Investigações 2018-2019

Os dois primeiros anos após o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes tiveram reviravoltas envolvendo a Polícia Civil, a Polícia Federal e o Ministério Público.

Por Memória Globo


'Quem matou? Quem mandou matar? Por quê?'

No dia 8 de maio de 2018, o 'Jornal Nacional' repercutiu uma matéria do jornal O Globo, revelando o depoimento de um homem que teria procurado a polícia em troca de proteção. Ele acusava o vereador Marcello Siciliano e o ex-policial militar Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, de participação nas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Reportagem de Bette Lucchese deu alguns dos pormenores informados pela testemunha, como datas, horários e locais de reuniões entre os dois. Orlando estava preso em Bangu, acusado de chefiar uma milícia, e teria ordenado a execução direto do presídio. Os encontros citados datariam de cerca de um ano antes do crime.

Testemunha envolve vereador no assassinato de Marielle, diz jornal. Jornal Nacional, 08/05/2018

Dois dias depois, Bette Lucchese repercutiu outra matéria do jornal O Globo para o 'JN', com novas declarações dadas pela mesma testemunha. Segundo ela, havia quatro homens no carro dos atiradores, todos policiais militares da milícia liderada por Orlando. Ele e o vereador negaram as acusações. No 'Jornal da Globo', Renata Lo Prete destacou a afirmação do então ministro da Segurança Pública, Raul Jugmann, de que o caso estaria perto de seu desfecho.

Embora detalhados, os depoimentos concedidos pela testemunha misteriosa tinham lacunas. O motivo do crime, o suposto crescimento da atuação social de Marielle em áreas de influência de Marcello Siciliano, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, não convencia os apoiadores e colegas da vereadora.

Mesmo que a polícia mantivesse silêncio sobre o caso e suas linhas de investigação, a Globo seguiu acompanhando a apuração a fundo desde o início. Uma longa reportagem de Bette Lucchese, Felipe Freire e Leslie Leitão para o g1 no dia 2 de junho amarrou o caso juntando as peças do que parecia um intrincado quebra-cabeças. A pergunta “quem matou Marielle e Anderson?” completava, então, 80 dias sem resposta.

Reconstituição

Uma etapa importante das investigações foi a reconstituição do crime, realizada pela Polícia Civil no dia 10 de maio, para confrontar o que diziam testemunhas com as provas técnicas. Os repórteres Paulo Renato Soares e Marina Araújo entraram ao vivo no 'Jornal Nacional' e no 'Jornal da Globo' dando informações sobre a preparação. Quatro ruas e o espaço aéreo foram interditados, e o local foi isolado com plásticos pretos para manter o sigilo. Quatro testemunhas que presenciaram o crime de diferentes partes da rua acompanharam a simulação feita com disparos de verdade. O objetivo era tentar identificar a arma usada nos assassinatos, 57 dias antes. A suspeita recaía sobre uma submetralhadora capaz de usar munição 9mm.

A reconstituição demorou mais de cinco horas. Terminou às 4h15 do dia 11, como informou ao vivo a repórter Nathalia Castro, para o 'Hora Um'. A primeira reportagem completa, de Flavia Jannuzzi, foi ao ar no 'RJ1'. Participou da reconstituição a única sobrevivente do crime, a assessora de Marielle que estava fora do Brasil desde abril.

Peritos usam pistola e submetralhadora na reconstituição das mortes de Marielle e Anderson. RJ1, 11/05/2018

Apesar do acesso restrito, o 'JN' conseguiu registrar a reconstituição de um ângulo exclusivo. A reportagem de Bette Lucchese mostrou a movimentação dos carros e alguns dos disparos. No dia 12, fontes ouvidas pelo telejornal afirmavam ter escutado as testemunhas confirmando os disparos feitos pela submetralhadora.

Trabalho da polícia envolveu 200 pessoas e durou quase 6 horas. Jornal Nacional, 11/05/2018.

Novas linhas de investigação

Em entrevista à repórter Bette Lucchese para o 'RJ2' de 9 de agosto, Marcelo Freixo falou sobre outras suspeitas relacionadas ao assassinato de Marielle e Anderson. Assim como o deputado, também o ministro da segurança pública deu declarações afirmando que o crime envolvia agentes do estado.

