Diretas Já

Por Memória Globo


  • O reconhecimento de equívocos na cobertura da Globo em importantes momentos da vida política brasileira está exposto em Erros. Nesta seção são explicadas as decisões tomadas pela emissora, levando em conta o contexto nacional da época. A transparência foi adotada a fim de evitar que novos erros sejam cometidos e também não permitir que informações possam ser mal interpretadas pelo público.

1983/1984

Em 2 de março de 1983, o deputado Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou ao Congresso Nacional proposta de emenda à Constituição prevendo o restabelecimento de eleições diretas para a Presidência da República em dezembro do ano seguinte. Em abril, o PMDB lançou oficialmente a campanha nacional de apoio à emenda, com o slogan que ganharia as ruas: “Diretas já”.

A Rede Globo acompanhou toda a movimentação política em torno da tramitação da emenda Dante de Oliveira no Congresso. Ainda antes do lançamento da campanha, no dia 29 de março de 1983, o Jornal Nacional apresentou uma matéria, de dois minutos e 16 segundos, informando que a Executiva do PMDB se reuniria na semana seguinte para lançar o movimento. O repórter Antônio Britto entrevistou o líder do PMDB na Câmara, deputado Freitas Nobre, que expôs a estratégia da oposição para aprovar o projeto.

Nos meses seguintes, a campanha começou a ganhar fôlego nas ruas. Em 27 de novembro de 1983, ocorreu a primeira manifestação pública expressiva a favor das Diretas. Foi uma festa-comício organizada no estádio do Pacaembu, em São Paulo, pelos partidos de oposição. Como era um domingo, o Fantástico cobriu o evento. Em matéria de um minuto e 17 segundos, os telespectadores foram informados sobre o show de música e sobre discursos de representantes da igreja católica, das entidades estudantis e dos partidos políticos. O momento mais emocionante foi o anúncio da morte do senador Teotônio Vilela, um dos principais promotores da campanha pelo voto direto.

Os quatro meses que antecederam a votação da emenda Dante de Oliveira foram dedicados à organização de comícios, que se realizaram por todo o país. O primeiro ocorreu em Curitiba, no Paraná, em 12 de janeiro de 1984, e reuniu cerca de 50 mil pessoas. Nos dias seguintes, novas manifestações aconteceram em Salvador (BA), com 15 mil pessoas, Vitória (ES), com 10 mil, e Campinas (SP), com 12 mil.

A Globo registrou esses comícios pelas Diretas nos seus telejornais locais. Naquele primeiro momento, as manifestações não entraram nos noticiários de rede por decisão de Roberto Marinho. O presidente das Organizações Globo [atual Grupo Globo] temia que uma ampla cobertura da televisão pudesse se tornar um fator de inquietação nacional. “Mas a paixão popular foi tamanha que resolvemos tratar o assunto em rede nacional”, afirmou ele em matéria publicada na revista Veja de 5 de setembro de 1984.

Entrevista do repórter Antônio Britto com o líder do PMDB na Câmara, deputado Freitas Nobre, Jornal Nacional, 29/03/1983.

Reportagem sobre a primeira manifestação pelas Diretas, no estádio do Pacaembu, em São Paulo, Fantástico, 27/11/1983.

Matéria de Ernesto Paglia sobre o aniversário da cidade de São Paulo e sobre o comício pelas Diretas na Praça da Sé. Jornal Nacional, 25/01/1984.

Treze dias após o comício de Curitiba, a emissora passou a noticiar todas as manifestações de rua em rede nacional. O primeiro comício a ser noticiado para todo o país foi o que hoje é considerado o primeiro grande comício das Diretas, realizado na Praça da Sé, em São Paulo, no dia 25 de janeiro. Naquele dia, o Jornal Nacional exibiu reportagem que dedicava um minuto e três segundos exclusivamente ao tema. Mas a matéria provocou polêmicas. A Globo sofreu a acusação de mentir ao telespectador dizendo que o comício era apenas uma festa em comemoração aos 430 anos da cidade de São Paulo.

