'Som & Fúria', uma adaptação da série canadense Slings and Arrows, criada por Susan Coyne, Mark McKinney e Bob Martin, mostrou o cotidiano de uma companhia teatral paulista habituada a montar clássicos, especialmente textos de Shakespeare, e enfocou as relações vividas por seus integrantes no palco e fora dele, todos às voltas com estrelismos, fofocas, intrigas, conflito de egos e paixões.
Exibida em 12 episódios, a história se desenrolou a partir dos bastidores das montagens de quatro peças do escritor inglês. À frente da trama, o trio Dante (Felipe Camargo), Elen (Andréa Beltrão) e Lourenço Oliveira (Pedro Paulo Rangel).
No passado, a montagem de Hamlet, de Shakespeare, estrelada pelo apaixonado casal Dante e Elen, sob direção de Oliveira, foi um sucesso e marcou o auge da trajetória profissional dos três. Durante uma das apresentações, entretanto, Dante, que interpretava o protagonista na peça, teve um surto e interrompeu a peça, carregando a mágoa de Elen tê-lo traído com Oliveira. Logo em seguida, o ator foi internado em uma clínica psiquiátrica e, ao ser substituído, o espetáculo não fez mais o mesmo sucesso. O episódio prejudicou as carreiras dos três e causou um grande trauma a cada um. Elen e Oliveira romperam com Dante, e nunca mais o viram.
Cena em que Oliveira (Pedro Paulo Rangel) e Naum (Gero Camilo) assistem à estreia de “Sonho de Uma Noite de Verão”, enquanto Dante (Felipe Camargo) é preso ao recusar-se a entregar sua pequena e falida companhia teatral.
Sete anos depois, Elen é a grande diva da Companhia de Teatro do Estado de São Paulo, dirigida burocraticamente por Oliveira. Os dois praticamente não se suportam mais. A atriz está em um momento de transição profissional, em que se despede dos papéis de princesas para encarar as rainhas. Além disso, enfrenta o medo de envelhecer e a insegurança pela chegada de novos talentos. Elen vive se envolvendo com homens bem mais jovens do que ela, como o musculoso e ingênuo Kleber (Juliano Cazarré), seu mais novo affair.
Oliveira, por sua vez, monta peças sem a criatividade e o vigor da época que considera o ápice de sua carreira e avalia sua fase atual como decadente. Dante, após o período de recuperação psiquiátrica, dirige a pequena e falida companhia teatral alternativa Sans Argent, que, quando começa a minissérie, ensaia uma nova peça. Ele tem uma relação visceral com o teatro e é com esse amor à arte que tenta driblar todas as dificuldades práticas que surgem em seu caminho. Seu temperamento lembra o do próprio Hamlet: dramático, angustiado e um tanto louco. O dramaturgo inglês, aliás, está presente em toda a história, por meio de referências simbólicas. Dante nada mais é do que um Hamlet contemporâneo.
Cena em que Oliveira (Pedro Paulo Rangel), bêbado, liga para Dante (Felipe Camargo). Eles trocam insultos ao relembrar o passado, Oliveira distrai-se, é atropelado e morre.
A minissérie tem início no reencontro desses três personagens. Na noite de estreia de 'Sonho de Uma Noite de Verão', no Teatro Municipal de São Paulo, Oliveira, que dirige pela sétima vez o espetáculo, assiste à TV na coxia, ao lado do sábio e humilde zelador Naum (Gero Camilo) – amigo e conselheiro de atores e diretores da companhia, conhecedor de todos os textos clássicos. É nessa ocasião que Oliveira vê, em um noticiário, Dante ser preso por não pagar o aluguel do pequeno teatro onde ensaia. Ao final da apresentação, ele liga para Dante e relembra o que considera serem os melhores anos de sua vida.
Inteligente e sarcástico, Oliveira tem consciência de que sua criatividade está se esgotando e tem nostalgia dos tempos áureos em que trabalhava com Dante. Ainda muito magoados um com o outro, os dois trocam insultos e acusações. Em seguida, Oliveira, que caminha bêbado pelas ruas do centro de São Paulo, morre ao ser atropelado por um caminhão que transporta presunto. Dante se despedia do diretor, durante a preparação do corpo para o velório, quando é surpreendido pelo fantasma do morto. A partir daí, Oliveira aparece para Dante em todos os momentos da minissérie e passa a avaliar suas ações e sentimentos. Diz, inclusive, que a perturbação de Dante é resultado do que ele ainda sente por Elen. O próprio Dante – seguindo um pedido de Oliveira, deixado em testamento – pede aos agentes funerários que retirem o crânio do morto antes que ele seja enterrado. Oliveira queria que seu crânio fosse usado nas apresentações de Hamlet encenadas no teatro.
Cena em que, durante o velório de Oliveira (Pedro Paulo Rangel), Dante (Felipe Camargo) é surpreendido pelo fantasma do morto. Com Milu Silverstone (Haydée Bittencourt).
