A pandemia de Covid-19, que teve seus piores momentos entre 2020 e 2021, pode ser considerada um dos maiores desafios para o jornalismo da Globo em toda sua história, pela complexidade da cobertura e pela preocupação com a própria equipe, diante de tantas restrições. O desafio era global, mas no Brasil ainda se somava a uma crise política que agravava a tragédia sanitária, uma vez que o governo federal defendeu, ao longo dos períodos mais graves, práticas que iam na contramão do que a ciência recomendava. Para completar, o tempo de grade dedicado ao jornalismo aumentou, tanto pela necessidade de informar a população como pelo fato de que algumas atrações do entretenimento foram adiadas ou interrompidas.
O início da história, entretanto, se deu um pouco antes, ainda em 2019, tanto que, meses depois, a doença acabou recebendo o nome de Covid-19. Em 31 de dezembro daquele ano, a China enviou um alerta à Organização Mundial de Saúde (OMS) relatando uma pneumonia de causa desconhecida. Os casos foram identificados na cidade de Wuhan, ainda sem mortes. No dia 9 de janeiro de 2020, enquanto a OMS anunciava que se tratava de um novo vírus, da família corona, os chineses lamentavam a primeira morte no país. Como ainda não havia nome para a doença, as notícias tratavam de uma "misteriosa pneumonia viral", como esta do g1, do dia 11.
No dia 19 de janeiro, o 'Fantástico' mencionou o tema pela primeira vez, em uma rápida reportagem, citando 62 casos e duas mortes na China. Observou também que aeroportos, estações de trem e rodoviárias da Ásia começaram a ser monitorados. O diretor do programa Bruno Bernardes relembrou esses primeiros momentos em seu depoimento ao Memória Globo: “Em janeiro de 2020, estávamos fechando um programa, e a Isabella Guberman, do ‘Jornal Nacional’, falou assim: ‘Tem uma notinha aqui de um vírus na China que está preocupando, tem algumas mortes e tal’. ‘É, vamos fazer uma notinha de 30 segundos’. E aí, semana a semana, aquilo foi crescendo, crescendo.”
Autoridades de Saúde da China correm para conter o surto de novo vírus. Fantástico, 19/01/2020
Ainda naquele mês, no dia 22, a cidade de Wuhan foi isolada, e a China já tinha 17 mortes. Oito dias depois, o país inteiro entrou em quarentena, ligando o alerta no mundo.
Chega a 17 o número de mortes por coronavírus na China. Jornal GloboNews, 22/01/2020
O 'Bem Estar' tratou do novo coronavírus no dia 23 de janeiro.
Coronavírus: infectologista explica o que é o vírus, sintomas e prevenção. Bem Estar, 23/01/2020
O 'Fantástico' voltou ao tema no dia 26 de janeiro, dessa vez com uma reportagem maior, que mostrou a situação em Wuhan. Foram usados vídeos enviados por brasileiros que moravam na cidade, já em quarentena. Dos Estados Unidos, Sandra Coutinho conversou com especialistas. Carlos Gil, correspondente em Tóquio, falou sobre o hábito dos japoneses de usar máscara, o que poderia diminuir as chances de contágio. O correspondente informou que, naquele dia, o Ministério da Saúde chinês divulgara que o novo coronavírus poderia ser transmitido antes mesmo que uma pessoa contaminada apresentasse sintomas, o que tornava o combate à doença ainda mais difícil.
No fim de janeiro, o assunto passou a ganhar cada vez mais destaque no noticiário, sobretudo no g1 e na GloboNews. O novo coronavírus se espalhou rapidamente pelo mundo, impactou a bolsa de valores, fez voos serem cancelados e, em um efeito cascata, começou também a afetar indústria e serviços.
British Airways cancela todos os voos entre Reino Unido e China. GloboNews em Ponto, 29/01/2020
Hollywood prevê queda de 10% da bilheteria mundial por causa do coronavírus na China. Estúdio i, 28/01/2020
João Borges e Carlos Alberto Sardenberg falam do impacto do coronavírus no mercado mundial. Jornal das Dez, 28/01/2020
A partir de fevereiro, o 'Fantástico' passou a dedicar um tempo cada vez maior à doença. No dia 2, com reportagens diversas: sobre a situação dos brasileiros em Wuhan (eles acabariam retirados do país alguns dias depois, como o próprio programa registrou); os primeiros estudos para produção de vacinas; uma matéria especial de Drauzio Varella, que mostrou como as autoridades brasileiras se preparavam para a chegada do vírus; além das principais medidas higiênicas para evitar o contágio, como evitar tocar o rosto, lavar bem as mãos e usar álcool gel.
