'Dercy de Verdade' (2012): cena em que Dolores (Heloísa Périssé) – nome de batismo de Dercy Gonçalves -, ainda em sua cidade natal, Madalena, apanha do pai (Walter Breda) por se pintar e é expulsa do coro da igreja pelo padre.
Ainda jovem, Dolores (Heloísa Périssé) foi expulsa do coro feminino da igreja, apesar da belíssima voz. A justificativa: ela cantava mais alto do que as outras meninas; não tinha modos; e se pintava como uma “mulher da vida”. Em plena década de 1920, as pessoas não entendiam uma garota que cortava os cabelos e se maquiava como Theda Bara e Pola Negri, estrelas que ela admirava. Enquanto trabalhava no cinema da cidade como bilheteira, Dolores desejava ser estrela de Hollywood, apesar de não ter ideia de onde ficava. Ela entendia que Madalena não era seu lugar, mas não sabia como sair dali.
Tudo começou a mudarquando chegou à pequena cidade a companhia de teatro Maria de Castro. Pascoal (Fernando Eiras), um dos astros, era um galã que cantava e dançava tango. Percebendo que ali estava sua grande chance, Dolores se apresentou para ele, cantando 'A Malandrinha', uma canção de Freire Júnior. Após ser elogiada por Pascoal, Dolores arrumou as malas e decidiu partir com a companhia. A única pessoa que sabia dos planos de Dolores era Bita (Rosi Campos), sua irmã mais velha.
Os planos de Dolores quase foram por água abaixo quando o policial interrompeu a fuga no trem, levando a jovem e Pascoal para a delegacia, onde deveriam esperar o pai da moça. Apesar das tentativas de Pascoal para explicar que mal se conheciam, a jovem insistia que eles haviam tido uma relação íntima. Diante dos fatos, Manuel consentiu a viagem. Mas avisou a Pascoal que ele teria de cumprir com suas obrigações, ou seja, casar-se com Dolores. E não demorou muito para que os dois ficassem noivos, mas, diferente da imagem que passava, ela queria se casar virgem. A primeira noite de intimidade do casal aconteceu logo após o matrimônio, mas foi um desastre. Eles acabaram vivendo uma grande parceria, apenas como se fossem dois irmãos, nada mais.
Depois que a companhia Maria de Castro se dissolveu, Dolores e Pascoal formaram a dupla “Os Pascoalinos” e passaram a se apresentar em circos e cinemas, cantando e dançando, quase sempre a troco de nada. A vida mambembe dos dois não lhes garantia nem mesmo um prato de comida. Mas eles seguiram, entre altos e baixos, até que Pascoal foi diagnosticado com tuberculose. Dolores, então, foi para São Paulo atrás de trabalhos que lhe assegurassem dinheiro para bancar o tratamento do marido.
Dolores decidiu mudar seu nome para Dercy, inspirada na então primeira-dama, Darcy Vargas. Com o apoio da atriz Isabel de Oliveira (Paula Burlamaqui), foi para São Paulo onde faria sua primeira aparição no teatro Boavista, um dos melhores da cidade. Mas as coisas não saíram como o esperado. Escalada para substituir Otília Amorim, estrela da época, Dercy ficou em pânico quando abriram as cortinas e não conseguiu cantar. Foi vaiada e expulsa do teatro, sob ameaças de nunca mais trabalhar nos palcos paulistas. Sem saber para onde ir, e com a reputação manchada, seguiu o conselho de Isabel e foi trabalhar num bordel. Acontece que a jovem, aparentemente descolada, não sabia nem mesmo se já tinha perdido a virgindade. E, na companhia de Valdemar (Cássio Gabus Mendes), um senhor distinto, começou a chorar e confidenciou-lhe sua história. O sujeito ficou tão comovido que pagou pelo serviço mesmo sem ter tido qualquer relação com ela. Ainda lhe deixou um dinheiro a mais para que pudesse ir para o Rio de Janeiro tentar a carreira de artista.
Dercy, então, comunicou a Pascoal que não tinha mais condições de ficar em São Paulo e que estava de partida para o Rio de Janeiro. Ele decidiu acompanhá-la, e os dois seguiram para a Casa de Caboclo, que funcionava no que havia sobrado do Teatro São José, na Praça Tiradentes. Pascoal conhecia Duque (Júlio Levy) – famoso dançarino de maxixe, que fez sucesso na Europa, nos anos 1910, e também era empresário. Em consideração ao amigo, Duque conseguiu uma oportunidade para “Os Pascoalinos”, mas na primeira apresentação ficou claro que Pascoal já não tinha mais saúde para continuar. A solução foi levá-lo para Madalena, onde receberia os cuidados de Bita (Rosi Campos). Mas finalmente a sorte sorriu para Dercy. Durvalina Ferreira estava doente, e ela foi escalada de última hora para substituí-la no espetáculo com Jararaca (Anderson Di Rizzi) e Ratinho (Hilton Castro). O que tinha tudo para ser uma apresentação normal, não foi. Afinal, tratava-se de Dercy Gonçalves, a rainha do improviso. A apresentação fora do roteiro agradou à plateia. No dia seguinte, seu nome estava em destaque na porta do teatro, e a cuspida já era considerada sua marca registrada.
'Dercy de Verdade' (2012): cena em que Dercy Gonçalves (Heloísa Périssé) assume seu nome artístico perante o pai (Walter Breda), deixa em Madalena Pascoal (Fernando Eiras) – seu primeiro marido, vitimado pela tuberculose -, aos cuidados da irmã, Bita (Rosi Campos), e vai para o Rio de Janeiro, aonde uma oportunidade ocorrida ao acaso a faz, enfim, brilhar nos palcos. Com Valdemar (Cássio Gabus Mendes).
