancia, pegava pacote de feijão, de arroz”, conta Tralli.
Aquele era um ano de eleições presidenciais, e Fernando Henrique Cardoso, ex-ministro da Fazenda e um dos criadores do Plano Real, era candidato pela coligação PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira) – PFL (Partido da Frente Liberal). Em função disso, o plano econômico do governo se tornou ponto principal dos debates eleitorais. Em pouco tempo, as pesquisas de opinião começaram a registrar o crescimento da candidatura de FHC.
Reportagens sobre o impacto da nova moeda nos centros urbanos, Jornal Nacional, 01/07/1994.
O ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, e o presidente do Banco Central, Pedro Malan, respondem, ao vivo, a perguntas da população, Globo Repórter, 01/07/1994.
O caso das antenas parabólicas
Em 1º de setembro, Rubens Ricupero – que, em abril, substituíra Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda – gravaria uma entrevista como o jornalista Carlos Monforte para ir ao ar no 'Jornal da Globo'. Enquanto esperavam o início das gravações, uma conversa informal entre os dois foi captada acidentalmente por algumas antenas parabólicas domésticas, que estavam na mesma frequência do sinal emitido via satélite pela Embratel. O incidente teve grandes repercussões, pois Ricupero admitiu usar eleitoralmente os indicadores econômicos positivos do governo em favor do candidato do PSDB. Entre outras afirmações, disse não ter escrúpulos de esconder o que era ruim e divulgar o que era bom. O ministro chegou a citar a TV Globo, alegando que ele, Rubens Ricupero, era um “achado” para a emissora, que em vez do “apoio ostensivo” à candidatura FHC podia colocá-lo nos seus telejornais, numa espécie de apoio indireto.
No dia seguinte, a Rede Globo divulgou uma nota sobre o comentário do ministro, afirmando que não apoiava qualquer dos candidatos e que fazia uma cobertura isenta da campanha eleitoral.
Carlos Monforte comenta o episódio: “O ministro tinha dado entrevistas desde as sete da manhã sobre o Plano Real, do Bom Dia até o Jornal da Globo, isso falando em termos de Rede Globo, fora as rádios e jornais que o entrevistaram todo dia. No Jornal Nacional, ele conversou ao vivo com Ana Paula Padrão. Quando acabou o telejornal desligaram-se as câmeras e as luzes. Estávamos na sala de reuniões do Ministério da Fazenda. Nós íamos gravar uma entrevista para o Jornal da Globo. Lillian Witte Fibe, editora e apresentadora do telejornal, estava em São Paulo, e nós íamos entrar ao vivo. Mas tinha um problema de som: o técnico passava para lá e para cá. Então, o ministro começou a falar sem parar, e eu querendo anotar o roteiro, as perguntas que iria fazer na entrevista com ele. De repente, depois de 20 minutos de conversa, Alexandre Garcia liga para o meu celular: ‘O que é que vocês estão falando aí?’ ‘Eu não estou falando nada’, respondi. ‘Estão ligando para cá, porque o ministro está falando mal do governo etc.’, disse ele. E, aí, eu falei para o Ricupero: ‘Olha, é melhor ficar quieto, porque estão ouvindo o que você está falando.’”
Reportagens de Alexandre Garcia e Marcelo Canellas sobre a demissão do ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, um dos responsáveis pelo Plano Real, Jornal Nacional, 03/09/1994.
Carlos Monforte conta que o episódio marcou sua vida profissional: “Nos dois dias seguintes, eu não dormi de tão preocupado. Embora eu tenha a consciência tranquila, tenha absoluta certeza de que eu não feri a ética profissional, não procurei atrapalhar a vida do ministro, nem provocar nenhum tipo de celeuma dentro do processo eleitoral, nem prejudicar a emissora – a história me marcou.”
O incidente resultou em um pedido público de desculpas de Ricupero e, posteriormente, no seu pedido de demissão, como informou o 'Jornal Nacional' de 3 de setembro. Para substituí-lo, o presidente Itamar Franco chamou o então governador do Ceará, Ciro Gomes. Por causa do episódio, partidos de oposição chegaram a pedir a impugnação da candidatura de FHC, alegando que Rubens Ricupero teria deixado claro que o governo federal estava ajudando o candidato do PSDB-PFL. O fato, no entanto, não prejudicou Fernando Henrique, que venceu as eleições ainda no primeiro turno.
SAIBA MAIS
No dia em que o Plano Real completou 30 anos, o G1 lançou o podcast 'O Último Plano', que dá um panorama sobre as condições que levaram o país a implementar o real como moeda. Em quatro episódios, confira o contexto histórico e os atores políticos responsáveis pela medida econômica. Para ouvir CLIQUE AQUI.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Alexandre Garcia (17/02/2004), Carlos Monforte(14/06/2002), César Tralli (22/04/2010, 29/04/2010 e 06/05/2010), Heraldo Pereira (16/02/2004); MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional: a notícia faz história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004; Fantástico, 27/02/1994; Globo Repórter, 01/07/1994; Jornal Nacional, 28/02/1994, 01/07/1994, 03/09/1994. |