Governo brasileiro anuncia que vai retirar brasileiros que queiram sair de Wuhan. Fantástico, 02/02/2020
Primeiro caso registrado no Brasil
Fevereiro também ficaria marcado pela divulgação do nome da doença -- Covid-19 --, pela propagação na Europa (com a primeira morte no dia 15, na França) e pelo primeiro caso registrado no Brasil, em 25/2, de um homem internado em São Paulo. Na mesma época, a OMS alertou que já havia mais casos no resto do mundo do que na China.
Exame preliminar identifica primeiro caso do novo coronavírus no Brasil. Jornal Nacional, 25/02/2020
Análise: as repercussões do primeiro caso de coronavírus no Brasil. Jornal das Dez, 26/02/2020
Pela primeira vez, OMS registra mais novos casos de coronavírus fora da China que no país. Jornal Hoje, 26/02/2020
De epidemia para pandemia
Entre fevereiro e março, uma escalada global de casos resultou em mudanças rápidas no status divulgado pela Organização Mundial de Saúde:
- 28/02 – OMS declara a situação como de epidemia internacional.
- 09/03 – OMS declara coronavírus como epidemia internacional com características desiguais globalmente.
- 11/3 – OMS declara que se trata de uma pandemia. E orienta aos países que adotem medidas de isolamento.
OMS classifica situação do novo coronavírus como pandemia. Jornal Nacional, 11/03/2020
Um dia antes de o mundo receber a informação oficial de que enfrentava uma pandemia, a Itália se fechou de maneira radical, para evitar uma escalada além das 400 mortes que já contabilizavam.
Itália vive 1º dia de total isolamento para tentar conter epidemia do coronavírus. Bom Dia Brasil, 10/03/2020
Também no dia 10 de março, o então presidente Jair Bolsonaro estava em um evento em Miami, nos Estados Unidos. Lá, afirmou que a "questão do coronavírus" não era "isso tudo" e se tratava muito mais de uma "fantasia" propagada pela mídia no mundo todo. Naquele momento, havia mais de 900 casos suspeitos no país, e parte da comitiva presidencial voltou contaminada da viagem.
Nos EUA, Bolsonaro diz que situação do coronavírus é fantasiosa. Estúdio i, 10/03/2020
Brasil tem 930 casos suspeitos do novo coronavírus. Hora 1, 10/03/2020
Poucos dias depois, o Brasil registraria a primeira morte pela doença. Na época, foi divulgado que ela aconteceu em 16 de março, em São Paulo. Em junho, entretanto, o Ministério da Saúde afirmou, após confirmação de exames laboratoriais, que a primeira vida foi perdida no país quatro dias antes (12/3).
No dia 15, a GloboNews anunciou que, ao longo das duas semanas seguintes, ficaria com o canal aberto para não assinantes poderem acompanhar os desdobramentos da pandemia.
No dia 16 de março, estados como o Rio de Janeiro e São Paulo determinaram fechamento de escolas e restrição a aglomerações.
Covid-19: Rio de Janeiro registra primeiro caso grave da doença. Bom Dia Brasil, 16/03/2020
Países vizinhos do Brasil limitam viagens devido a Covid-19. Jornal Hoje, 16/03/2020
Mais tempo para o jornalismo
Também no dia 16, viria o anúncio de mudanças na produção de conteúdo e na programação da própria Globo e da GloboNews. As gravações de novelas e programas de variedades foram paralisadas sem prazo determinado para volta.
Em comunicado divulgado naquele dia, a emissora explicou: "As novelas tiveram suas gravações paralisadas no Brasil, o que vai comprometer suas exibições. Algumas terão seus finais antecipados e outras terão que ser interrompidas mesmo. Por que faremos isso? Porque evitar o contato físico é fundamental na estratégia da sociedade para conter a expansão do vírus. E não há novelas sem abraços, apertos de mãos, beijos, festas, cenas de briga, cenas de amor, cenas de carinho, tudo aquilo que reflete a vida real, mas que, hoje, não pode ser encenado em segurança. Interrompendo as gravações, protegemos nossos talentos e, ao mesmo tempo, a sociedade: evitando o contágio aqui, evitamos que ele se espalhe lá fora. O nosso primeiro compromisso é com a saúde de nossos colaboradores e do público."
O gshow também noticiou a mudança: "No caso da TV aberta, que chega a quase 200 milhões de brasileiros, a Globo vai aumentar muito a presença do jornalismo, chegando a 11 horas de programação ao vivo consecutivas, das 4h da manhã às 3h da tarde. Com isso, alguns programas terão a sua exibição suspensa".
