Em 17 de abril de 1996, por volta das 17h, um grupo de 300 trabalhadores sem terra impediu a passagem de carros e caminhões na rodovia PA-150, no extremo sul do estado do Pará. O principal motivo da manifestação era a demora do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em desapropriar a Fazenda Macaxeira, de 40 mil hectares.
Os policiais tentaram dispersar os manifestantes lançando bombas de efeito moral, mas os sem terra começaram a atirar pedras e pedaços de pau sobre os PMs. A polícia recuou por alguns instantes, porém a reação veio em seguida, com disparos de metralhadora. No final do conflito, havia 19 trabalhadores mortos e dezenas de outros feridos.
Reportagem do Jornal Nacional com imagens exclusivas do confronto entre trabalhadores sem-terra e policiais em Eldorado dos Carajás, 18/04/1996.
EQUIPE E ESTRUTURA
Imagens feitas na hora do conflito, por um cinegrafista de uma afiliada da Globo no Pará, a TV Liberal, foram ao ar com exclusividade no Jornal Nacional. A repórter Marisa Romão, que cobria a manifestação, foi testemunha do massacre e pediu aos policiais que parassem de atirar.
Participaram dessa cobertura os repórteres Marisa Romão, Nelson Araújo, Carlos Monforte, Marcos Losekann, entre outros. Marcelo Canellas foi enviado para o Pará, onde ficou cerca de 20 dias acompanhando o episódio.
Imagens exclusivas
Um cinegrafista da TV Liberal, afiliada da Globo no estado do Pará, registrou cenas do massacre e do desespero dos sem terra. As imagens foram apresentadas para todo o Brasil com exclusividade pelo Jornal Nacional. A repórter Marisa Romão estava no local no momento em que começou o tiroteio e chegou a intervir pedindo que a polícia parasse de atirar na direção de um barraco onde estavam mulheres e crianças.
No dia 18 de abril, foram exibidas, tanto no JN quanto no Jornal da Globo, as imagens chocantes da reação da polícia à manifestação, agindo com foices, facões, pedras e metralhadoras; e da repórter Marisa Romão tendo o equipamento de reportagem apreendido e sendo obrigada, junto à sua equipe, a entrar em um ônibus da Polícia Militar.
Violência da PM
O legista Badan Palhares, da Unicamp, foi até Eldorado dos Carajás para averiguar o caso. No laudo, o médico declarava que sete dos sem terra tinham sido espancados a golpes de foice e depois executados a tiros, e que os outros haviam sido assassinados à queima-roupa. Logo após o incidente, o capitão Raimundo Lameira, que comandou a ação da polícia, foi afastado do cargo e o coronel Mário Pantoja, responsável pela PM, admitiu que houvera excesso.
Dois dias depois do confronto que chocou o país, o Jornal Nacional apresentou uma crônica de Arnaldo Jabor indagando quais eram os verdadeiros culpados pelo massacre no Pará. Também foi exibida uma reportagem de Marcelo Canellas, enviado especial para Eldorado dos Carajás, sobre o novo bloqueio dos sem terra a uma estrada do Pará, em manifestação contra o massacre.
Arnaldo Jabor, em sua crônica para o Jornal Nacional, indaga quais eram os verdadeiros culpados pelo massacre no Pará, 20/04/1996.
Reportagem de Marcelo Canellas sobre as visitas de autoridades ligadas à defesa dos direitos humanos ao local do massacre em Eldorado dos Carajás, Jornal Nacional, 20/04/1996.
Repercussão política
No Editorial Globo Rural, o apresentador Nélson Araújo afirma que a tragédia de Eldorado dos Carajás revela a incompetência do Brasil em resolver seus problemas agrários, 21/04/1996.
O Jornal Hoje do dia 19 de abril apresentou um panorama geral da situação, com entrevistas do presidente do Incra, Raul do Valle; do deputado da Comissão de Direitos Humanos, Pedro Wilson; do líder do PT, deputado Luiz Carlos Santos; do senador do PMDB, Gilberto Miranda, e do presidente do Senado, José Sarney. Também foram exibidos trechos da coletiva de imprensa do então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sobre o massacre dos sem terra.
Em 20 de abril, Marcelo Canellas cobriu, para o Jornal Nacional, o enterro das 19 vítimas do massacre, em Curionópolis. O episódio foi destaque em vários outros programas jornalísticos da emissora. Um editorial do Globo Rural do dia 21 de abril afirmava que o confronto revelava a incompetência do Brasil em resolver seus problemas agrários. O apresentador Nelson Araújo declarou que parecia que o país não tinha se convencido de que a questão da terra dependia de uma solução política, e não de polícia.
Entrevista exclusiva
Na noite do dia 21 de abril, uma entrevista da repórter Marisa Romão, que havia testemunhado o massacre, foi exibida no Fantástico. Ao relatar o que havia presenciado, a repórter chegou a chorar. Em seguida, foi ao ar uma matéria de Marcelo Canellas sobre a situação no acampamento dos sem terra. O enviado especial da Globo entrevistou uma menina que havia assistido a morte do pai e duas mulheres que perderam seus maridos, uma delas grávida. O clima no local era de medo, e os sem terra revezavam-se como sentinelas, munidos de espingardas.
Outro destaque da cobertura foi a entrevista realizada pelo repórter Carlos Monforte com o então presidente da República Fernando Henrique Cardoso, exibida no Jornal Nacional.
Mais de dois meses após o massacre, o Jornal da Globo mostrou, em 18 de junho, confrontos entre os sem terra de Salvador e a polícia; assim como a desocupação do Mirante do Paranapanema e o discurso do presidente da CUT, Vicente Paula da Silva, a respeito da situação dos sem terra.
Dois anos depois do massacre, o repórter Marcos Losekann cobriu, para o Jornal da Globo, a missa com passeata em memória das vítimas do Eldorado do Carajás. No aniversário de três anos, o Jornal Nacional levou sobreviventes ao local do massacre. Um deles ainda trazia uma bala alojada no corpo.
O julgamento
O julgamento dos envolvidos no massacre foi realizado em 16 de maio de 2002. O repórter Jonas Campos, da TV Liberal, mostrou que no banco dos réus estavam o coronel Mário Pantoja e o capitão Raimundo Lameira. Pantoja foi considerado culpado e condenado a 228 anos de prisão. Já Raimundo Lameira foi absolvido por falta de provas. A reportagem foi ao ar no Jornal Nacional.
Dos 144 acusados, apenas dois foram condenados: o coronel Mário Pantoja e o major José Maria Oliveira, a 154 anos. Por serem réus primários, ambos puderam recorrer e responder ao processo em liberdade. Em 2004, a condenação foi confirmada pela Justiça do Pará. Eles chegaram a ser presos, mas foram libertados menos de um ano depois graças a um habeas corpus de Supremo Tribunal Federal.
FONTES
Depoimento concedido ao Memória Globo por: Marcelo Canellas (16/02/04); Jornal Nacional (17/04/96, 18/04/96, 19/04/96, 20/04/96, 17/04/99, 16/05/02); Jornal da Globo (18/04/96, 18/07/96, 17/04/98); Jornal Hoje (19/04/96); Globo Rural (21/04/96); Fantástico (21/04/96). |