O deputado Marcelo Freixo, do Psol, cobra que a Divisão de Homicídios investigue políticos do MDB, envolvidos na Lava-Jato. RJ2, 09/08/2018

O caso teria relação com a Operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato que investigava os deputados estaduais do MDB no Rio de Janeiro Edson Albertassi, Paulo Melo e Jorge Picciani. Suspeitava-se, à época, que eles tramassem uma manobra para prejudicar a investigação, indicando Albertassi como conselheiro do Tribunal de Contas estadual, o que lhe daria foro privilegiado e beneficiaria todo o grupo. A oposição, liderada por Freixo, conseguiu impedir a indicação na Justiça, e os três deputados foram presos na ocasião.

No dia 20 de agosto, o 'RJ2' noticiou um possível envolvimento de um grupo de matadores de aluguel, conhecido como “escritório do crime”. Formado por ex-policiais e milicianos, o grupo era suspeito de participação em diversos homicídios na cidade. As hipóteses abririam novas linhas de investigação para o crime e fragilizavam as suspeitas de envolvimento do vereador Marcello Siciliano e Orlando de Curicica.

Polícia X polícia

Novembro começa com uma reviravolta, anunciada pelo 'RJ2' logo na escalada do dia 1°: “Duzentos e trinta e dois dias sem resposta para a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes. E agora a Polícia Federal também vai investigar o caso”.

Embora, desde fevereiro de 2018, a segurança pública do Estado do Rio de Janeiro estivesse sob intervenção federal, as investigações sobre o caso Marielle ficaram a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, que rejeitou a ajuda do governo federal. No dia 13 de agosto, o ministro da Segurança Pública ofereceu que a Polícia Federal assumisse as operações, o que foi divulgado pelo 'Bom Dia Rio' e pelo 'RJ1'.

O assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes completa 5 meses. Jornal Nacional, 14/08/2018.

No dia seguinte, uma reportagem de Bette Lucchese para o 'JN' explicou o imbróglio das responsabilidades sobre o caso. Uma semana depois, dia 21, o telejornal informou que, por iniciativa da nova promotora que assumiria o caso em setembro, o grupo de combate ao crime organizado do Ministério Público também daria apoio às operações.

A linha de investigação seguida pela polícia era a de crime político. Além da suspeita do envolvimento do vereador Marcello Siciliano e do miliciano Orlando de Curicica, havia também a hipótese da participação de deputados estaduais da cúpula do MDB. Uma terceira possibilidade recaía sobre um grupo de matadores de aluguel formado por milicianos.

A novidade que motivou a abertura do inquérito pela Polícia Federal naquele início de novembro foram novas suspeitas apontadas por dois depoimentos tomados no Rio Grande do Norte. A Globo apurou que um deles seria de Orlando, que fora transferido para o presídio federal de Mossoró, no interior do estado, em junho.

A abertura do inquérito não representava federalização do caso. Para a Procuradoria Geral da República, autora do pedido, era suspeito que um crime registrado por câmeras de segurança e visto por testemunhas ainda não tivesse sido elucidado, após tantos meses de apuração.

No dia 1° de novembro, o jornal O Globo divulgou uma entrevista com Orlando de Curicica, contando sua versão sobre os assassinatos da vereadora e do motorista. Ele acusou o delegado responsável pelo caso de coagi-lo a assumir o crime, em troca de “perdão judicial”. Uma organização criminosa envolvendo agentes públicos, milícia e contraventores estaria atuando para impedir a elucidação do homicídio. Até mesmo o chefe da Polícia Civil estaria recebendo dinheiro para obstruir as investigações, criando uma rede de proteção para os assassinos. Segundo ele, a organização visava, com a morte de Marielle, atingir o deputado federal Marcelo Freixo.

Plano de execução

Em dezembro, o setor de inteligência da Polícia Civil desmantelou um plano para executar Marcelo Freixo. O assassinato, planejado por milicianos da Zona Oeste, seria realizado durante uma agenda do parlamentar com professores da rede municipal, naquela semana. A notícia foi destaque em todos os telejornais no dia em que a morte de Marielle completou nove meses, no dia 14 de dezembro.

