Gloria Perez contou com a colaboração de diferentes pesquisadoras para escrever a novela: Giovana Manfredi, responsável pelas pesquisas sobre deficiência visual; Bianca Freire-Medeiros, autora do livro O Rio de Janeiro que Hollywood Inventou (2005), encarregada das pesquisas sobre imigração ilegal e cleptomania; Lurdes Hernandez, que ajudou na retratação da cultura mexicana; e Sandra Regina, colaboradora antiga da autora, que pesquisou sobre o subúrbio e coreografou todas as cenas de dança, incluindo as sequências no Forró da Vila e os passos country do núcleo de Boiadeiros.
Para desenvolver a história, o diretor Jayme Monjardim e a autora Gloria Perez colheram depoimentos de muitos imigrantes ilegais que se arriscaram na travessia México-Estados Unidos. Gloria Perez quis mostrar na trama como funciona o esquema ilegal, revelando não só os perigos da viagem, mas também como os imigrantes pagam caro pela travessia. Muitos parcelam a dívida e, após conseguirem trabalho no novo país, juntam todo o dinheiro que ganham para pagar as prestações.
Entre 600 mil e um milhão de brasileiros viviam como imigrantes – legal ou ilegalmente – nos Estados Unidos em 2005, segundo as pesquisas feitas pela equipe da novela. O brasileiro era o grupo que mais havia crescido entre os latinos que tentavam cruzar a fronteira pelo México. Em cinco anos, o número de brasileiros detidos na fronteira saltara de 500 para 8.600, em 2004. Uma das razões para esse salto teria origem nos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001: com a mudança drástica na concessão de vistos de entrada nos Estados Unidos – de cada três pedidos, um era negado – a travessia da fronteira virou a alternativa mais procurada.
O diretor Jayme Monjardim sentiu na pele o tratamento dado pela polícia americana aos estrangeiros considerados suspeitos na fronteira dos Estados Unidos com o México. Durante a fase de pesquisas da novela, ele, o ator Thiago Lacerda e uma produtora foram detidos por policiais americanos por estarem gravando imagens do posto de fronteira entre as cidades de El Paso (Texas) e Juarez (México). Só foram liberados após seis horas.
Deborah Secco (Sol) trabalhou durante um dia numa loja da rede McDonald’s, em Boston, nos Estados Unidos, na fase de preparação de sua personagem. Fazendo-se passar por imigrante ilegal, a atriz chegou a lavar o chão da lanchonete. Também foi baby-sitter e garçonete por um dia.
Os atores Maria Mariana, Brunno Abrahão e Guilherme Vieira viveram, respectivamente, os personagens Sol, Tião e Geninho na primeira fase da história.
O personagem de Roberto Bonfim foi inspirado no brasileiro João Geraldo Abussasi, o Jota, dono de uma empresa de serviço de transporte de luxo em Miami e chofer de muitas personalidades que visitam a cidade, como a própria Gloria Perez. O ator passou dez dias com o Jota verdadeiro para entender o universo do personagem.
O diretor Jayme Monjardim e os atores Deborah Secco, Luís Melo, Bete Mendes, Rosi Campos, Juliana Knust, Fernanda Paes Leme, Thiago Lacerda, além de cerca de 20 profissionais da equipe, enfrentaram uma temperatura de quatro graus abaixo de zero para realizar as cenas no deserto e às margens do Rio Grande, que serve de fronteira entre o México e os Estados Unidos.
Segundo o diretor-geral Marcos Schechtman, pela primeira vez eram mostrados os dramas de quem deixa o Brasil, em vez do tema já abordado dos imigrantes que se estabelecem em nosso país.
Ainda na fase de pesquisas, a autora entrevistou deficientes visuais e visitou instituições especializadas, como as Fundações Laramara e Dorina Nowill, em São Paulo, e o Instituto Benjamin Constant, no Rio de Janeiro.
Meses antes do início das gravações, Marcos Frota e Bruna Marquezine passaram dias executando tarefas com uma venda nos olhos, para entrar no universo de seus personagens. A menina Eduarda Emerick, a Duda, de 9 anos, cega de nascença e aluna do Instituto Benjamin Constant, acompanhou Bruna nas gravações para ajudá-la na construção de Flor. Bruna contou, ainda, com o apoio da instrutora de dramaturgia Paloma Riani para a composição da personagem. As cenas de Marcos Frota eram acompanhadas pelo pesquisador e analista de sistemas Bernard Condorcet, deficiente visual.
