Caso da Bolinha de Papel


  • Ao longo dos anos, a Globo tem sido acusada de adotar posturas questionáveis diante da sociedade brasileira. Essas acusações são infundadas. Nesta seção, o Memória Globo expõe a posição da direção das Organizações Globo sobre cada uma dessas denúncias. Revela que, ao contrário das críticas, as coberturas e acordos considerados suspeitos foram feitos dentro dos princípios éticos da gestão responsável e do jornalismo independente.

2010

No dia 20 de outubro de 2010, o então candidato do PSDB à Presidência, José Serra, fazia uma caminhada com seus correligionários, no bairro carioca de Campo Grande, quando seu grupo deparou-se com outro de petistas, que tentava impedir a caminhada dos tucanos. No tumulto que se seguiu, Serra foi atingido na cabeça por um objeto, posteriormente identificado como um rolo de fita adesiva. O candidato encerrou a caminhada e foi para um hospital particular para fazer exames, que nada de grave constataram. Os jornais na internet noticiaram o fato em tempo real e, depois, publicaram extensa cobertura em suas edições impressas. À noite daquele dia, os noticiários da TV fizeram o mesmo, com exceção do SBT Brasil, que pôs no ar uma reportagem alegando que Serra fora na verdade atingido por uma bolinha de papel. Mais tarde, porém, o próprio SBT, em seu jornal da meia-noite, corrigiu-se, admitindo que Serra fora atingido primeiro por uma bolinha de papel e, depois, em outro momento, por outro objeto. Na noite do dia seguinte, o SBT Brasil, que divulgara a versão da bolinha de papel, fez o mesmo.

Nada disso impediu, contudo, que alguns blogues na internet passassem a difundir insistentemente que Serra não fora atingido por um rolo de fita adesiva e que esta versão, que teria sido desmascarada pelo SBT, fora inventada pela Globo para apoiar os tucanos. A seguir, um relato pormenorizado que desmonta, passo a passo, essa acusação.

Em primeiro lugar, não houve guerra de versões entre o SBT e a Globo. O que houve foi um esforço de reportagem da Folha de S. Paulo, do Estado de S. Paulo, da Globo, do SBT e de outros jornais sérios, para esclarecer os fatos.

No dia 20 de outubro, no dia da caminhada, dos grandes jornais, a Folha de S. Paulo, em seu site, foi o primeiro a noticiar o fato, antes de o Jornal Nacional, da TV Globo, ou qualquer outro, ir ao ar. O título da reportagem, publicada às 14h54, dizia o seguinte:

“Serra leva pancada na cabeça em confusão com militantes do PT no Rio”. No texto, está dito, literalmente: “O presidenciável foi atingido por um rolo de adesivos na testa, logo acima do olho direito. Serra chegou a colocar gelo na cabeça para amenizar a dor, mas não chegou a sangrar.”

Folha.com, 20/10/2010

Você pode ler a íntegra da matéria clicando no link.

Na noite do mesmo dia, o Jornal Nacional levou ao ar uma reportagem sobre o incidente, e também disse que o candidato fora agredido na cabeça “por uma bobina de fita adesiva”. A Editoria Rio, que cobriu a agressão, não tinha dúvidas de que se tratava disso, porque a repórter Mariana Gross, que estava a pouquíssimos metros do candidato momentos antes da agressão (cobrindo o evento para o telejornal local), também foi atingida na cabeça por uma pequena pedra, chegando a sangrar. Posteriormente, ela confirmou esse relato em depoimento à Polícia Federal, no inquérito aberto para apurar o episódio. Leia aqui.

Reportagem de André Luiz Azevedo sobre as agressões ao candidato a presidente José Serra, Jornal Nacional, 20/10/2010.

Na mesma noite, o SBT Brasil exibiu uma reportagem dizendo que Serra tinha sido atingido por “um objeto não identificado”. Na sequência, o repórter caracterizou o objeto como algo que “parece ser uma bolinha de papel”. O repórter prosseguiu sua narrativa dizendo que, “vinte minutos depois”, o candidato Serra “recebe um telefonema e leva a mão à cabeça, que não tem um ferimento aparente.”

Reportagem de Marco Alvarenga sobre as agressões ao candidato a presidente José Serra, SBT Brasil, 20/10/2010.