Mesmo programas jornalísticos como o 'Profissão Repórter', liderado pelo veterano Caco Barcellos, foram suspensos -- o que não impediu que a jovem equipe do programa produzisse para outros telejornais da casa. O 'Globo Esporte', por sua vez, virou temporariamente quadro nos jornais locais, como o 'SPTV1'. No lugar das telenovelas interrompidas, foram colocadas no ar reprises de sucessos antigos.
Programa 'Combate ao Coronavírus'
O aumento da grade do jornalismo teve como marco a criação do programa 'Combate ao Coronavírus', que estreou em 17 de março, nas manhãs da Globo. Apresentado por Márcio Gomes, de São Paulo, o produto contava com a participação diária de dois especialistas para tirar dúvidas, além de trazer repórteres de todo o Brasil para dar dados, estatísticas e orientações sobre o avanço da doença.
Nessa configuração, o 'Hora 1' emendava com o jornal local de cada região, seguido pelo 'Bom Dia Brasil', que antecedia o 'Combate'. O novo programa ocupou cerca de 1h40 da programação por um mês. A partir de 20 de abril até 22 de maio, último dia do programa, durou cerca de 40 minutos. Os programas de variedade foram retornando à programação aos poucos, e no começo, sem a presença de plateia: o 'Encontro com Fátima Bernardes' voltou já em 20 de abril, enquanto o 'Mais Você', com Ana Maria Braga, retornou em outubro de 2020. As novelas voltaram a ser gravadas em 10 de agosto – ‘Amor de Mãe’ voltou ao ar em 1 de março de 2021.
Prefeitura de São Paulo publica decreto de emergência para enfrentar coronavírus. Combate ao Coronavírus, 17/03/2020
Em seu depoimento de 2023 ao Memória Globo, o então diretor executivo de Jornalismo (em janeiro de 2024, diretor-geral de Jornalismo) Ricardo Villela relembrou a gênese do programa 'Combate ao Coronavírus':
Os telejornais também passaram a ocupar mais tempo na programação. O 'Fantástico' passou de 120 para 150 minutos. O 'Jornal Nacional' e o 'Jornal da Globo', por exemplo, foram de 30 para 50 minutos.
Muito empenhado em divulgar as informações necessárias ao longo da pandemia, o jornalismo da Globo também fez editoriais, eventualmente, como o que William Bonner e Renata Vasconcellos narraram no dia 23 de março:
"O porquê desta pausa no 'JN': a gente também precisa respirar. A gente precisa entender que essa crise vai ter altos e baixos, vai exigir sacrifícios, mas, no fim, o Brasil e o mundo vão superar."
William Bonner e Renata pedem calma em editorial. Jornal Nacional, 23/03/2020
Em depoimento ao Memória Globo, Ali Kamel lembrou como o texto foi criado:
No dia 24 de março, o Japão anunciou que os Jogos Olímpicos de Tóquio seriam adiados para o verão de 2021.
Olimpíada de Tóquio é adiada para 2021. Combate ao Coronavírus, 24/03/2020
Em depoimento virtual gravado para o Memória Globo na época da pandemia, o correspondente Carlos Gil contou como foi: "A situação realmente se deteriorou mundialmente ali no mês de março e no dia 24 de março veio essa notícia inédita de um adiamento de Jogos Olímpicos. Olimpíada já tinha tido edições canceladas por causa das Guerras Mundiais, da primeira e da segunda, mas nunca havia sido declarado um adiamento".
Crise política
O descompasso entre as medidas sanitárias determinadas pelos especialistas em ciência e o discurso do governo federal acabou se mostrando cada vez maior. No dia 15 de março, o presidente Jair Bolsonaro cumprimentou apoiadores que se aglomeravam em Brasília com beijos, abraços e apertos de mão. No dia 18, assumiu que a situação era grave, mas criticou o que chamou de "histeria". Em 24, ele fez um pronunciamento em TV aberta pedindo "volta à normalidade".
Bolsonaro descumpre monitoramento por coronavírus e cumprimenta apoiadores em Brasília. Fantástico, 15/03/2020
Bolsonaro sobre coronavírus: ‘É grave, mas não podemos entrar no campo da histeria’. Estúdio i, 18/03/2020
Bolsonaro contraria especialistas e autoridades e pede fim do ‘confinamento em massa’. Jornal Nacional, 24/03/2020
No começo de abril, as máscaras, que não eram recomendadas oficialmente para a população até aquele momento, passaram a ser consideradas elemento essencial de política de saúde pública.
