Yasser Arafat morreu em 11 de novembro de 2004, aos 75 anos, após passar 14 dias internado no hospital militar de Percy, nos arredores de Paris (França), devido a uma doença misteriosa. Dono de uma biografia controvertida, era considerado por alguns apenas um terrorista e, por outros, um grande líder. Defendeu posições que pareciam inconciliáveis e, nas suas próprias palavras, dizia andar “com um fuzil em uma mão e um ramo de oliveira na outra”, como contou William Bonner no perfil que apresentou por ocasião de sua morte, no Jornal Nacional. Seu nome esteve ligado a todos os eventos que marcaram a luta pela criação de um Estado Palestino durante a segunda metade do século XX.
Nascido Mohammed Abdel-Raouf Arafat Al Qudwa Al-Hussein no Cairo (Egito), em 1929, cedo ficou conhecido como Yasser, que significa “afável”. Fez fortuna como comerciante no Kwait, onde participou da criação do Fatah, grupo que defendia a luta armada contra a ocupação da Palestina. Recebeu o apoio dos países árabes e, em 1969, tornou-se líder da Organização para Libertação da Palestina (OLP). Compareceu pela primeira vez à sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1974 e, com um discurso raivoso, chamou a atenção do mundo para a causa palestina.
Reportagem de Marcos Losekann e Sergio Gilz sobre o enterro de Yasser Arafat, Jornal Nacional, 12/11/2004.
No fim dos anos 1980, Arafat rejeitou todas as formas de terrorismo e reconheceu o direito de existência de Israel. Em 1993 assinou os acordos de paz de Oslo (Noruega), que garantiam autonomia limitada aos palestinos com a criação da Autoridade Nacional Palestina (ANP), concebida para ser um governo de transição até o estabelecimento do Estado palestino independente. Devido aos esforços pela paz no Oriente Médio, recebeu o prêmio Nobel da Paz juntamente com Yitzak Rabin e Shimon Peres, respectivamente primeiro-ministro e ministro das relações exteriores de Israel na ocasião.
Em 1996, Arafat foi eleito presidente da ANP. No entanto, não conseguiu conter a violência que explodiu após os acordos de paz e sua voz acabou perdendo força entre os grupos terroristas e radicais. Passou seus últimos dois anos de vida confinado no quartel-general em Ramallah (Cisjordânia).
EQUIPE E ESTRUTURA
Os correspondentes da Globo na Europa e no Oriente Médio ficaram à frente dessa cobertura. Já em outubro de 2004, Marcos Losekann, na época baseado em Jerusalém, deu as primeiras informações sobre Yasser Arafat e acompanhou o agravamento de seu estado de saúde enquanto o líder palestino permaneceu em Ramallah.
Caco Barcellos, correspondente da Globo em Paris, cobriu o período em que Yasser Arafat ficou internado num hospital na capital francesa. Através do clipmail, o repórter enviava, diariamente, material para o Bom Dia Brasil, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo. Para Barcellos, foi uma cobertura bem-sucedida, apesar de não ter sido descoberta a causa da morte da autoridade palestina. “Nenhum correspondente descobriu. Ficou o mistério. Acho que o exército da França sabe qual foi a causa da morte dele. Houve a tese do envenenamento, que me parece mais lógica, mas ficou como uma causa desconhecida. Ele teria passado mal, mas eu acho que ninguém deu uma explicação convincente. Isso eu acho uma coisa frustrante”, avalia o repórter.
Após a morte de Yasser Arafat, Ilze Scamparini, correspondente da Globo em Roma, foi enviada ao Cairo para acompanhar o funeral de Arafat. Marcos Losekann e o repórter cinematográfico Sergio Gilz foram para a Cisjordânia cobrir o enterro.
OS ÚLTIMOS DIAS
O correspondente da TV Globo no Oriente Médio, Marcos Losekann, vinha acompanhando a piora do estado de saúde de Arafat desde outubro de 2004. No dia 25, o dirigente fora submetido a uma endoscopia em seu quartel-general de Ramallah, quando ainda se recuperava de uma infecção viral aguda. Dois dias depois, Israel concedeu autorização para que ele deixasse o local e se tratasse no lugar de sua preferência, porém sem garantias de que pudesse voltar no futuro.
Em 29 de outubro, Arafat foi levado de avião à Paris, onde seria internado no hospital de Percy. O Jornal Nacional exibiu imagens do líder acenando para a multidão, que o aplaudia enquanto ele era levado de maca, assim como de sua chegada à capital francesa. O correspondente da TV Globo no local, Caco Barcellos, acompanhou a chegada da comitiva, em reportagens que foram ao ar no Jornal Hoje e no Jornal da Globo.
Durante os dias em que Arafat esteve internado, os telejornais da emissora noticiaram a tensão e as especulações em torno de seu estado de saúde. No dia 4 de novembro, informações desencontradas vindas de uma emissora israelense levaram o presidente dos Estados Unidos a comentar a suposta morte do líder palestino. Na reportagem exibida pelo Jornal Nacional naquela noite, Caco Barcellos acompanhou de perto a vigília de palestinos e manifestações de judeus à porta do hospital de Percy. Marcos Losekann mostrou a angústia e apreensão do povo em Israel e Cisjordânia.
O FIM DE UMA ERA
“O fim de uma era”. Com essa afirmação, Renato Machado anunciou a morte do presidente da Autoridade Nacional Palestina, Yasser Arafat, na abertura do Bom Dia Brasil de 11 de novembro de 2004. A notícia foi dada em primeira mão pelo telejornal. Ao vivo, Caco Barcellos deu informações sobre o translado do corpo para o Cairo, no Egito, onde seria realizado o velório, e Marcos Losekann mostrou a reação do povo em Jerusalém. De Roma, Ilze Scamparini apresentou detalhes sobre a repercussão do fato no mundo.