Pascoal morreu um ano depois. E Valdemar, que reencontrou Dercy no Rio de Janeiro durante uma apresentação, tornou-se mais que um fiel espectador da artista. O encontro de Dercy e Valdemar no bordel em São Paulo rendeu-lhe mais do que algum dinheiro para iniciar a vida artística no Rio de Janeiro. Valdemar mostrava-se cada vez mais presente e solidário. Ele percebeu que a atriz não estava bem e, após o diagnóstico de tuberculose, bancou o tratamento dela em um sanatório. Como gratidão, Dercy se entregou a Valdemar, e engravidou. Ele era casado, mas insistiu para que a gestação não fosse interrompida. E, no dia 24 de dezembro de 1934, nasceu Decimar. Este acontecimento mudaria o destino de Dercy para sempre. O fato de Valdemar ser casado a impedia de dar continuidade àquela história. Mas enquanto Valdemar foi vivo cuidou financeiramente de mãe e filha.
'Dercy de Verdade' (2012): cena em Dercy Gonçalves (Fafy Siqueira) conversa com Boni (Bruno Boni de Oliveira), Max Wilson (Mário Wilson) e Haroldo Costa (Pratinha) sobre dois de seus programas na Globo: “Dercy de Verdade” e “Dercy Espetacular”. Em seguida são reproduzidas histórias verídicas ocorridas durante um dos programas. Com Lucinha (Maria Carol Rebello).
Como mãe, Dercy se empenhou para oferecer o melhor para Decimar. Não queria que a filha passasse pelas mesmas coisas que ela tinha vivido. Então, prometeu a si mesma que nunca a deixaria ser humilhada ou pisada por ninguém. Decimar (Bruna Botelho/Samara Felippo) cresceu no Rio de Janeiro. Dercy queria que ela fosse igual às outras meninas e contratou uma governanta francesa para lhe ensinar boas maneiras. A garota também recebia instruções de como se comportar com os rapazes – não podia pegar nas mãos ou beijar em público –, afinal, qualquer deslize era motivo para comentários negativos da vizinhança, que já não via Dercy com bons olhos.
Em uma apresentação circense, Dercy conhece o acrobata Vito Tadei (Ricardo Tozzi). O casal teve uma vida de altos e baixos, pois Vito provocava em Dercy ciúmes e desconfianças. Ele era um mulherengo inveterado. Mas o casal se separou mesmo depois de uma proposta de Vito: ele queria que Dercy o acompanhasse em uma turnê na Europa, mas sem Decimar. Ainda que fosse louca por ele, deixar a filha estava fora de cogitação. Eles se separaram sob juras de amor.
Foi então que apareceu na vida de Dercy o jornalista Augusto Duarte (Tuca Andrada), que conhecia muito bem os bastidores e negócios do Teatro de Revista. Eles se casaram e juntaram o útil ao agradável: ela era uma mina de ouro, e ele tinha visão empresarial. Apesar da fama de mulherengo, Augusto dava uma aparência de respeitabilidade ao domicílio do casal. Mas a relação não durou muito. Quando flagrou o marido com Olympia (Mayana Neiva), Dercy decidiu que não levaria mais aquele casamento adiante e pediu divórcio. Estava cansada das constantes brigas por infidelidade no amor e nas finanças.
Homero Kossak (Armando Babaioff) foi o responsável por sugerir terapia à Dercy (Fafy Siqueira). Ela era apaixonada por ele, mas teve de aceitar ser apenas sua madrinha de casamento com Ana Luisa (Bruna Spínola). Dercy e Homero foram grandes amigos por toda a vida, e Dercy resolveu tentar a psicanálise. Acabou se apaixonando por um de seus terapeutas, Dr. Simão (Daniel Boaventura). Ela se esforçou para conquistá-lo, sendo sempre mal sucedida.
Estrela de tv
Amigo e parceiro de trabalho, Chico Anysio (Nizo Netto) apresentou Dercy Gonçalves a Carlos Manga (Danton Mello), diretor da TV Excelsior, que a convidou para um programa na TV. Ela não cogitava se apresentar sem público, precisava do calor da plateia. Como contraproposta, Manga lhe prometeu um teatro lotado. Logo depois, a atriz estrelava 'Vovô Deville' (1963) e 'Dercy Beaucoup' (1967), com a liberdade que queria. O sucesso era tanto que não demorou até que José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni (Bruno Boni de Oliveira), lhe fizesse outra proposta. Ele queria Dercy na TV Rio. A atriz desejava mesmo escapar de São Paulo para não ver Homero e sua noiva o tempo inteiro. E aceitou. Clô Prado (Drica Moraes), socialite e amiga da atriz, era contra esta decisão. Carlos Manga também ficou desolado. Dercy voltou atrás quando descobriu que a TV Rio não ia bem. De volta à Excelsior, Manga surgiu com uma ideia para escapar da censura: Dercy iria apresentar a programação infantil. Dercy bem que tentou, mas não deu certo.Tempos depois, Boni fez uma nova proposta para a atriz. E logo ela estreou na TV Globo com o programa de variedades 'Dercy de Verdade' (1966).
Dercy Gonçalves começou a carreira na década de 1930. Os espetáculos populares satirizavam os costumes daquele tempo e acabaram por revelar grandes nomes como Chico Anysio, Oscarito, Luz Del Fuego, Araci de Almeida, Carmen Miranda e Araci Cortes .Com muita coragem, jogo de cintura e carisma, Dercy Gonçalves se consagrou como uma das maiores atrizes de seu tempo. Durante anos, foi estrela dos espetáculos de Walter Pinto (Eduardo Galvão), o maior produtor de Teatro de Revista do país. Até que o empresário resolveu investir em atrações estrangeiras, o que fez a comediante perder espaço.