O cão labrador Quartz tinha 4 anos à época das gravações e saiu de Brasília especialmente para trabalhar na novela. Ele pertencia ao Cão-Guia de Cegos, que, em parceria com a ONG Integra (Instituto de Integração Social e Promoção da Cidadania), era o único projeto na América Latina de formação de treinadores e cães-guias. O cão passou por um período de adaptação ao ator Marcos Frota e permaneceu com ele até o fim da novela, virando o xodó das gravações.
Alguns atores do núcleo rural, como Murilo Benício, Murilo Rosa, Matheus Nachtergaele, José Dumont e Anderson Müller, passaram uma semana na fazenda do empresário Paulo Emílio Marques, dono do touro Bandido, para se ambientarem para as gravações. Murilo Benício ainda passou alguns dias na fazenda do juiz de rodeios Tião Procópio, ex-campeão de rodeios, observando como vivem os peões.
América contou com a participação de pessoas conhecidas no mundo dos rodeios, que representaram eles mesmos na história. Um dos mais assíduos foi o empresário Paulo Emílio Marques. Cerca de 70 animais de sua companhia de rodeios foram usados nas gravações. Sebastião Procópio Ribeiro, o Tião Procópio – que inspirou Gloria Perez na escolha do nome de seu protagonista –, julgou uma competição fictícia em Barretos e participou de cenas no Rio de Janeiro. Também atuaram na trama os irmãos salva-vidas Meio Quilo e Django, o berranteiro Zé Capeta, o narrador Gleydson Rodrigues, o andarilho Pedro da Santa – que repetiu na novela o ritual de carregar uma imagem de Nossa Senhora Aparecida na apresentação dos rodeios, ao som de uma versão de Ave Maria; e a narradora Mara Magalhães – inspiração para a personagem Gil Madureira, de Lúcia Veríssimo.
O touro Bandido
Bandido, animal de 8 anos, 1,70 m e quase uma tonelada à época, virou superstar, rendendo uma série de reportagens e fotos para revistas de celebridades. O touro ganhou fama e passou a ser temido nas competições por ter derrubado mais de 200 peões, que não conseguiram ficar os oito segundo regulamentares da prova montados nele. Em dia de desafio ao touro Bandido, as apostas chegavam a 50 mil reais nos circuitos de rodeio. Bandido permaneceu invencível ao longo da novela no ar.
A sequência em que Tião cai do touro Bandido é uma mescla de cenas de Murilo Benício em São José do Rio Preto com imagens reais do peão Neyliowan Tomazelli sendo atirado pelo touro Bandido a cerca de seis metros de altura, durante uma competição em Barretos. O acidente de Neyliowan o deixou em coma. Segundo o peão, ele sobreviveu por um milagre de Nossa Senhora Aparecida.
Murilo Benício e Murilo Rosa montaram realmente no touro Bandido. Mas apenas para as tomadas de gravação no brete, espécie de curral.
A novela popularizou expressões do mundo dos rodeios, como o “salva-vidas”, um profissional, vestido com roupas espalhafatosas e maquiagem exagerada que distrai os touros para que eles não avancem nos montadores, além de ajudar a reconduzir o animal aos bretes. E “maria-breteira”, apelido das moças que vivem atrás dos peões.
Christiane Torloni mergulhou no drama das cleptomaníacas para interpretar Haydée. Colheu depoimentos, ouviu entrevistas e conversou com psicanalistas para entender a doença.
A relação de Glauco (Edson Celulari) e Lurdinha (Cleo Pires) foi um dos pontos altos da novela, transformando em símbolo sexual a novata Cleo Pires, filha da atriz Gloria Pires e do cantor Fábio Jr. Ficou famosa a forma com que Lurdinha se dirigia a Glauco, chamando-o de “tio” – expressão usada pelos adolescentes para tratar os pais dos amigos. O relacionamento do homem mais velho com a garota que podia ser sua filha dividiu opiniões, mas agradou.