A morte de Yasser Arafat teve ampla cobertura nos demais telejornais da emissora. O Jornal Hoje e o Jornal Nacional aprofundaram a discussão sobre a repercussão na Europa, Estados Unidos, Oriente Médio e também no Brasil. O Jornal da Globo exibiu manifestações e homenagens de palestinos na Cisjordânia e em Israel. A polícia israelense chegou a usar bombas de gás lacrimogêneo para dispersar alguns manifestantes que protestavam em frente à mesquita de Al-Aqsa, um dos locais mais sagrados do islamismo, onde Arafat desejava ser enterrado.
Líderes do mundo inteiro pronunciaram-se sobre a notícia e foram unânimes ao alertar para a importância de procurar a paz na região. A OLP decretou 40 dias de luto, mas logo definiu os novos nomes na luta palestina até a realização de novas eleições em 60 dias. Mahmoud Abbas, conhecido como Abu Mazen, assumiu a presidência da OLP, Farouk Kaddoumi foi o nome indicado para a chefia do partido Fatah, e Rawhi Fattouh foi nomeado presidente interino da ANP.
Reportagem de Ilze Scamparini, enviada especial da Globo ao Cairo, sobre os preparativos para cerimônia fúnebre de Yasser Arafat, Bom Dia Brasil, 12/11/2004.
Caco Barcellos, ao vivo, diretamente de Paris, sobre o anúncio da morte de Yasser Arafat e sobre o translado do corpo para o Cairo, no Egito, onde seria realizado o velório. Bom Dia Brasil, 11/11/2004.
Reportagem de Marcos Losekann sobre a reação do povo em Jerusalém após o anúncio da morte do líder palestino Yasser Arafat, Bom Dia Brasil, 11/11/2004.
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, encontraram-se para discutir a retomada dos processos de paz entre árabes e israelenses, já que ambos não reconheciam a liderança de Arafat e se recusavam a negociar com ele. Bush e Blair enviaram suas condolências ao povo palestino, mas evitaram mencionar o nome de Arafat.
FUNERAL
O funeral foi realizado no dia 12 de novembro na mesquita do clube militar Galaa, localizado em uma área nobre do Cairo, com honras de chefe de Estado. A enviada especial Ilze Scamparini acompanhou os preparativos da cerimônia e falou por telefone ao Bom Dia Brasil.
Representantes de mais de 50 países participaram do velório, que foi fechado ao público. O então ministro da Casa Civil, José Dirceu, indicado para representar o governo brasileiro, chegou ao Cairo depois do horário previsto. Só teve tempo de assinar o livro de condolências da Liga Árabe e acompanhar a parte final da cerimônia. Israel não enviou representantes.
Do Egito, o caixão de Arafat seguiu para a Muqata, nome do prédio de seu quartel-general na Cisjordânia, onde foi enterrado às 11 horas do horário de Brasília. Marcos Losekann e o repórter cinematográfico Sergio Gilz foram a Ramallah para acompanhar o enterro do líder palestino.
Para registrar o momento da chegada do helicóptero que trazia o corpo de Yasser Arafat, Gilz e Losekann subiram no alto de um edifício. “Quando fomos entrar no prédio que havia sido alugado pelas agências de notícias, alguém derrubou o primeiro tapume que isolava a imprensa do povo. Em seguida derrubaram outro, e outro, até que as pessoas invadiram o local. Os repórteres ficaram lá, no meio daquela multidão. Falei para o Sérgio Gilz: ‘Não dá para subir aqui, vamos ser mais um lá em cima’. E fomos procurar outro lugar. Acabamos nos refugiando em um prédio em que ninguém tinha interesse, mais afastado. Quando o helicóptero chegou, passou exatamente por cima do primeiro prédio. Com o vento provocado pelas hélices, era antena parabólica voando para tudo quanto era lado. Quem estava lá em cima não tinha a menor condição de ficar, e se a gente estivesse lá também não teria conseguido trabalhar. Do local em que estávamos, deu para pegar, exclusivamente, o ângulo da chegada do caixão. E eu fui narrando, enquanto aquilo tudo acontecia. Era de arrepiar ver a paixão daquele povo pelo seu líder”. A reportagem foi exibida pelo Jornal Nacional daquela noite.
Ali Kamel, diretor executivo da Central Globo de Jornalismo na época, ressalta o trabalho da equipe da TV Globo: “Losekann e Gilz fizeram uma cobertura maravilhosa. Eles produziram um material que as agências internacionais não conseguiram. Losekann fez a passagem no momento em que o caixão de Arafat foi retirado de dentro do helicóptero, em meio a uma multidão de palestinos”.
Embora normalmente os muçulmanos sejam enterrados envoltos apenas em tecidos, os palestinos enterraram seu líder em um caixão de pedra. Desta forma, esperam algum dia realizar seu último sonho, o que foi impedido por Israel: ser enterrado na esplanada das mesquitas de Jerusalém. Simbolicamente, terra do lugar foi jogada sobre o caixão.
FONTES
Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Ali Kamel, (21/05/2007), Caco Barcellos (07/02/2006 e 10/02/2006), Marcos Losekann (28/05/2009); Bom Dia Brasil, 11/11/2004, 12/11/2004; Jornal da Globo, 29/10/2004; Jornal Hoje, 29/10/2004, 11/11/2004, 12/11/2004; Jornal Nacional, 25/10/2004, 29/10/2004, 04/11/2004, 11/11/2004. |