Coronavírus: Ministério da Saúde prepara recomendação para ampliar o uso de máscaras. G1 Política, 31/03/2020
Os conflitos entre o então ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o presidente Jair Bolsonaro acabaram resultando na demissão do primeiro em 16 de abril. Quatro dias antes, o político havia dado uma entrevista exclusiva ao 'Fantástico', em que falou: "O brasileiro não sabe se escuta o ministro ou o presidente".
Exclusivo: 'brasileiro não sabe se escuta o ministro ou o presidente', diz Mandetta. Fantástico, 12/04/2020
As rusgas entre os dois foram ficando cada vez mais claras a partir de meados de março, já que Mandetta queria acatar as determinações da OMS, como o estímulo ao isolamento social, enquanto Bolsonaro dava declarações no sentido contrário. Apesar de ter refutado rumores de saída na véspera, em uma coletiva de imprensa, o ministro acabou assumindo que seria substituído no dia 16. O novo ministro anunciado foi Nelson Teich.
Bolsonaro demite Mandetta do Ministério da Saúde: 'Foi um divórcio consensual'. Jornal Nacional, 16/04/2020
No dia 20 de abril, ao ser questionado por um jornalista sobre as mortes por Covid, no 'cercadinho' do Palácio da Alvorada, onde dava entrevistas e recebia apoiadores, Bolsonaro respondeu: 'Eu não sou coveiro'.
'Não sou coveiro, tá?', diz Bolsonaro ao ser questionado sobre mortes por coronavírus. G1 Política, 20/04/2020
O cenário internacional também não estava imune a conflitos políticos. No dia 15 de abril, o presidente norte-americano Donald Trump anunciou que suspenderia a verba do país para a OMS.
Trump suspende verba para a OMS. Jornal Hoje, 15/04/2020
Auxílio emergencial
Abril também foi o mês que marcou o início do auxílio emergencial dado pelo governo federal para atenuar os impactos econômicos provocados pela pandemia.
Análise: as medidas anunciadas pelo governo e o que ainda pode ser feito. GloboNews em Ponto, 02/04/2020
Começou com o valor de R$ 600 para um grupo específico da população, e foi diminuindo de valor com o tempo. Foram duas etapas: nove parcelas em 2020 e sete em 2021, num total de R$ 359 bilhões distribuídos.
O marco das 10 mil mortes
No dia 4 de maio, os jornalistas da Globo passaram a aparecer sempre de máscara ao fazerem passagens nas ruas.
No dia 9, o Brasil chegou aos 10 mil mortos por conta da doença. O marco foi tema de reportagens em todos os telejornais da TV Globo e da GloboNews. Mas a ênfase foi humanizar o momento, buscando chamar atenção para as histórias por trás dos números. Em parceria com o projeto 'Inumeráveis', que estava construindo um mosaico com nomes e descrições de vítimas do vírus, o jornal O Globo fez uma capa impactante no dia 10 de maio.
O 'Fantástico' também passou a exibir a partir de 10 de maio, quando o país chegou rapidamente a 11 mil mortos, o quadro 'Inumeráveis', com pílulas ao longo do programa. A partir de depoimentos colhidos no site inumeraveis.com.br, o elenco da Globo contava as histórias das vítimas, com objetivo de dar face à tragédia. O quadro ficou no ar até setembro de 2020.
Brasil ultrapassa 11 mil mortos por Covid-19; 'Fantástico' faz homenagem. Fantástico, 10/05/2020
No dia 15 de maio, Nelson Teich, ministro da saúde desde 17 de abril, pediu demissão, dando continuidade à crise política que envolvia a pandemia. O atrito se deu pelo fato de o médico discordar dos posicionamentos de Bolsonaro em relação à cloroquina, remédio que foi testado como uma das opções para curar a covid, sem sucesso, mas também pelas divergências em relação ao processo de "desconfinamento". O plano proposto pelo Ministério da Saúde foi visto como pouco audacioso pelo governo. Teich foi avisado pela imprensa, em uma entrevista dias antes, de que o presidente havia aumentado a lista de serviços essenciais permitidos, como barbeiros e salões de beleza.