Após a morte de Oliveira, a curadora da companhia do Teatro Municipal, Milu Silverstone (Haydée Bittencourt) – uma idealista senhora apaixonada pelo teatro, que luta contra sua mercantilização –, chama Dante para ser o novo diretor artístico interino da companhia. A indicação desagrada ao ambicioso diretor administrativo Ricardo Silva (Dan Stulbach), que, juntamente com a inescrupulosa Graça (Regina Casé), nova diretora do departamento de teatro da Secretaria de Cultura, sonha fazer das apresentações do Teatro Municipal iniciativas lucrativas, focadas no entretenimento, com retorno financeiro garantido. Graça e Ricardo – ambos detestam Shakespeare e acham que o investimento nos clássicos “que ninguém entende” é um desperdício de dinheiro público – envolvem-se amorosamente e fazem tudo para transformar a companhia em uma moderna empresa de musicais.
Em sua nova rotina como diretor artístico do Teatro Municipal, Dante conta com os palpites de Oliveira, com quem dialoga o tempo todo – o crânio do ex-diretor, inclusive, decora sua mesa –, e com a organização e a competência da tímida Ana (Cecília Homem de Mello), a vice-secretária-geral da companhia teatral, responsável por conciliar os conflitos entre artistas e produtores. Dante e Elen, por sua vez, vivem brigando, uma mostra de que não superaram o trauma do passado. Elen é a mais incomodada com a presença de Dante no teatro.
A primeira peça encenada pelo grupo na continuação da temporada de clássicos do Municipal é Hamlet. Um antigo inimigo de faculdade de Dante, Oswald Thomas (Antônio Fragoso), é chamado para assumir o espetáculo. Oswald é um reconhecido e polêmico diretor multimídia, que vê o trabalho de direção como um show de efeitos especiais. Dante abomina as ideias de Oswald, que quer fazer da montagem um projeto pós-moderno, mas segue as orientações do comitê. O ator Jaques Maia (Daniel de Oliveira), galã de novelas, é escolhido pela direção financeira do teatro para estrelar a montagem, com a finalidade de trazer público e visibilidade à peça.
Cena em que a curadora da companhia do Teatro Municipal, Milu Silverstone (Haydée Bittencourt), escolhe Dante (Felipe Camargo) para ser o novo diretor artístico.
Dante é obrigado a aceitá-lo. O diretor, no entanto, enfrenta a fúria dos atores mais antigos da companhia, que torcem o nariz para o novo integrante, discordando de seu método de trabalho: apesar de saber o texto, ele não segue o que está escrito, improvisando as falas. Elen, intérprete de Gertrudes na peça, fica furiosa por ter de contracenar com o rapaz, a quem julga incapaz de fazer Hamlet. O outro problema é Clara (Maria Helena Chira), atriz inexperiente e exagerada. Ela foi escolhida para ser um dos destaques da montagem, no papel de Ofélia, por ser sobrinha de um vereador, além de ter sido indicada por um dos membros do Conselho do Teatro.
Cena em que Dante (Felipe Camargo) dirige Henrique Amado (Daniel Dantas) e Elen (Andréa Beltrão) em “Macbeth”.
As manifestações de hostilidade entre Dante e Oswald culminam em um duelo de espadas na casa de Elen, onde o elenco se reúne para uma comemoração. Todos são levados para a delegacia e obrigados a passar a noite na prisão. Após o incidente, Dante demite Oswald e assume a direção do espetáculo. Graça e Ricardo, por sua vez, conseguem desacreditar Milu diante do Conselho do Teatro, e ela é hospitalizada. Ricardo assume a direção executiva do Conselho e, em conluio com Graça, propõe a montagem de musicais para a próxima temporada. Para tirar Milu definitivamente do caminho, Graça, sem contar nada a Ricardo, vai ao hospital fazer uma apresentação do projeto para a curadora, que entra em coma ao ouvir a proposta da “Shakespearlândia”.
No decorrer dos ensaios, Clara cai do palco ao levar um susto com a iguana de Elen, que, inexplicavelmente, saiu da gaiola. Por conta disso, a atriz é substituída por sua stand in, a idealista e talentosa Kátia (Maria Flor), que já vivia um romance com Jaques. Os jovens atores surpreendem nos ensaios e recebem muitos elogios por sua atuação. No dia da estreia, no entanto, Jaques desaparece após ouvir de Ricardo, no ensaio geral, que ele só foi chamado para a peça por ser um galã, o que o deixa inseguro. Kátia, no entanto, localiza o rapaz. Jaques está em crise: sabe que tem de fazer o trabalho, senão sua atitude covarde vai persegui-lo para o resto da sua vida, mas teme não alcançar sucesso na atuação. Mais um a viver na própria pele a angústia de Hamlet, assim como Dante anos antes.