Carreirinha, o personagem de Matheus Nachtergaele, caiu nas graças do público infantil, o que levou a autora a não escrever mais cenas em que o peão se embriagava na história.
Cacau Mello foi escalada para viver a personagem Rose após vencer um concurso do Caldeirão do Huck que dava direito a um papel na novela. Na final do concurso, Cacau venceu Luana Carvalho, filha da cantora Beth Carvalho, que acabou entrando na reta final da trama para fazer a namorada de Radar (Duda Nagle).
Arlete Salles fez uma participação especial no primeiro capítulo da novela, como uma imigrante que conseguiu fazer a travessia ilegal para os Estados Unidos e ter sucesso em seus planos. Para a gravação dessa única cena, feita em um dia, a atriz conversou com uma mulher que viveu essa situação na vida real.
Vera Fischer fez uma participação especial no último capítulo da novela como Úrsula, policial disfarçada que envolve Alex, personagem de Thiago Lacerda, em uma cilada.
Sílvia Buarque, casada com o ator Chico Diaz, ficou grávida durante a novela, daí a solução de fazer com que Ellis engravidasse. A atriz continuou gravando até mesmo após dar à luz na história, deixando a novela pouco antes do nascimento de sua filha, Irene. Sílvia voltou ao final da trama, para gravar o desfecho da personagem.
Uma das polêmicas do último capítulo foi a indefinição sobre o chamado “beijo gay”: se, pela primeira vez na história das telenovelas brasileiras, seria mostrado um beijo entre dois homens, homossexuais, no caso Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro). O assunto rendeu reportagem até na imprensa internacional. Havia grande torcida a favor do beijo, liderada por organizações de homossexuais, mas ele não aconteceu. Apesar de gravada, a cena não foi ao ar. A abordagem do tema e a atuação de Bruno Gagliasso, porém, foram muito elogiadas. A autora Gloria Perez conta que optou por criar um personagem que tivesse dúvida em relação à sua opção sexual e receio de como seria recebido pelos parentes e amigos, caso se declarasse homossexual. Também explorou a reação de Neuta (Eliane Giardini), mãe do rapaz, que tinha dificuldades para aceitar a opção sexual do filho.
Jayme Monjardim deixou a novela um mês após sua estreia. A direção-geral ficou com Marcos Schechtman, que já assinava o cargo junto com Monjardim. Com a saída do diretor de núcleo, América passou por modificações. A música de abertura, a composição Órfãos do Paraíso, criada por Marcus Viana e cantada por Milton Nascimento, foi substituída pela versão de Soy Loco por Ti América, de Caetano Veloso, na voz de Ivete Sangalo. A trilha incidental da novela, também de autoria de Viana, deu lugar a músicas mais vibrantes. A personagem Sol, considerada muito chorona e suspirante, ganhou mais vitalidade e um figurino sensual ao passar a trabalhar como dançarina em uma boate de Miami. Sua motivação ganhou novos contornos: ela passou a precisar do dinheiro obtido nos EUA para viabilizar uma cirurgia do padrasto.
América foi um sucesso de audiência, só comparável à novela anterior, Senhora do Destino (2004), e a O Rei do Gado (1996). Bateu recordes no primeiro e no último capítulo, sendo considerada uma das novelas de maior audiência da história da TV brasileira.
Aílton Graça ganhou o Prêmio Qualidade Brasil de melhor ator revelação de teledramaturgia pela atuação como Feitosa. Foi seu primeiro papel em uma novela da TV Globo. Conhecido como o personagem Majestade do filme Carandiru (2003), Graça já tinha participado de episódios da série A Diarista (2004).
América lançou uma novidade: todas as cenas externas da novela foram gravadas em high definition (HD), para treinamento dos profissionais da emissora.
Lançada no mercado internacional em janeiro de 2006, América foi vendida para Venezuela, Bolívia, Canadá, Portugal e Costa Rica. A novela foi exibida na Índia, em 2008, em dois horários do canal Firangi Channel, que estreou apostando na exibição, em hindu, do melhor da programação mundial. A novela de Gloria Perez marcou a estreia da TV Globo Internacional naquele país.