Boletim JH: Nelson Teich deixa o Ministério da Saúde. Jornal Hoje, 15/05/2020
Após saída de Teich, governo diz que vai mudar orientação sobre cloroquina. Jornal da Globo, 16/05/2020
Com a saída de Teich, o país passa 20 dias sem ministro da Saúde. Ao menos não oficialmente. A rigor na função desde o desligamento do médico, o general Pazuello se tornou ministro interino, de acordo com o Diário Oficial, apenas em 3 de junho. "É difícil fazer pesquisa, mas deve ser o único país do planeta Terra que enfrenta uma pandemia sem ministro da Saúde", comentou Octavio Guedes na GloboNews. O militar só seria nomeado como titular no cargo em 17 de setembro.
Governo oficializa Pazuello como ministro interino da Saúde. Jornal GloboNews, 03/06/2020
Ainda como interino, Pazuello mostrou que estava alinhado com as determinações do presidente. O dia 5 de junho de 2020 foi o terceiro consecutivo em que o Ministério da Saúde atrasou a divulgação do número de mortes por coronavírus. Em geral era à tarde, depois as 19h, e, a partir dali, perto das 22h. Além disso, os dados de casos novos e mortes ficaram mais escondidos nos balanços.
Ministério da Saúde atrasa divulgação do número de mortes por coronavírus e gera críticas. Jornal Nacional, 05/06/2020
Criação de consórcio da imprensa
O atraso na divulgação dos dados não impediu sua divulgação. "O que que a gente fez? A gente, assim que divulgavam, a gente dava um plantão na novela, não era no break, era interrompendo a novela mesmo", contou Ali Kamel. "Aí o governo dobrou a aposta e passou a sonegar informações, não dava o número de mortos, mudou a metodologia de um dia para o outro."
Plantão: Brasil tem 904 mortes por Covid em 24 horas, segundo ministério. 06/06/2020
No dia 6 de junho, o 'Jornal da Globo' mostrou que, no cercadinho do Palácio da Alvorada, Bolsonaro falou "Acabou matéria do 'Jornal Nacional'", deixando claro que o atraso nos dados tinha como objetivo dificultar o trabalho da imprensa.
"Acabou matéria do 'Jornal Nacional'", diz Bolsonaro sobre atrasos na divulgação de dados. Jornal da Globo, 06/06/2020
Em seguida, Jair Bolsonaro criticou o jornalismo da Globo e acrescentou: "Ninguém tem que correr para atender a Globo". Sobre a declaração, a Globo divulgou a seguinte nota:
"O público saberá julgar se o governo agia certo antes ou se age certo agora. Saberá se age por motivação técnica, como alega, ou se age movido por propósitos que não pode confessar mais claramente. Os espectadores da Globo podem ter certeza de uma coisa: serão informados sobre os números tão logo sejam anunciados porque o jornalismo da Globo corre sempre para atender o seu público."
Ministério da Saúde vai fazer nova mudança na divulgação dos dados de Covid-19. Jornal Hoje, 08/06/2020
No dia 8 de junho, veio a reação. G1, O Globo, Extra, Estadão, Folha e UOL anunciaram a formação de um consórcio para recolher e consolidar dados das secretarias estaduais de saúde e passar para a população.
Em 2021, o consórcio levou o prêmio da Associação Nacional de Jornais (ANJ) para iniciativas de enfrentamento à pandemia, junto com o Projeto Comprova.
Concorrendo ao Emmy
No dia 14 de junho, o 'Fantástico' exibiu uma reportagem realizada por parte da equipe do 'Profissão Repórter'. A pedido dela, a equipe médica do Hospital Geral de Vila Penteado, referência do tratamento de Covid-19 em São Paulo, registrou imagens de sua rotina por cinco dias, já que ninguém fora do staff e do grupo de pacientes podia entrar no local. Os médicos usaram uma câmera Gopro acoplada, sob acompanhamento, do lado de fora, de Danielle Zampollo e, remotamente, Caco Barcellos. A reportagem foi indicada ao Emmy Internacional de Jornalismo em 2021.
Imagens mostram a luta de uma equipe para salvar pacientes em estado grave com Covid-19. Fantástico, 14/06/2020
Ali Kamel lembrou, em depoimento ao Memória Globo, que partiu dele a determinação de cautela nas pautas, a despeito do desejo de alguns repórteres em se arriscar mais. "Tinha sempre um repórter que queria entrar dentro da UTI... O Emmy a gente perdeu para uma emissora inglesa porque o cara vestiu aquela roupa de astronauta e entrou dentro de uma UTI na Itália. Eu proibi isso. Qual o direito que eu tenho de botar um repórter entrando numa UTI?".