Globo notificada

Oito meses depois dos assassinatos de Marielle Franco e Anderson Gomes, a Globo teve acesso, com exclusividade, ao inquérito da Delegacia de Homicídios do Rio de Janeiro sobre o crime. O furo de reportagem de Leslie Leitão, Felipe Freire e Monica Teixeira foi destaque no 'Jornal Nacional'. As milhares de páginas do documento davam poucas repostas. Das duas testemunhas ouvidas pela polícia, nenhuma tinha visto o atirador. Os principais suspeitos continuavam a ser Marcello Siciliano e Orlando de Curicica. No entanto, assessores afirmavam que Marielle não tinha atuação forte na Zona Oeste do Rio de Janeiro, e nenhum dos depoentes apontava qualquer rivalidade entre os vereadores.

O vazamento das informações do inquérito levou a Globo a ser notificada pela justiça do Rio de Janeiro e impedida de divulgar qualquer detalhe sobre o andamento das investigações. Três dias depois, em 17 de novembro, os âncoras do 'RJ2' e do 'JN' leram a nota redigida pela emissora, que garantia o cumprimento da decisão judicial, embora a considerasse excessiva. A nota reiterava o respeito aos princípios editoriais que norteiam o jornalismo do Grupo Globo, pelos quais, sem a necessidade de nenhuma ordem judicial, evitava divulgar qualquer informação que pudesse colocar alguma investigação ou testemunha em risco.

Justiça proíbe TV Globo de divulgar conteúdo do inquérito que apura assassinatos de Marielle e Anderson. Jortnal Nacional, 17/11/2018.

Operações paralelas

A polícia do Rio cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do vereador Marcello Siciliano, nove meses depois da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, no dia 14 de dezembro de 2018. Os mandatos faziam parte de inquéritos paralelos que investigavam lavagem de dinheiro, grilagem de terras e crimes ambientais que poderiam ter relação com o assassinato da vereadora. A criação de inquéritos paralelos servia para seguir pistas, mantendo em sigilo a investigação principal.

Renato Nascimento dos Santos era motorista do miliciano Orlando Oliveira de Araújo. Orlando era suspeito de ser mandante da execução da vereadora. Jornal Nacional, 14/02/2018.

Siciliano foi espontaneamente à delegacia prestar depoimento, como noticiou o 'JN', e, no dia seguinte, convocou uma coletiva de imprensa para negar a participação no crime.

Quatro dias depois, em 18 de dezembro, Bette Lucchese entrou ao vivo de Maricá, no litoral do Estado do Rio de Janeiro, para o 'RJ1', informando a prisão de um miliciano ligado a Orlando de Curicica. Renato Nascimento Santos era suspeito de dirigir o carro usado no assassinato de Marielle, mas os mandados de prisão cumpridos no dia eram relacionados a outros homicídios.

Em 21 de fevereiro de 2019, a Polícia Federal esteve em oito endereços da cidade para apurar tentativas de obstrução das investigações. Entre os alvos, estavam um delegado e um ex-agente da própria Polícia Federal, um policial civil e um militar, além de um ex-deputado estadual.

Prisões de Lessa e Queiroz

A dois dias de a morte de Marielle Franco e Anderson Gomes completar um ano, a polícia prendeu dois suspeitos, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz. A operação, uma força-tarefa formada pela Polícia Civil e o Ministério Público, foi batizada de Lume, em referência ao Buraco do Lume, praça no centro da cidade, onde a vereadora desenvolvia o projeto Lume Feminista.

Presos dois suspeitos de envolvimento nas mortes de Marielle Franco e de Anderson Gomes. Hora Um, 12/03/2019.

As prisões aconteceram durante a madrugada, e Monalisa Perrone interrompeu o 'Hora Um', às 5h44, para a entrada de Paulo Renato Soares, ao vivo da porta do condomínio onde foi preso o policial militar aposentado Ronnie Lessa, apontando como o homem que atirou contra a vereadora. Minutos antes, às 5h38, o g1 já havia dado a notícia, em matéria assinada por Felipe Freire, Leslie Leitão, Marco Antônio Martins, Paulo Renato Soares e Henrique Coelho.