A peça é encenada e é um sucesso. Sensibiliza até mesmo Ricardo, que, ao ser despertado pela beleza da montagem, rompe com Graça, de cuja falta de escrúpulos já vinha discordando. Apesar de suas fraquezas, que o levam a cair na lábia de pessoas mais espertas do que ele, Ricardo também quer que o teatro sobreviva. E, como responsável pela captação de orçamento, busca maneiras de aumentar as finanças.
Três meses depois, no encerramento da temporada, Jaques deixa a companhia para gravar uma novela na Bahia e convida Kátia para acompanhá-lo, pedindo-a em casamento. A princípio, ela recusa, porque não quer abrir mão de seu sonho, mas, depois, corre ao seu encontro. Elen, por sua vez, é pedida em casamento por Kleber, mas não aceita. Ela e Dante reatam a relação amorosa.O novo texto escolhido para ser encenado é Macbeth, peça cercada pela lenda da maldição (“um passeio pelo inferno”, segundo Oliveira) e que gera mais discussões entre Dante e o fantasma do ex-diretor. A montagem de Macbeth traz o famoso Henrique Amado (Daniel Dantas) no papel do protagonista, e Elen representando Lady Macbeth.
Cena em que, na estreia da peça “Romeu e Julieta”, estrelada por Sarah (Débora Falabella) e Patrick (Leonardo Miggiorin), Dante (Felipe Camargo) e Elen (Andréa Beltrão) fazem as pazes.
A fim de sanar dificuldades financeiras da companhia, que atravessa uma séria escassez de verbas, Ricardo consegue um empréstimo milionário no Ministério da Cultura, prometendo o pagamento assim que a temporada terminar. Para garantir o retorno financeiro do investimento, ele contrata os serviços de Sanjay (Rodrigo Santoro), um excêntrico publicitário que o convence de que sabe a melhor maneira de atrair o público jovem. Sanjay tem um método polêmico e provocador de trabalho, que gera impacto na mídia, mas não passa de um “picareta”. A campanha publicitária desagrada ao público tradicional do teatro, formado por pessoas mais velhas, e muitos antigos espectadores cancelam suas assinaturas.
Na fase dos ensaios, Elen se desentende com Dante por conta de seus diálogos com o imaginário Oliveira, e os dois se separam novamente. Paralelamente, Oswald é chamado de volta à companhia, desta vez para dirigir Romeu e Julieta, em substituição à diretora anteriormente escolhida que, logo no primeiro dia de leitura do texto, cai do palco e quebra o pescoço. O incidente é visto como uma maldição, atribuída a Macbeth. Para piorar, Elen enfrenta problemas com o Fisco por irregularidades em seu imposto de renda. Por conta disso, procura a irmã, com quem não mantém muito contato, para pedir ajuda ao cunhado e, assim, tentar pôr sua papelada em ordem. Durante uma discussão, os dois acabam fazendo sexo, o que deixa Elen culpada e certa de que lida com o sexo como se fosse um jogo de poder.
No dia da pré-estreia de Macbeth, descontente com Henrique, Dante o demite do papel principal e o substitui por Geraldo (Henrique Schafer). Mais uma dor de cabeça para Ricardo, que contava com o prestígio de Henrique no elenco para atrair público ao teatro, já que a campanha publicitária parece não ter dado certo. Sanjay, aliás, é procurado pela polícia e vai preso.
Embora inicialmente inseguro no papel, e apesar de alguns tropeços, Geraldo encena a peça até o fim, e o público presente aplaude calorosamente. Henrique, que estava na plateia em companhia de Alan (Paulo Betti) – ator previamente demitido por Dante –, faz críticas negativas à interpretação de Geraldo, mas Alan mostra que não guardou rancor e elogia o espetáculo. Ele sabe que, de um jeito controverso, Dante conseguiu ótimo desempenho dos atores no palco. O diretor, a pedido de Elen, chama Henrique para reassumir o personagem, levando o ator a encaixar-se na sua visão da peça, o que inclui ficar nu em cena. A montagem atrai grande público, e os ingressos para a temporada esgotam-se. Desta vez, nem o esnobe Bárbaro (Ary França), o crítico de teatro acostumado a falar mal de todas as peças, pode ignorar o grande sucesso do trabalho.
A minissérie termina na estreia da peça Romeu e Julieta, contanto com Sarah (Débora Falabella) e Patrick (Leonardo Miggiorin) como protagonistas. Dante, por meio de uma artimanha, consegue fazer com que Oswald reveja seus conceitos e o que planejara para a montagem, tornando-a mais sensual e apaixonada, bem diferente do que propunha antes.
Dante convida Elen para assistir à apresentação nos bastidores, depois de deixar Oliveira falando sozinho. Ele e Elen reatam novamente o romance, durante a comemoração da trupe teatral no bar dos atores, palco de muitas cenas da trama. No encontro, o porteiro Naum canta e relata, em forma de poesia, como foi parar no Teatro Municipal. Oliveira, solitário, ocupa o balcão do bar, após ser ignorado por Alan, que não o vê.