No dia 20 de junho, quando o Brasil chegou à triste marca de 50 mil mortos, o 'Jornal Nacional' teve uma edição histórica, com William Bonner e Renata Vasconcellos narrando um editorial em homenagem às vítimas. Um trecho:
"Tudo isso vai passar. Quando passar, é a História, com H maiúsculo, que vai contar para as gerações futuras o que de fato aconteceu. A História vai registrar o trabalho valoroso de todos aqueles que fizeram de tudo para combater a pandemia, os profissionais de saúde em primeiro lugar. Mas a história vai registrar também os que foram negligentes, os que foram desrespeitosos. A História atribui glória, e atribui desonra, e História fica para sempre.”
50 mil mortos: diante de uma tragédia como esta, uma nação para, ao menos um instante. Jornal Nacional, 20/06/2020
Em 30 de junho, o então governador do Amazonas, Wilson Lima, foi alvo de operação da PF sobre suspeita de desvio na compra de respiradores. Uma crise que iria explodir no começo de 2021, quando o sistema de saúde entrou em colapso com a falta de cilindros de oxigênio nos hospitais (veja mais à frente).
Governador do Amazonas é alvo de operação que investiga fraudes na compra de respiradores. Jornal Nacional, 30/06/2020
Na escalada de mortes, no dia 9 de agosto, o Brasil chegou à marca dos 100 mil.
100 mil mortes por Covid-19: Congresso e STF decretam luto. Jornal GloboNews, 09/08/2020
Na ocasião, o g1 fez um especial destrinchando o perfil dos mortos brasileiros. Até ali, já haviam sido registradas mortes em 3.692 dos 5.570 municípios, ou 66% do total.
Apesar de todas as dificuldades, houve também muitas reportagens sobre a retomada gradual de rotinas, e experimentos audaciosos e acompanhados de perto por especialistas. O 'Esporte Espetacular' mostrou em setembro de 2020, por exemplo, como a NBA, popular liga de basquete norte-americana, confinou times inteiros e equipes técnicas por meses em um resort em Orlando, para que a competição não fosse adiada naquele ano.
Os bastidores da bolha da NBA. Esporte Espetacular, 20/09/2020
Em dezembro, o jornalismo da Globo lançou no Globoplay um documentário a que se dedicou desde o início da pandemia: 'Cercados' mostra como a pandemia começou no Brasil e como a imprensa acompanhou sua evolução. O produto, dirigido por Caio Cavechini, acompanhou profissionais de veículos diversos, como agências de notícias, como a Reuters, jornais como Folha de S. Paulo, O Globo e Estadão, além de emissoras de rádio, como a BandNews FM. Foi indicado ao Emmy na categoria Melhor Documentário, em 2021.
Assista ao trailer do documentário Cercados. 03/12/2020
Ainda em dezembro, o 'Globo Repórter' fez uma reportagem especial sobre os brasileiros que conseguiram vencer a Covid-19.
Enfermeira que deu à luz entubada relembra emoção do encontro com a filha. Globo Repórter, 11/12/2020
O ano de 2020 acabou com a marca de 195 mil vidas perdidas no Brasil, por conta da Covid-19. No dia 31 de dezembro, exatamente um ano após o primeiro alerta da China à OMS em relação à doença, o 'Jornal Nacional' fez uma reportagem de balanço, com uma linha do tempo que mostrou o rápido avanço do vírus pelo Brasil.
Linha do tempo mostra avanço rápida da Covid no Brasil. Jornal Nacional, 31/12/2020
Colapso em Manaus
2021 chegaria com médias altas de contaminações e de mortes. No dia 7 de janeiro, o Brasil alcança o número de 200 mil mortos. O presidente Jair Bolsonaro se manifestou, na ocasião: "A vida continua, a gente lamenta profundamente".
Brasil ultrapassa 200 mil mortes por Covid. Jornal Nacional, 07/01/2021
E ainda no mês de janeiro a crise do oxigênio em Manaus acrescentou novas camadas de desespero à tragédia. A falta de cilindros fez muita gente morrer asfixiada, apesar de estar internada. Esta reportagem que foi ao ar no 'Bem Estar' fez um resumo da situação no dia 16 de janeiro:
Situação do sistema de saúde de Manaus é caótica. Bem Estar, 16/01/2021
No dia seguinte, todos os telejornais exibiram a notícia que tanto se esperava: o Brasil aplicava a vacina pela primeira vez, em uma enfermeira de São Paulo. Ela recebeu uma dose da CoronaVac.
Enfermeira de 54 anos é a primeira pessoa a receber vacina contra Covid no Brasil. Fantástico, 17/01/2021
O início da vacinação não se deu sem conflitos. Houve uma queda de braço de Jair Bolsonaro e o então governador de São Paulo, João Doria, amplamente coberta pela imprensa. Após desqualificar os fabricantes da CoronaVac em várias ocasiões, o presidente afirmou, tendo constatado a aprovação da Anvisa, que a vacina era do Brasil, "não de nenhum governador".
