Guerra Irã - Iraque

Foi no Golfo Pérsico que aconteceu um dos mais longos e sangrentos conflitos do século XX. Em oito anos de guerra, mais de um milhão de pessoas morreram.

Por Memória Globo


A guerra estourou em 22 de setembro de 1980, quando o presidente do Iraque, Saddam Hussein, aproveitando o momento de instabilidade política do Irã com a queda do xá Reza Pahlevi, coordenou uma ofensiva contra o país vizinho. Além da disputa territorial, existia uma rivalidade ideológica entre os dois países. Desde a Revolução Islâmica proclamada pelo Aiatolá Khomeini, em 1979, Sadam Hussein passou a temer que os fundamentalistas iranianos instigassem uma revolta na maioria xiita da população iraquiana, pobre e dominada.

O Irã resistiu à invasão iraquiana e a guerra se estendeu ao longo de oito anos. Mais de um milhão de pessoas morreram e os dois países ficaram economicamente arrasados. O conflito também afetou o abastecimento mundial de energia.

Após intensas negociações mediadas pelo então secretário-geral da ONU, Javier Perez de Cuellar, foi acertado um cessar-fogo em agosto de 1988. Dois anos depois, Irã e Iraque restabeleceram relações diplomáticas.

EQUIPE E ESTRUTURA

A Guerra Irã-Iraque foi destaque na cobertura internacional da Globo. O jornalista Roberto Feith, então chefe do escritório em Londres, e o cinegrafista Mario Ferreira foram os primeiros a chegar à frente de batalha no Iraque, o que permitiu ao Jornal Nacional exibir imagens inéditas, furando inclusive a imprensa internacional. Eles permaneceram um mês e meio no local, sendo depois substituídos por outra equipe, chefiada por Hermano Henning, que também conseguiu dar várias informações em primeira mão.

CORRESPONDENTES DE GUERRA

Já no primeiro dia, o Jornal Nacional deu grande destaque ao assunto. Utilizou recursos visuais, reproduzindo mapas da região, para mostrar as áreas em conflito e os pontos atingidos pelos bombardeios. Foram divulgadas também imagens do intenso movimento de tropas que se dirigiam para as fronteiras à espera de um ataque por terra.

No dia seguinte, o Jornal Nacional noticiou o agravamento do conflito durante a madrugada e a repercussão da guerra no mundo. Em 24 de setembro, foram exibidas as primeiras imagens do bombardeio a Bagdá, divulgadas pela televisão iraquiana. Um dia depois, o telejornal informou que as tropas de Saddam avançavam para o Irã e dominavam o deserto sem nenhuma resistência.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Entrevista exclusiva do jornalista Roberto Feith ao Memória Globo, em 24/11/2003,, sobre a Guerra Irã - Iraque.

Assim que se iniciaram os bombardeios no Irã e no Iraque, Roberto Feith e Mario Ferreira foram para Amã, na Jordânia, na tentativa de conseguirem um visto para Bagdá. Dois dias depois, a equipe da Globo e outros jornalistas seguiram de ônibus para a capital iraquiana.

Em 29 de setembro, Cid Moreira informou que o governo do Irã estava acusando a imprensa ocidental de cobrir a guerra com simpatia ao Iraque. O apresentador explicou que o Iraque estava permitindo a entrada de correspondentes estrangeiros no país e que isso facilitava o acesso às informações. O aiatolá Khomeini, até aquele momento, não havia permitido que ninguém entrasse no Irã.

Entrevista exclusiva do repórter cinematográfico Mario Ferreira ao Memória Globo, em 14/05/2002, sobre a Guerra Irã - Iraque.

O LADO DE LÁ

Apesar das dificuldades, Roberto Feith e Mario Ferreira conseguiram entrar no Irã e enviaram para o Jornal Nacional uma reportagem exclusiva sobre a guerra. Os repórteres atravessaram a fronteira e percorreram “um deserto de pedra e areia”. Mostraram o que restava da força iraniana: “um ou outro tanque abandonado”. Na cidade de Maharam, localizada a 13 quilômetros da fronteira, filmaram as casas e as ruas abandonadas e destruídas. O repórter informava que, apesar de estarem em retirada, as forças iranianas ainda resistiam e se negavam a discutir o cessar-fogo.

Reportagem de Roberto Feith e Mário Ferreira sobre a Guerra Irã-Iraque, Jornal Nacional, 29/09/1980.