Paulo Renato Soares seguiu ao vivo para o 'Bom Dia Rio', que foi inteiramente dedicado ao caso. A investigação apurou que Lessa vinha pesquisando a vida e a rotina da vereadora desde outubro de 2017. Mas não apenas a dela. O policial também fez pesquisas sobre o deputado Marcelo Freixo e o então interventor federal responsável pela segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, general Braga Neto. E ainda sobre armas e munições, entre elas, a submetralhadora alemã MP5, atribuída ao crime.

O outro suspeito, policial militar expulso da corporação em 2015, Élcio Vieira de Queiroz, que teria dirigido o carro, foi preso na Zona Norte da cidade. Bette Lucchese entrou ao vivo da Delegacia de Homicídios. Outros 32 mandados de busca e apreensão estavam em execução, em diferentes pontos da cidade.

O programa 'Encontro com Fátima Bernardes' deixou de ser transmitido para dar espaço a uma edição especial do 'RJ1', que acompanhou ao vivo, com Bette Lucchese, a coletiva de imprensa organizada pelo então governador do estado, Wilson Witzel. O comentarista Fernando Veloso remontou o histórico das investigações e apontou a incompatibilidade do patrimônio de Ronnie Lessa, dono de uma mansão na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. A repórter Raquel Honorato, da Delegacia de Homicídios, deu novas informações sobre os outros mandatos.

O assunto seguiu em destaque nos outros telejornais do dia. Um arsenal com 117 fuzis e munições foi encontrado em um endereço ligado a Ronnie Lessa na Zona Norte, e celulares foram apreendidos em outros locais. Ele se preparava para fugir quando foi apreendido, e no seu carro foram encontrados mais de 60 mil reais em espécie. Ao longo do dia, os suspeitos foram denunciados por homicídio duplamente qualificado e uma tentativa de homicídio.

Durante a entrevista coletiva que durou a tarde inteira, os responsáveis pela investigação deram detalhes de como chegaram aos suspeitos. A investigação corria em silêncio de justiça há pelo menos três meses. A Globo teve acesso a trechos do inquérito da Polícia Federal, que revelou que a testemunha que acusou Orlando da Curicica e Marcelo Sicilliano, em maio, era uma fraude. A advogada do depoente admitiu que foi usada.

A operação Lume continuou no dia seguinte, 13 de março, com o cumprimento de novos mandatos de busca e apreensão. O terceiro bloco do 'Bom Dia Rio' foi inteiramente dedicado ao assunto, com divulgação de informações ao vivo. Uma reportagem de Danilo Vieira sobre a investigação contou que a pista que levou aos dois presos no dia anterior viera de uma denúncia anônima, feita em outubro. Nathalia Castro mostrou novas imagens divulgadas pela polícia. Na noite do crime, uma assessora de Marielle confundiu o carro dos assassinos com o que havia chamado pelo aplicativo de transporte e quase tentou entrar no veículo.

No 'RJ2', foi anunciada uma mudança no comando da operação. O delegado Giniton Lages foi afastado para um intercâmbio com a polícia italiana. O nome do novo delegado que comandaria a Divisão de Homicídios só foi divulgado no 'JN' de 19 de março. A posse de Daniel Rosa, responsável pela segunda parte das investigações, foi acompanhada de uma coletiva de imprensa no dia 25 de março, como noticiado no 'RJ1'.

O 'JN' daquele dia 13 confirmou que as armas apreendidas na operação – a maior apreensão desse armamento no Rio de Janeiro – pertenciam de fato a Ronnie Lessa, que seria investigado por tráfico de armas.

As prisões não foram o suficiente para esclarecer o caso. Como afirmaram os investigadores, elas resolveram parte do enigma, abrindo caminho para a segunda e mais importante etapa do caso: descobrir quem mandou matar Marielle Franco e o porquê.

Novos detalhes das investigações

A Globo seguiu dando destaque aos novos detalhes revelados nas investigações no restante daquela semana.