Após afirmar que não compraria a CoronaVac, Bolsonaro diz que a vacina 'é do Brasil, não é de nenhum governador'. Jornal Hoje, 18/01/2021
Dentre as várias ações dos negacionistas, uma das mais nocivas foi a disseminação da informação de que um "tratamento precoce" com cloroquina era eficaz para prevenir a doença. Desde o começo de 2021, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Pazuello defendiam o tratamento, apesar de não haver evidências científicas.
Bolsonaro volta a defender tratamento precoce contra Covid-19. Estúdio i, 18/01/2021
Médicos enfrentam a desinformação como uma dificuldade a mais na pandemia. Jornal Nacional, 05/02/2021
O 'Profissão Repórter' que abriu a temporada de 2021, em 23 de fevereiro, abordou justamente as duas situações emblemáticas de janeiro: a falta de oxigênio em Manaus e o início da vacinação, com CoronaVac.
Vacinação contra Covid no Brasil e crise em Manaus (2021). Profissão Repórter, 23/02/2021
Ao longo de 2021, o 'Profissão Repórter' realizou vários programas que tinham a Covid como tema principal ou pano de fundo. Desde como era feita a fiscalização de restrições na pandemia (13/04/2021) e a vida de quem dependia de auxílio emergencial (18/05/2021), até as preocupações com a saúde mental (27/04/2021) ou com o aumento da violência doméstica naquele período (20/07/2021).
No dia 16 de março de 2021, o quarto ministro da saúde desde o início da pandemia foi anunciado. Marcelo Queiroga, médico cardiologista.
Marcelo Queiroga é o novo Ministro da Saúde. Encontro com Fátima Bernardes, 16/03/2021
No dia 8 de abril, uma série documental começou a ser disponibilizada no Globoplay, com produção do jornalismo da Globo, sobre ‘A Corrida das Vacinas’. Dirigida pelo jornalista Álvaro Pereira Júnior, após mais de seis meses de produção, a série, que ficou disponível inclusive para não assinantes da plataforma, mostrou bastidores inéditos dos desafios científicos e da guerra política. “A gente fez o documentário tendo exata noção da dimensão histórica que ele tem", comentou Pereira Júnior na reportagem do ‘Jornal Nacional’ que apresentou o projeto.
Estreia no Globoplay a série documental ‘A Corrida das Vacinas’. Jornal Nacional, 08/04/2021
Aqueles meses foram de sucessão de recordes preocupantes. Em 10 de abril, o país ultrapassou 350 mil mortes, com média móvel de 3 mil óbitos por dia.
Brasil ultrapassa 350 mil mortes, com média móvel de 3 mil óbitos por dia. Jornal Nacional, 10/04/2021
CPI da Covid
No dia 27 de abril, o Senado instalou a CPI da Covid. O objetivo era apurar ações e omissões do governo federal e eventuais desvios de verbas enviadas aos estados para o enfrentamento da pandemia.
Senado instala CPI da Covid nesta terça. Hora 1, 27/04/2021
O relatório final da CPI sugeriu o indiciamento de 78 pessoas, incluindo Jair Bolsonaro, e duas empresas. Dentre as conclusões, as de que houve omissão do governo levou ao atraso de compra de vacinas, que faltou coordenação com governos estaduais e municipais, falhas no contrato de aquisição da vacina Covaxin e a falta de insumos vitais para indígenas em risco. Todos os detalhes foram reunidos neste especial do G1.
2022, a força de novas variantes
Os meses foram passando, a vacinação foi avançando e, naturalmente, com a diminuição de casos, as notícias sobre a Covid foram perdendo espaço no noticiário. Mas houve várias exceções, com ondas de contágio de novas variantes, muitas vezes mais transmissíveis e menos letais. No início de 2022, por exemplo, o mundo registrou inéditos 3 milhões de casos em um dia, em 11 de janeiro.
Mundo bate novo recorde e registra mais de 3 milhões de casos de Covid em 24h. Bom Dia Brasil, 11/01/2022
No dia 18 de janeiro, o 'Jornal Nacional' levou ao ar um balanço da situação do mundo após um ano de vacinação. A reportagem mostra os benefícios não só para a saúde, mas também para a economia.
