Anistia e volta dos exilados

A Lei da Anistia, sancionada pelo presidente João Batista Figueiredo, foi um dos primeiros passos para a redemocratização do Brasil.

Por Memória Globo


Em março de 1979, 15 anos após o golpe militar de 1964, João Batista Figueiredo assume a presidência da República. Ex-chefe do Serviço Nacional de Inteligência, o antigo SNI, Figueiredo tinha a tarefa de consolidar a abertura política e assegurar a transição democrática. Sua primeira medida nesse sentido foi a sanção, em 28 de agosto de 1979, da lei 6.683, que concedia anistia a todos os que haviam cometido crimes políticos desde setembro de 1961 até aquela data. A lei teve efeito imediato e beneficiou 2.200 pessoas, que puderam deixar a clandestinidade ou retornar ao Brasil após exílio no exterior.

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DESTAQUES

Anistia parcial x anistia irrestrita
A Globo acompanhou as discussões sobre o projeto de Anistia e a instauração no Congresso de uma comissão mista. De um lado, o projeto proposto pelo governo, que não anistiava os condenados por crime de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Do outro, o projeto do MDB propondo a anistia ampla, geral e irrestrita. Saiba mais.

Lei aprovada
A lei da anistia foi aprovada no dia 22 de agosto de 1979 e a Globo mostrou a libertação dos primeiros presos políticos em Recife e no Rio, além das dificuldades encontradas pelos advogados na soltura dos seus clientes em São Paulo. Saiba mais.


A volta dos exilados
Em 31 de agosto de 1979, foram ao ar imagens do desembarque no então Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, dos primeiros exilados a retornarem ao país. Nos dias seguintes o jornalismo da Globo continuou a acompanhar a chegada de figuras importantes na política nacional e na luta contra a ditadura, como Fernando Gabeira, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Betinho, Vladimir Palmeira e Luís Carlos Prestes. Saiba mais.

ANISTIA PARCIAL X ANISTIA IRRESTRITA

A Globo acompanhou as discussões sobre o projeto de Anistia, que começaram formalmente no dia 2 de agosto, com a instauração no Congresso de uma comissão mista, composta por 11 deputados e 11 senadores, conforme noticiado no Jornal Nacional. De um lado, o projeto proposto pelo governo, que não anistiava os condenados por crime de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Do outro, o projeto substitutivo do MDB (Movimento Democrático Brasileiro, atual PMDB) propondo a anistia ampla, geral e irrestrita, além da recondução imediata a seus antigos cargos dos servidores punidos pelos atos de exceção.

Enquanto os parlamentares debatiam os projetos, uma série de manifestações pela anistia irrestrita era realizada em diversas regiões do país e no próprio Congresso. Em 8 de agosto, o Jornal Nacional noticiou que um grupo de artistas do Rio e de São Paulo entregara aos deputados e senadores um documento com 700 assinaturas a favor da anistia ampla. No dia 14, parentes de presos políticos e manifestantes de diversos grupos – como o Comitê Brasileiro pela Anistia e o Movimento Feminino pela Anistia – passaram o dia nos corredores do Senado e da Câmara. Conforme informou o Jornal Nacional, eles traziam cartazes e faixas que, no entanto, não puderam ser abertos devido ao esquema de segurança do Congresso.

Globo Brasília

A abertura política permitiu a consolidação do Jornalismo da Globo de Brasília. Naquele momento, a sucursal passou a produzir um bloco inteiro do Jornal Nacional, apresentado ao vivo por Carlos Campbell. A repórter Marilena Chiarelli, uma das primeiras a cobrirem política na TV brasileira, relembra o importante acontecimento, uma vez que o JN sempre fora feito a partir do Rio ou de São Paulo: “Com isso nós conseguiríamos também ganhar mais tempo, poderíamos fechar uma matéria cinco minutos antes do bloco ir ao ar. Antes, quando conseguíamos uma notícia de última hora, existia um esquema de editar, negociar a ‘cabeça’ com o Rio, fazer a geração. Era complicado”.

LEI APROVADA

No dia 22, o projeto do governo foi finalmente aprovado pelo Congresso Nacional, numa sessão tumultuada, que durou quase nove horas. Houve manifestações nas galerias e discussões – e até tentativas de agressão – entre os parlamentares. Na Cinelândia, no Rio de Janeiro, estudantes e artistas cantaram e declamaram poemas no momento em que o Congresso aprovava a lei. Os manifestantes também gritaram palavras de apoio a alguns presos políticos que estavam em greve de fome havia 30 dias, em protesto contra a medida do governo de não conceder anistia a todos.

Reportagem sobre a libertação de presos políticos em Recife após a lei da anistia, Jornal Nacional, 29/08/1979.

Reportagem sobre a libertação de presos políticos no Rio de Janeiro após a lei da anistia, Jornal da Globo, 29/08/1979.

Reportagem de Ivaci Matias sobre as dificuldades encontradas pelos advogados na soltura de seus clientes em São Paulo após a lei da anistia, Jornal Nacional, 29/08/1979.

Em 29 de agosto, um dia após a lei ser sancionada, o Jornalismo da Globo mostrou a libertação dos presos políticos em Recife e no Rio, além das dificuldades encontradas pelos advogados na soltura dos seus clientes em São Paulo. No dia 30, o Jornal Nacional mostrou a liberação dos presos na capital paulista. Nos dias seguintes, acompanhou a chegada ao Brasil dos exilados políticos.