VERSÃO IRAQUIANA

Logo depois, Roberto Feith e Mario Ferreira foram para Basra, no sul do Iraque, onde a situação estava mais complicada. Hospedados num hotel, os repórteres ficavam à espera da autorização do Ministério da Informação para cobrir o conflito. Mas, como recorda Roberto Feith, “o governo iraquiano mostrava apenas o lado da guerra que lhe interessava”.

O repórter lembra quando foram levados para observar posições iraquianas: “Estavam lá uns homens que pareciam ter sido treinados no dia anterior, com os rifles apontados para o lado do Irã. Nesse dia, eles abateram um caça F5 na hora em que estávamos perto do front. O avião caiu e o pára-quedas desceu. Vimos e fomos correndo filmar a captura do piloto iraniano. Eu acho que a gente salvou a vida daquele homem. Ele ia apanhar muito se não estivéssemos lá.”

Reportagem de Roberto Feith sobre os conflitos em Basra e Abadan durante a guerra entre Irã e Iraque. Jornal Nacional, 02/10/1980.

DIREÇÃO CONTRÁRIA

Percebendo que não conseguiriam grandes matérias em Basra, Roberto Feith e Mario Ferreira decidiram seguir em direção ao sul, para a Península de al-Fao, a cerca de uns 30 quilômetros da cidade. Lá ficava o terminal petrolífero do Iraque, em frente a Korramshahr, cidade estratégica para os iranianos, onde estava a maior refinaria de petróleo do país. Depois de uma negociação, os dois convenceram um motorista de táxi a levá-los ao local. Conforme iam seguindo pela estrada, o movimento de veículos e pessoas ia diminuindo. Carros com refugiados carregando suas mobílias vinham na direção contrária.

Ao comentar sobre a cobertura, o correspondente Roberto Feith afirma: "A certa altura, só se via tráfego militar. Depois, era aquele silêncio e fumaça por todos os lados. O motorista do táxi começou a ficar nervoso. Nós parávamos de vez em quando, sempre procurando alguma coisa mais substantiva, mais específica e individual para filmar. Finalmente, chegamos numa colina, em cima de al-Fao, que era uma instalação petrolífera, com tanque de estocagem, um porto e alguns prédios pegando fogo. Nós filmamos e quisemos descer, mas o motorista se recusou. Depois de oferecer mais dinheiro, conseguimos convencê-lo. Estávamos dando a volta por dentro de al-Fao, filmando do carro, quando começou a cair morteiro em nossa volta. Aí não houve jeito de segurar o taxista. Ele engatou uma segunda e saiu correndo".

Reportagem de Roberto Feith sobre a destruição de refinarias de petróleo na guerra entre Irã e Iraque. Jornal Nacional, 09/10/1980.

COBERTURA DIFÍCIL

Em novembro de 1980, após o retorno de Roberto Feith a Londres, Hermano Henning foi enviado à região para assumir a cobertura. Inicialmente, ficou baseado em Amã, na Jordânia, esperando a autorização para entrar no Iraque. Depois dirigiu-se para Bagdá, de onde fez várias incursões ao território iraniano. Algumas vezes, foi acompanhado pelo cinegrafista Mario Ferreira, outras por José Wilson da Mata. Foram dias marcantes para o correspondente Hermano Henning, como ele comenta: "Vimos muita gente morta, muito ataque. Sofremos tiroteio, corremos de bomba, foi complicado. Em Korramshahr, nós tivemos uma experiência muito difícil. Eu me lembro que, depois de um mês de guerra, eu queria voltar para Londres. Mas o Castilho argumentava: ‘Não, fica aí mais um tempo, que daqui a no máximo 15 dias, um mês, a guerra termina.’ Se eu tivesse esperado a guerra terminar, eu teria ficado lá mais uns dez anos. Foi um conflito cruel e muito longo".

ENTREVISTA EXCLUSIVA COM SADDAM HUSSEIN

Em 29 de junho de 1981, o Globo Revista exibiu uma entrevista exclusiva com Saddam Hussein, realizada pelo repórter Ricardo Pereira e pelo cinegrafista Benevides Neto, no palácio presidencial em Bagdá. O presidente do Iraque falou sobre a paz no Oriente Médio, as eleições em Israel e sobre as relações do seu país com o Brasil. Disse que os países árabes precisavam ter a bomba atômica para conseguir equilíbrio de forças com Israel, mas negou que estivessem construindo uma.