Na manhã seguinte, os jornais impressos publicaram reportagens relatando que José Serra fora de fato atingido por um rolo de fita adesiva. O Estado de S. Paulo, cuja repórter estava próxima a Serra, publicou o seguinte título na sua primeira página: “No Rio, petistas agridem Serra em evento”. O texto dizia o seguinte:

“No episódio mais tenso da campanha à Presidência, militantes de PT e PSDB entraram em confronto em Campo Grande, zona oeste do Rio. O candidato tucano, José Serra, foi cercado por militantes do PT e acabou atingido por um rolo de adesivos. Serra foi levado a um hospital, dizendo-se “meio grogue”, mas nada foi constatado. Ele acusou o PT de montar “tropa de choque”. O PT do Rio negou que seus militantes tenham sido violentos.” (Nacional/PágA14)

Você pode ver a reportagem completa do Estado de S. Paulo clicando nas imagens abaixo:

O Estado de S. Paulo, 21/10/2010
O Estado de S. Paulo, 21/10/2010

No mesmo dia 21, a Folha de S. Paulo publicou em sua primeira página uma foto de Serra com a mão na cabeça, com o seguinte texto: “DOR DE CABEÇA: Ao lado de Gabeira (PV), Serra (PSDB) toca local em que foi atingido por um rolo de adesivos após briga entre militantes petistas e tucanos no Rio. Pág A8”.

Folha de S. Paulo, 21/10/2010

Na mesma manhã do dia 21 em que os jornais saíam com essa informação, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apoiando-se na reportagem que o SBT levara ao ar na noite anterior, disse numa entrevista no Rio Grande do Sul:

“Ontem, venderam o dia inteiro que esse homem [Serra] tinha sido agredido” (…). “Uma mentira mais grave do que a mentira daquele goleiro Rojas, aquele goleiro do Chile que, no Maracanã, caiu e fingiu que um foguete tinha machucado ele.”

Lula prosseguiu: “Ou seja, primeiro bateu uma bola de papel na cabeça do candidato. Ele nem deu toque pra bola, porque ele olhou pro chão e continuou andando.” E acusou Serra de simular o ataque: “Vinte minutos depois, esse cidadão recebe um telefonema, e a partir do telefonema ele passa a mão na cabeça e vai ser atendido por um médico que foi secretário da Saúde do prefeito Cesar Maia no Rio de Janeiro e foi presidente do INCA quando Serra foi ministro da Saúde.”

Na tarde daquele dia (21/10), contudo, a Folha de S. Paulo deu um furo. Exibiu um vídeo feito por seu fotógrafo mostrando que Serra fora atingido em dois momentos. Primeiramente, por uma bolinha e, depois, por um rolo de adesivos. O título da matéria, publicada às 17h34 do dia 21, diz o seguinte: “Vídeo que mostra bola de papel atingir Serra é anterior a arremesso de um outro objeto.”

Folha.com, 21/10/2010

Você pode ler a reportagem do site da Folha clicando no link.

Naquela tarde, a equipe do JN, com a Editoria Rio à frente, cumpriu sua obrigação de tirar a prova dos nove. Pediu o vídeo da Folha e requisitou ao perito Ricardo Molina que o examinasse para checar a sua autenticidade e verificar que objeto era aquele que atingiu o candidato Serra. O perito concluiu que Serra, de fato, foi atingido por um objeto com a aparência de um rolo de adesivos. E que, em momento anterior, fora atingido por uma bola de papel. O Jornal Nacional daquela noite levou ao ar uma reportagem completa sobre o assunto. A reportagem continha a acusação de Lula, a fala de Dilma, agredida no mesmo dia com um saco de água, e a análise do perito Molina.

Reportagem de André Luiz Azevedo sobre a repercussão das agressões ao candidato a presidente José Serra, Jornal Nacional, 21/10/2010.

Na manhã seguinte, no dia 22 de outubro, os jornais impressos continuaram a publicar reportagens sobre o assunto. O Estado de S. Paulo sustentou o relato segundo o qual um rolo de fita adesiva atingira o candidato Serra e deu como testemunho a palavra de sua repórter, que se encontrava no local da agressão. O texto da primeira página tem o seguinte título: “Violência na campanha opõe Lula e Serra”. O texto dizia o seguinte:

“O presidente Lula qualificou de “mentira descarada” a reação do candidato José Serra (PSDB) após ter sido agredido por petistas, anteontem, no Rio. Segundo Lula, que citou imagens de TV, o tucano foi atingido somente por uma bolinha de papel. Mas a repórter Luciana Nunes Leal, do Estado, que testemunhou o episódio, relata que as imagens mostram um outro momento do tumulto. O tucano reagiu com indignação à acusação de Lula. Para ele, o presidente está ‘dando cobertura a atos de violência’. Em Curitiba, ontem, Dilma Rousseff (PT) também foi hostilizada. (Nacional/Pág A10)”.