No dia em que o crime completou um ano, 14 de março, o 'JN' levou ao ar uma matéria de Paulo Renato Soares sobre a compra de um rastreador de carros por Ronnie Lessa. O equipamento teria sido usado para monitorar a rotina da vereadora. De acordo com a reportagem, a polícia descobriu que Élcio de Queiroz esteve nas imediações da casa de Lessa pouco depois das 17h do dia do crime. Antenas de telefonia pararam de captar os sinais dos celulares de ambos ao mesmo tempo, pouco depois desse horário. Os sinais só seriam recuperados após a morte da vereadora, às 22h11, quando Élcio teria saído do condomínio de Lessa em direção a um restaurante no mesmo bairro. Os celulares foram identificados novamente juntos no local às 23h18.

Reportagem de Bette Lucchese sobre as imagens que levaram à identificação de Ronnie Lessa. Fantástico, 17/03/2019.

O 'JN' teve acesso exclusivo a novos detalhes da investigação no dia 15. Ao analisar detidamente as imagens dos últimos minutos de Marielle, reproduzidas inúmeras vezes ao longo do ano, peritos notaram um leve solavanco no carro dos assassinos quando o veículo onde estava a vereadora se aproximou. Para os investigadores, o atirador teria se movimentado dentro do carro para tentar disparar contra Marielle. Outra imagem também obtida com exclusividade pela Globo revelou Lessa em uma agência bancária fazendo um depósito de 100 mil reais em espécie em sua própria conta, no dia 9 de outubro de 2018. Mais cedo, o 'Bom Dia Rio' havia noticiado a movimentação suspeita e o bloqueio das contas do acusado para garantir indenizações às famílias das vítimas.

Além das acusações de participação nas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz ficariam presos também pelo flagrante de posse de armas. Ao longo do dia 15, eles foram interrogados e transferidos para um presídio de segurança máxima.

No domingo, dia 17, uma reportagem de Bette Lucchese no 'Fantástico' levou ao ar imagens exclusivas de Ronnie Lessa em um estande de tiro, revelando as habilidades do policial reformado como atirador. Foram essas imagens que permitiram aos investigadores identificar Lessa dentro do carro que perseguiu Marielle e Anderson. Uma tatuagem em seu braço foi fundamental para traçar a compatibilidade.

Nomes revelados

A assessora de Marielle teve seu nome e rosto divulgados pela primeira vez em entrevista ao 'Fantástico' de 10 de março de 2019. A jornalista Fernanda Chaves falou à repórter Renata Ceribelli. Ela havia sido incluída pela Anistia Internacional no serviço de proteção a pessoas em situação de risco e passou meses escondida na Espanha e na Itália.

'Não tenho por que me esconder', diz assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado. Fantástico, 10/03/2019

No dia 12 de março, foi revelada a identidade da testemunha cujo depoimento foi divulgado em maio. Na ocasião, Rodrigo Jorge Ferreira, o Ferreirinha, chegou à Polícia Civil com o apoio de três delegados da Polícia Federal: Hélio Kristian, Lorenzo Martins Pompilio e Felício Laterça, então deputado federal do PSL.

Reviravolta

Depois de quase sete meses, finalmente chegou ao fim a investigação empreendida pela Polícia Federal sobre a Polícia Civil do Rio de Janeiro. Do 'Bom Dia Rio' ao 'Jornal Nacional', todos os telejornais do dia 23 de maio de 2019 noticiaram a conclusão do relatório, divulgada pela Folha de S. Paulo naquela manhã e confirmada pela Globo. O documento de 600 páginas foi entregue à então procuradora-geral da República, Raquel Dodge. Ele apontava que o policial militar Rodrigo Jorge Ferreira, conhecido como Ferreirinha, criou uma trama para atrapalhar as investigações, junto com Camila Nogueira, sua advogada. Reportagem de Bette Lucchese no 'Jornal Nacional', com detalhes sobre os resultados da investigação, revelou que agentes da Polícia Civil do Rio de Janeiro e da própria Polícia Federal haviam sido investigados.