Toninho Drummond, diretor de jornalismo de Brasília, para conseguir a entrevista, havia procurado o embaixador do Iraque no Brasil e argumentado que, se Saddam Hussein queria ser um líder do Terceiro Mundo, precisava dar prioridade a uma televisão do Terceiro Mundo. Segundo ele, a Globo tinha todas as condições técnicas para transmitir a palavra do presidente iraquiano instantaneamente no mundo inteiro, tanto quanto a ABC, a NBC ou a BBC.

O repórter Ricardo Pereira e o cinegrafista Benevides Neto entrevistam com exclusividade Saddam Hussein, Globo Revista, 29/06/1981.

Os argumentos de Toninho Drummond foram aceitos e a equipe da Globo viajou para Bagdá. Mas gravar a entrevista não foi uma operação fácil. Ricardo Pereira conta que tiveram que aguardar vários dias no hotel: "Foram 11 dias de tortura. Fazia 50 graus, era junho, verão em Bagdá. Todo dia, o nosso guarda-costas, policial, tradutor dizia: ‘Hoje, His Excellency foi para o front. Maybe tomorrow.’ E eu falava: ‘Está bom, mas eu vou sair.’ Eu tinha uns amigos na embaixada, na Mendes Júnior. Eles diziam: ‘Não, maybe tonight, it is better stay here.’ E eu ficava lá dentro. Ficamos 11 dias no hotel, esperando. Nós já estávamos desistindo. Aí no décimo primeiro dia, nos chamaram e fizemos a entrevista".

Ricardo Pereira relembra curiosidades da gravação: “Nessa época, nós já trabalhávamos com câmera eletrônica, mas, como íamos ficar muito tempo parados lá, levamos uma CP 16mm. Em cada rolo tinha 400 pés de filme, o que dava para uns 12 minutos de gravação. Mas a entrevista consumia tempo porque eu fazia a pergunta em inglês, o intérprete traduzia para o árabe, o Saddam respondia em árabe, o cara respondia em inglês para mim. A cada 12 minutos, o cinegrafista tinha que mudar o filme, na frente de Saddam Hussein, cercado de segurança, de metralhadoras. O cinegrafista suava, fazia um calor danado. E ele tinha que enfiar a mão dentro de um saco preto e trocar o filme. Na terceira troca ele, nervoso, não conseguia colocar o filme. Foi uma eternidade a espera. Eu e Saddam Hussein ficamos olhando um para o outro, sem ter nada para dizer”.

CESSAR-FOGO

A guerra entre Irã e Iraque ainda se prolongaria por muito tempo. Apenas em 1988, após oito anos de confrontos e longas negociações, acertou-se o cessar-fogo. O anúncio foi feito pelo Fantástico em 7 de agosto. O repórter Silio Boccanera acompanhou, em Genebra, os chanceleres dos dois países, Ali Akba Velayati e Tarik Aziz, em negociação pela paz, numa reportagem que foi exibida no Jornal Nacional de 25 de agosto.

Reportagem de Ernesto Paglia sobre os brasileiros comemorando a trégua na Guerra Irã-Iraque. Jornal Nacional, 20/08/1988.

Em 21 de agosto de 1988, o Fantástico apresentou uma reportagem especial sobre o final da guerra. O repórter Ernesto Paglia informou sobre a trégua, mas destacou a dificuldade de filmar na região, com os quartéis ainda em estado de alerta. Direto de um quartel iraquiano, a 40 quilômetros da zona patrulhada pela ONU, Paglia entrevistou um capitão canadense, membro da tropa enviada pelas Nações Unidas, que descreveu o clima amistoso na frente de batalha.

Reportagem de Ernesto Paglia e Pedro Bial sobre o cessar-fogo que viria a ser o fim da Guerra Irã-Iraque. Fantástico, 21/08/1988.

Reportagem de Ernesto Paglia sobre a filial da empresa de engenharia Mendes Júnior no Iraque, com os trabalhos parados devido à guerra. Jornal da Globo, 07/09/1988.

EXCLUSIVO MEMÓRIA GLOBO

Entrevista exclusiva do jornalista Ernesto Paglia ao Memória Globo, em 15/05/2002, sobre a Guerra Irã - Iraque

FONTES

Depoimentos concedidos ao Memória Globo por: Hermano Henning (06/04/2004), Ricardo Pereira (18/03/2004), Roberto Feith (24/11/2003); MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional – a notícia faz história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004; Fantástico 07/08/1988; Globo Repórter 30/09/1980; Jornal da Globo28/07/1988; Jornal Nacional 22/09/1980, 23/09/1980, 24/09/1980, 29/09/1980, 08/04/1985, 12/09/1987, 26/07/1988, 25/08/1988; O Globo 2000, suplemento de O Globo número 28.