A Folha de S. Paulo, na sua edição impressa do dia 22, também reitera que Serra fora atingido em dois momentos. Na primeira página, o título: “Cenas mostram que Serra foi atingido em dois momentos”. Na matéria interior, a Folha diz:

“Imagens feitas pela Folha mostram que o candidato do PSDB à Presidência, José Serra, foi atingido por um objeto circular e transparente durante uma caminhada quarta-feira em Campo Grande, zona oeste do Rio. As imagens foram examinadas pelo perito Ricardo Molina, a pedido da TV Globo, e exibidas ontem à noite no Jornal Nacional. Ele também examinou as imagens exibidas pelo SBT, quando Serra é atingido por um objeto que parece ser uma bolinha de papel. Concluiu que são momentos distintos.”

Folha de S. Paulo, 22/10/2010

O próprio SBT, na noite do dia 22, no SBT Brasil, admitiu que as cenas mostrando a bolinha de papel são anteriores ao ataque com o rolo de fita adesiva.

A versão de que o SBT omitiu o ataque a Serra com o rolo de fita adesiva incomodou tanto o SBT que o diretor de relações institucionais da emissora, Daniel Pimentel Slaviero, enviou carta à revista Veja, defendendo o telejornal SBT Brasil de ter praticado mau jornalismo. Ele diz, na carta, textualmente, que o SBT, ao publicar a matéria sobre a bolinha de papel, não tinha conhecimento do vídeo da Folha, mostrando a agressão. E que tão logo soube do vídeo da Folha, o SBT Brasil, na voz de Carlos Nascimento, disse que Serra fora atingido duas vezes, uma por uma bolinha de papel, outra pelo rolo de fita adesiva. Leia a carta, na íntegra:

“A reportagem intitulada ‘Pau na democracia’ (27 de outubro) faz afirmações sobre o jornalismo do SBT que não correspondem à realidade. São elas: ‘Por fim, a Rede Globo, recorrendo às normas do bom jornalismo, repôs a verdade que o mau jornalismo do SBT surrupiara ao colocar no ar cenas do ocorrido flagrante e maliciosamente editadas’. Em trecho seguinte, afirma: ‘Baseado na reportagem desonesta do SBT…’. Esclarecemos que o telejornal SBT Brasil veiculado no dia do episódio, quarta-feira 20, exibiu apenas as imagens captadas por nossas câmeras, que registraram o incidente com a bolinha de papel. Até aquele momento não tínhamos conhecimento de outro vídeo captado por um jornalista da Folha de S. Paulo, por celular, que mostrava o episódio posterior, em que um rolo de fita crepe atinge a cabeça do candidato Serra. Quando tomou conhecimento desse novo fato, o SBT tratou de registrá-lo no mesmo dia em seu telejornal da meia-noite. No SBT Brasil do dia seguinte, quinta-feira, o apresentador Carlos Nascimento voltou ao assunto, ressaltando que o segundo incidente não fora captado por nossa equipe, mas frisou que o candidato José Serra fora atingido duas vezes em um intervalo de poucos minutos. Registramos nosso desconforto com o fato de VEJA não ter verificado que o SBT noticiou os dois episódios e, a partir desse erro, ter utilizado adjetivos que põem em dúvida nossa credibilidade, sempre o maior ativo de qualquer veículo de comunicação.”

Veja, 03/11/2010

Como demonstrado, não houve, portanto, nenhuma disputa entre SBT e Globo sobre bolinha de papel. Em todo o episódio, o mérito, a bem da verdade, foi da Folha de S. Paulo. Foi o jornal quem noticiou primeiro a agressão a Serra com um rolo de fita adesiva. Foi o jornal quem pôs na internet um vídeo do momento da agressão. O Jornal Nacional, num trabalho independente, confirmou os achados da Folha. E fez mais: como o PT questionou o trabalho do perito Ricardo Molina, a Globo contratou outro perito, Mauricio de Cunto, para que examinasse os mesmos vídeos. De Cunto é um prestigiado perito forense. A emissora não levou ao ar reportagem sobre o laudo dele porque esta seria repetitiva.

Mas o portal G1, do Grupo Globo, publicou. Você pode ler a matéria no link e analisar o relatório do perito na íntegra, que corrobora integralmente o laudo de Molina:

G1, 25/10/2010

O que dizem, portanto alguns blogs sobre o episódio é pura distorção, pura invenção. É algo injusto com os profissionais da Folha de S. Paulo, em primeiro lugar, com os profissionais da Globo, com os profissionais do Estado de S. Paulo e com os profissionais do SBT. A função dos jornalistas é esclarecer os fatos. É o que o Memória Globo faz aqui.