A origem da confusão foi a chamada da matéria, lida pelo apresentador Marcos Hummel, que se referia ao comício da Sé como um dos eventos comemorativos do aniversário da cidade. O locutor leu a chamada: “Festa em São Paulo. A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé.” De fato, havia a relação entre a manifestação e o aniversário da cidade. Os organizadores haviam marcado o evento para o dia 25 de janeiro justamente para facilitar a participação popular. E, se a chamada da matéria parecia não levar em consideração a dimensão política do comício, em seguida, a reportagem de Ernesto Paglia relatou com todas as letras o seu objetivo: pedir eleições diretas para presidente da República.

Se por um lado segmentos da sociedade pressionavam a Rede Globo para se engajar nas manifestações pelas Diretas, por outro a emissora vinha sendo pressionada pelos militares a não cobrir os eventos. Woile Guimarães, então diretor dos telejornais de rede, diz que ministros e generais ligavam para Roberto Marinho, ameaçando até mesmo retirar a concessão para o funcionamento da emissora: “Acho que foi a maior pressão que a Rede Globo sofreu. Eu acompanhei um pouco a luta intestina aqui dos profissionais, tentando se solidarizar com o Dr. Roberto, que recebia pressões, talvez as maiores das quais eu fui testemunha.”

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então vice-presidente de operações da Globo, confirma: “Naquele momento, a pressão sobre Roberto Marinho foi intensa. Foi uma frustração para mim e para toda a equipe de jornalismo, uma tristeza para o Armando Nogueira e a Alice-Maria, não poder fazer a cobertura de maneira adequada. Nós ficamos limitados pelo poder de audiência que a TV Globo tinha. Isso foi uma tristeza muito grande, mas naquele momento o Dr. Roberto não podia resistir.”

No Rio de Janeiro, uma das primeiras manifestações pelas Diretas foi a passeata na Avenida Rio Branco, no centro da cidade, em 16 de fevereiro. Naquele dia, o Jornal Nacional deu a notícia e mostrou imagens da manifestação.

Em Minas Gerais, a principal manifestação ocorreu no dia 24 de fevereiro. No Jornal Nacional, numa matéria de um minuto e meio, foram mostrados os preparativos para o evento e imagens do comício, que contou com a participação de diversos artistas e políticos de oposição. A cobertura completa do final do comício foi ao ar no Jornal da Globo. Em 21 de março, o Jornal Nacional mostrou imagens da população do Rio, que voltou à Avenida Rio Branco para mais uma manifestação pelas Diretas.

Reportagem sobre passeata pelas Diretas, no Rio de Janeiro, Jornal Nacional, 16/02/1984.

Reportagem sobre a manifestação pelas Diretas em Belo Horizonte (MG), Jornal Nacional, 24/02/1984.

Reportagem sobre a manifestação a favor das Diretas, no Rio de Janeiro, Jornal Nacional, 21/03/1984.

Reportagem de Eliakim Araújo sobre a manifestação pelas Diretas na Candelária, no Rio de Janeiro, Jornal Nacional, 10/04/1984.

Reportagem sobre a manifestação pelas Diretas na Candelária, no Rio de Janeiro, Jornal Nacional, 10/04/1984.

Reportagem sobre a manifestação pelas Diretas na Candelária, no Rio de Janeiro, Jornal da Globo, 10/04/1984.

Em abril, a campanha empolgou definitivamente o país. No dia 10, cerca de um milhão de pessoas se reuniram na Candelária, no Rio de Janeiro. A Globo cobriu, então, com grande destaque o evento, dedicando-lhe quase uma hora da sua programação. Foram apresentados diversos flashes durante todo o dia, mostrando desde a chegada dos primeiros manifestantes até o fim do comício. O assunto ocupou nove minutos do Jornal Nacional e invadiu o horário da novela das oito. Toda a parte final do comício foi transmitida ao vivo, com os discursos de Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. Mais tarde, a cobertura do comício ocupou 16 dos 21 minutos do Jornal da Globo.