Um ano após início da vacinação, benefícios vão além da saúde e chegam à economia. Jornal Nacional, 18/01/2021
A queda de braço entre governo federal e cientistas continuava, ainda que eventualmente. Em 22 de janeiro, por exemplo, o Ministério da Saúde voltava a questionar vacinas e apoiar medicamentos sem eficácia comprovada.
Ministério da Saúde contraria cientistas e a OMS, e diz que medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid funcionam, mas vacinas não. Jornal das Dez, 22/01/2022
2023, o fim dos trabalhos do consórcio de imprensa
O consórcio de imprensa responsável pela divulgação transparente de dados sobre a Covid-19 no Brasil encerrou suas atividades em 28 de janeiro de 2023. A decisão foi tomada quando os veículos chegaram à conclusão de que as informações divulgadas pelo governo federal voltaram a ser confiáveis. No anúncio da medida, um alerta: isso não significava que o Brasil estava livre da Covid-19. Ao longo dos dois anos e meio de atuação do consórcio, o país chegou à marca de mais de 696 mil mortes. Àquela altura, ainda havia uma média de 70 mortes diárias.
Consórcio de veículos de imprensa chega ao fim depois de cumprir missão de garantir transparência sobre o impacto da pandemia. Jornal Nacional, 28/01/2023
A Covid-19 segue viva, mas com boa parte da população vacinada em mais de duas doses, em 5 de maio de 2023 a OMS declarou o fim da emergência na saúde global da pandemia. Apesar de tirar o mundo do alerta máximo após pouco mais de três anos, seus dirigentes lembraram que a doença ainda subtraía, àquela altura, uma vida do planeta a cada 3 minutos. No total, foram 7 milhões de mortes relatadas pelos países, com grande chance de subnotificação. No Brasil, foram mais de 700 mil mortes até aquela data.
OMS decreta fim de emergência de saúde global da pandemia de Covid. Jornal Nacional, 05/05/2023
FONTES:
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Ali Kamel (19/12/2022), Ricardo Villela (25/09/2023), Márcio Gomes (19/06/2020), Bruno Bernardes (03/07/2023), Carlos Gil (15/06/2020). Sites: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/01/11/china-tem-1a-morte-por-misteriosa-pneumonia-viral.ghtml (acessado em 01/03/2024); https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/06/27/primeira-morte-por-coronavirus-no-brasil-aconteceu-em-12-de-marco-diz-ministerio-da-saude.ghtml (acessado em 01/03/2024); https://portal.comunique-se.com.br/globonews-abre-sinal-na-internet-e-escala-novos-comentaristas-no-estudio-i/ (acessado em 28/2/2024), https://gshow.globo.com/noticia/mudancas-na-globo-em-funcao-do-covid-19.ghtml (acessado em 28/2/2024); https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/03/23/uma-pausa-para-pedir-calma-e-dizer-juntos-vamos-derrotar-esse-virus.ghtml (acessado em 28/2/2024); https://g1.globo.com/economia/auxilio-emergencial/noticia/2021/11/19/auxilio-emergencial-calendario-do-beneficio-termina-com-liberacao-de-saques-da-ultima-parcela-a-nascidos-em-dezembro.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/09/16/em-ato-no-planalto-pazuello-e-efetivado-e-saude-passa-a-ter-ministro-titular-apos-4-meses.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/08/oab-pede-que-supremo-obrigue-governo-a-retomar-padrao-de-divulgacao-dos-dados-da-covid-19.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://especiais.g1.globo.com/bemestar/coronavirus/2020/100-mil-mortes-covid19/#/ (acessado em 27/2/2024); https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-telejornais/globo-reporter/programas/noticia/vencendo-a-covid.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-telejornais/profissao-reporter/noticia/temporada-2021.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/06/coronavirus-veja-a-cronologia-da-doenca-no-brasil.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/12/31/linha-do-tempo-mostra-avanco-rapida-da-covid-no-brasil.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil (acessado em 27/2/2024); https://g1.globo.com/saude/coronavirus/ (acessado em 27/2/2024); https://memoriaglobo.globo.com/exclusivo-memoria-globo/projetos-especiais/emmy/noticia/emmy-awards-conheca-todas-as-indicacoes-da-globo.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-telejornais/profissao-reporter/noticia/2020-sem-temporada-com-reportagens.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://memoriaglobo.globo.com/esporte/telejornais-e-programas/esporte-espetacular/reportagens/noticia/os-bastidores-da-bolha-da-nba-na-epoca-da-pandemia.ghtml (acessado em 27/2/2024); https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/jornalismo-e-telejornais/fantastico/reportagens/noticia/pandemia-de-covid-19.ghtml (acessado em 27/2/2024). |