PM tentou atrapalhar investigação da morte de Marielle e Anderson, diz PF. Jornal Nacional, 23/05/2019

Em março, a Globo já havia mostrado com exclusividade que, em depoimento à Polícia Federal, Camila afirmava desconfiar da versão de seu cliente. Ferreirinha, que chegou a ser considerado a principal testemunha do caso, acusou o miliciano Orlando de Curicica e o vereador Marcelo Siciliano como mandantes do crime. A notícia da prisão do policial abriu a escalada do 'RJ1' do dia 31 de maio. Com ele, foram presos outros dois investigados por participação no crime.

No dia 11 de junho, o 'RJ2' levou ao ar a notícia da prisão do delegado da Polícia Federal Lorenzo Martins Pompílio da Hora e do escrivão Everton da Costa Ribeiro em uma operação para desarticular uma organização criminosa que agia cobrando propina dentro da superintendência da PF. Lorenzo foi um dos investigadores que acompanharam Ferreirinha no depoimento relativo às mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.

Em agosto, a Globo foi indicada ao Emmy Internacional de jornalismo pela cobertura do caso no 'Jornal Nacional', no 'Jornal da Globo' e no 'Fantástico'.

No último dia de trabalho como procuradora-geral da República, Raquel Dodge fez uma nova denúncia. Reportagem de Júlio Mosquéra no 'JN' de 17 de setembro de 2019 revelou que a Procuradoria-Geral da República acusava o conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro, Domingos Brazão, e mais quatro pessoas ligadas a ele, de atuar para obstruir as investigações sobre as mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes. A suspeita era que Brazão tivesse ligações com Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz e que plantava policiais e milicianos como testemunhas falsas. Por ser conselheiro do Tribunal de Contas do Rio, Domingos Brazão tinha foro privilegiado, o que levaria à competência da investigação para o Superior Tribunal de Justiça.

Além disso, Dodge solicitou a federalização da investigação sobre o mandante do crime, criticando o que chamou de inércia para concluir a investigação. A votação no STJ só seria realizada em maio de 2020, e a demanda da ex-procuradora foi recusada por unanimidade.

Dodge denuncia irregularidades nas investigações do caso Marielle. Jornal Nacional, 17/09/2019

Armas ao mar

No 'Bom Dia Brasil' do dia 3 de julho de 2019, Eduardo Tchao falava em buscas no mar da Barra da Tijuca realizadas por mergulhadores da Polícia, da Marinha e dos Bombeiros. No dia anterior, o 'RJ2' levou ao ar com exclusividade os detalhes do depoimento de um barqueiro contratado dois dias depois da prisão de Ronnie Lessa, em 12 de março de 2019, para um passeio de pesca submarina às ilhas Tijuca. No lugar de material de pesca, no entanto, o homem levava em sua mala seis fuzis e algumas caixas, todos lançados ao mar.

Amigos de PM apontado como assassino de Marielle e Anderson jogaram armas ao mar. RJ2, 02/07/2019

No Rio, quatro suspeitos de atrapalhar investigações sobre Marielle são presos. Jornal Nacional, 03/10/2019.

No 'RJ2', Larissa Schmidt mostrou imagens da madrugada do dia 13 de março. Homens tentavam entrar em um apartamento ligado a Ronnie Lessa, se passando por policiais. Horas depois, um deles, Márcio Montavano, retornou ao local e saiu com uma caixa. De acordo com as investigações, ele transportava armas, que seriam jogadas ao mar dois dias depois por Josinaldo Freitas, conhecido como Djaca.

Márcio Mantovano, ou Marcio Gordo, e Djaca foram presos em uma operação no dia 3 de outubro. Com eles também foram presos a mulher de Ronnie Lessa, Elaine Lessa, suspeita de articular o esquema do descarte de armas, e o irmão dela, Bruno Figueiredo. A notícia foi ao ar em primeira mão no 'RJ2', e o 'Jornal Nacional' deu destaque ao assunto desde a escalada. Reportagem de Bette Lucchese mostrou transcrições de escutas telefônicas feitas pela polícia. Nelas, Djaca admitia a uma desconhecida ter sido chamado por Márcio para fazer a limpeza no apartamento. Acreditava-se que o local funcionava como uma oficina de armas de Lessa.