Naquele momento, a pressão dos militares sobre a Rede Globo atingiu o seu ápice. Naquele dia, chegou mesmo a adquirir a forma de intimidação pessoal. Antes de o Jornal Nacional ir ao ar, um helicóptero do Exército sobrevoou de maneira ameaçadora a sede da emissora, no Rio de Janeiro, postando-se na altura da janela da sala do então vice-presidente executivo, Roberto Irineu Marinho.

Novos comícios a favor das eleições diretas realizaram-se em Goiânia, em 12 de abril, e em Porto Alegre, no dia seguinte. O Jornal Nacional cobriu os preparativos para as manifestações nas duas cidades e, com entradas ao vivo em seu noticiário, deu as últimas informações sobre os eventos.

O último grande comício antes da votação da emenda Dante de Oliveira se realizou no dia 16 de abril, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo. Reuniu quase um milhão e meio de pessoas. Grande parte da edição do Jornal Nacional daquele dia foi dedicada à cobertura do evento.

Reportagem de Wilson Fadul sobre comício pelas Diretas em Goiânia (GO), Jornal Nacional, 12/04/1984.

Reportagem de Geraldo Canali sobre comício pelas diretas em Porto Alegre (RS), Jornal Nacional, 13/04/1984.

Reportagens sobre o último grande comício pelas Diretas ,antes da votação da emenda Dante de Oliveira, no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, Jornal Nacional, 16/04/1984.

Dois dias depois, em 18 de abril, o presidente João Figueiredo decretou a adoção, pelo prazo de 60 dias, de medidas de emergência no Distrito Federal e em dez municípios de Goiás. As medidas tinham como executor o general Newton Cruz e incluíam a possibilidade de detenção de cidadãos em edifícios comuns, suspensão da liberdade de reunião e associação, além de intervenção em sindicatos e outras entidades de classe. Foi determinada a censura prévia às emissoras de rádio e de televisão, sendo proibida a transmissão ao vivo de qualquer informação sobre a votação da emenda à Constituição.

O dia anterior ao da votação da emenda Dante de Oliveira foi muito tenso em Brasília. Houve manifestações em favor das Diretas na Esplanada dos Ministérios, e Newton Cruz pôs as tropas na rua para reprimi-las. Apesar de estar impedida de transmitir ao vivo, a Globo conseguiu burlar a proibição, como relata a repórter Sônia Pompeu.

No dia 25, antes da votação da emenda Dante de Oliveira ser iniciada, o Jornal Nacional foi ao ar e exibiu imagens sobre o clima no Congresso. O apresentador Cid Moreira informou que a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, Abert, havia divulgado uma nota de protesto contra a censura de noticiário jornalístico vindo de Brasília.

Trecho da entrevista de Sônia Pompeu ao Memória Globo, em 22/09/2008, sobre a votação da emenda Dante de Oliveira.

Reportagens do Jornal Nacional sobre a votação da emenda Dante de Oliveira, em 25/04/1984.

DEPOIMENTOS AO MEMÓRIA GLOBO

Trecho da entrevista de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (Boni) ao Memória Globo, em 05/05/2000, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Armando Nogueira ao Memória Globo, em 29/11/2001, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Alberico de Sousa Cruz ao Memória Globo, em 15/05/2003, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Woile Guimarães ao Memória Globo, em 03/10/2001, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Antônio Britto ao Memória Globo, em 14/04/2001, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Ernesto Paglia ao Memória Globo, em 15/05/2002, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Álvaro Pereira ao Memória Globo, em 14/02/2004, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Pedro Rogério ao Memória Globo, em 18/02/2004, sobre a campanha pelas Diretas.

Trecho da entrevista de Wianey Pinheiro ao Memória Globo, em 21/09/2001, sobre a campanha das Diretas.