Reportagem de Ivaci Matias sobre a libertação dos presos em São Paulo após a lei da anistia, Jornal Nacional, 30/08/1979.

A VOLTA DOS EXILADOS

Em 31 de agosto de 1979, foram ao ar imagens do desembarque no então Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro, dos primeiros exilados a retornarem ao país. A reportagem exibida nesse dia no Jornal Nacional mostrou a chegada, entre outros, da primeira pessoa banida do país, Dulce Maia. No dia seguinte, 1º de setembro, o telejornal mostrou a volta de Fernando Gabeira e Francisco Nelson. Os dois foram recebidos por representantes do movimento pela anistia, familiares e amigos, e chegaram junto com a delegação do time de futebol do Flamengo, campeão carioca daquele ano. Em entrevista ao repórter Paulo Alceu, que estava no local, Fernando Gabeira, de volta após um exílio de nove anos, afirmou que queria ver os amigos, trabalhar e contribuir com a luta política que se desenvolvia no Brasil.

Repórter Paulo Alceu entrevista o anistiado político Fernando Gabeira, logo após sua chegada ao Brasil, Jornal Nacional, 01/09/1979

Reportagem sobre o desembarque dos primeiros anistiados políticos a voltarem ao Brasil, entre eles Dulce Maia, a primeira banida do país, Jornal Nacional, 31/08/1979.

Reportagem sobre a volta de Leonel Brizola ao Brasil após a lei da anistia, Jornal Nacional, 07/09/1979.

Discurso de Leonel Brizola, na sua volta ao Brasil, após a lei da anistia, Jornal da Globo, 07/09/1979.

Em 7 de setembro, o Jornal Nacional mostrou a volta de Leonel Brizola ao Brasil, em companhia da mulher, Neuza. Como informou o telejornal, ele viajou em um bimotor de Foz do Iguaçu a São Borja, no sul do país, onde visitou os túmulos de Getúlio Vargas e João Goulart. No Jornal da Globo do mesmo dia, foi apresentada uma matéria destacando um discurso em que Brizola afirmou ter o “coração cheio de saudades, mas limpo de ódios”. Ele disse não se considerar um ressentido e manifestou o anseio de ser útil à causa do povo brasileiro.

O ex-governador cassado de Pernambuco, Miguel Arraes, e o jornalista e ex-deputado federal Márcio Moreira Alves retornaram no dia 15 de setembro. A chegada dos dois também foi acompanhada pelo Jornal Nacional. Arraes, como mostrou o telejornal, chegou com a mulher e os quatro filhos, após 15 anos de exílio na Argélia, e suas palavras foram repetidas em coro pelos amigos que o receberam. Sua chegada ao aeroclube de Pernambuco foi mostrada pelo Fantástico de 16 de setembro. Márcio Moreira Alves, de volta após dez anos, afirmou que veio reaprender com o povo brasileiro o seu cotidiano.

O sociólogo Herbert José de Souza, Betinho, retornou após oito anos de exílio, em 16 de setembro. No aeroporto de Congonhas foi recebido pelo irmão, o cartunista Henfil, e por vários amigos. Em entrevista à repórter Helena de Grammont, Betinho contou que todos ficariam felizes no dia em que anistia fosse ampla, geral e irrestrita. A reportagem foi ao ar no Fantástico daquele dia.

Reportagem sobre a chegada de Miguel Arraes e Márcio Moreira Alves ao Brasil, após a lei da anistia, Jornal Nacional, 15/09/1979

A repórter Helena de Grammont entrevista Herbert José de Souza, o Betinho, na sua chegada ao Brasil, após a lei da anistia, Fantástico, 16/09/1979.

No dia 5 de outubro, chegou ao Rio o ex-líder estudantil Vladimir Palmeira, como mostraram as imagens do Jornal Nacional exibido no dia. O telejornal também noticiou a chegada do dirigente comunista Luís Carlos Prestes, que desembarcou no país em 20 de outubro, sendo recebido pelas irmãs e por amigos. O líder das Ligas Camponesas, Francisco Julião, chegou no dia 26, também com cobertura no Jornal Nacional.

Muitos dos beneficiados pela anistia voltaram à cena política nacional se ligando aos novos partidos políticos fundados desde novembro, depois de aprovada a lei orgânica que extinguiu a Arena e o MDB e restabeleceu o pluripartidarismo no país. Surgiram, nesse contexto, o PDS (Partido Democrático Social), o PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), o PT (Partido dos Trabalhadores), o PDT (Partido Democrático Trabalhista), o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), entre outros.

Entrevista com o ex-líder estudantil Vladimir Palmeira na sua chegada ao Brasil, após a lei da anistia, Jornal Nacional, 05/10/1979.

Reportagem sobre a chegada do dirigente comunista Luís Carlos Prestes ao Brasil após a lei da anistia, Jornal Nacional, 20/10/1979.

Entrevista dom o líder das ligas camponesas, Francisco Julião, na sua chegada ao Brasil após a lei da anistia, Jornal Nacional, 26/10/1979

FONTES

Depoimento concedido ao Memória Globo por: Marilena Chiarelli (17/02/2004); MEMÓRIA GLOBO. Jornal Nacional, a notícia faz história. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005; Fantástico (16/09/79); Jornal Nacional (02/08/1979; 08/08/1979; 14/08/1979; 22/08/1979; 31/08/1979; 07/09/1979; 15/09/1979).