Em junho de 2020, o bombeiro Maxwell Corrêa, o Suel, foi apontado como o responsável por ajudar a jogar armas do policial Ronnie Lessa no mar. Ele foi condenado, mas começou a cumprir pena em regime aberto. Alguns anos depois, seu nome voltaria às manchetes.

Caso Marielle: bombeiro é preso suspeito de sumir com as armas do crime. Jornal Hoje, 10/06/2020

Suspeitas políticas

No 24 de outubro de 2019, os ex-deputados Edson Albertassi e Paulo Melo, presos na operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato que investigava políticos do MDB no Rio de Janeiro, saíram da cadeia para prestar depoimento na condição de testemunhas do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Segundo o 'RJ2', a polícia investigava se o crime poderia estar ligado a uma manobra política frustrada. A suspeita era que uma ação movida pelo então deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, poderia ter motivado a execução. Pouco antes da deflagração da operação Cadeia Velha, Albertassi havia sido indicado para atuar como conselheiro no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, o que lhe daria foro especial e tiraria da competência do Ministério Público a investigação que corria. Freixo questionou na Justiça a indicação, e tanto Albertassi como Paulo Melo e Jorge Picciani acabaram presos.

Contradição

Uma reportagem de Paulo Renato Soares, Tyndaro Menezes e Leslie Leitão no 'JN’ de 29 de outubro de 2019 revelou o depoimento de um porteiro do condomínio onde morava Ronnie Lessa. Ele afirmava que o outro suspeito do crime, Élcio de Queiroz, fora ao condomínio no dia do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, alegando ir à casa do então deputado federal Jair Bolsonaro, também dono de imóvel no local. Segundo o porteiro, o visitante teria tido sua entrada autorizada por uma voz que identificou como a do “Seu Jair”, porém se dirigiu à casa de Lessa. A menção ao nome do agora presidente da República obrigava uma consulta ao Supremo Tribunal Federal para o prosseguimento das investigações.

A matéria mostrou as contradições do depoimento, informando que, neste dia, Bolsonaro estava em Brasília, com presenças registradas em votações na Câmara dos Deputados. Quando a reportagem foi exibida, o presidente Jair Bolsonaro estava em viagem oficial à Arábia Saudita e fez um vídeo nas redes sociais com ofensas e ameaças dirigidas à Globo. O 'Jornal da Globo' repercutiu as declarações e, da bancada, Renata Lo Prete leu a nota divulgada pela emissora. A nota foi reproduzida no g1 e em todos os telejornais do dia seguinte.

No dia 30, o Ministério Público Estadual concluiu uma perícia nos áudios do sistema de interfone do condomínio e divulgou os resultados em uma coletiva de imprensa durante a tarde. Conforme informou o 'JN', a prova técnica contradizia o depoimento do porteiro. Na manhã do dia seguinte, o jornal Folha de S. Paulo revelou lacunas do trabalho da perícia. O 'JN' do dia 31 de outubro apurou que as perguntas que constavam no pedido de perícia foram protocoladas às 13h05, e a coletiva anunciando as conclusões começou pouco depois, às 13h30.

Os equipamentos foram oficialmente apreendidos no dia 7 de novembro para nova perícia realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro. No dia 20, o 'JN' apurou que o porteiro que havia citado o nome do presidente admitiu ter mentido, em novo depoimento à Polícia Federal. Os resultados da nova perícia foram divulgados no dia 11 de fevereiro de 2020, conforme mostrou Paulo Renato Soares no 'JN'. O documento, assinado por seis peritos, afirmava que a voz do porteiro que anunciou a chegada de Élcio de Queiroz no dia 14 de março de 2018 não era a mesma que mencionou o nome do presidente nos depoimentos.

Caso Marielle: suspeito entrou em condomínio alegando ir à casa de Bolsonaro, diz porteiro. Jornal Nacional, 29/10/2019

TV Globo divulga nota em resposta à transmissão de Bolsonaro

MP diz que depoimentos do porteiro do condomínio de Bolsonaro não condizem com a realidade. Jornal Nacional, 30/10/2019.

Caso Marielle: laudo conclui que voz não é de porteiro que citou Bolsonaro. Jornal Nacional, 11/02/2020.

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