- Ao longo dos anos, a Globo tem sido acusada de adotar posturas questionáveis diante da sociedade brasileira. Essas acusações são infundadas. Nesta seção, o Memória Globo expõe a posição da direção das Organizações Globo sobre cada uma dessas denúncias. Revela que, ao contrário das críticas, as coberturas e acordos considerados suspeitos foram feitos dentro dos princípios éticos da gestão responsável e do jornalismo independente.
1982
Em 15 de novembro de 1982, ocorreram as primeiras eleições diretas para governador após a instauração do regime militar. O pleito envolveu também a escolha de senadores, deputados estaduais e federais, prefeitos e vereadores. As eleições traziam, naquele ano, uma novidade. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) decidiu informatizar pela primeira vez a fase final da apuração, isto é, o somatório dos mapas produzidos manualmente pelas juntas de apuração em cada zona eleitoral. Na maioria dos estados, a responsável pela apuração foi uma empresa estatal, o Serpro. No Rio de Janeiro, para realizar o processamento eletrônico dos dados, o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) contratou a Proconsult. Muitos veículos de comunicação resolveram montar um esquema próprio – paralelo à apuração do TRE – para realizar a totalização dos votos. O jornal O Globo, no Rio, foi um deles. O objetivo era divulgar os resultados das urnas com rapidez e se antecipar aos números oficiais.
A apuração oficial dos votos no Rio foi muito tumultuada. Nos primeiros dias, a totalização da apuração do TRE, realizada pela Proconsult, seguiu um ritmo extremamente lento, enquanto a realizada pelo Serpro nos outros estados já estava avançada. Além disso, nos números divulgados, havia um predomínio dos votos do interior, redutos do PDS, partido de Moreira Franco, o que dava uma visão distorcida do desempenho de Leonel Brizola, candidato do PDT.
A Globo nunca contratou a Proconsult. No Rio, além de divulgar os resultados oficiais, a emissora se baseava nos números de O Globo, responsável por uma totalização própria, realizada a partir dos mapas oficiais apurados pelo TRE (em São Paulo o convênio da TV foi com o jornal O Estado de S. Paulo). O processo do Globo era lento, porque os estagiários que colhiam os dados em cada sessão eleitoral tinham que preencher uma planilha com números dos pleitos majoritários (governadores, prefeitos e senadores) e proporcionais (deputados federais, deputados estaduais e vereadores), um volume grande de informação. Cada planilha, de cada seção, com cerca de 1.000 números, era levada para a sede do jornal. Lá, os números eram digitados novamente para alimentar os computadores. A Rádio Jornal do Brasil, por sua vez, optou por computar somente os votos para governador – apenas cinco candidatos –, o que fez com que seu processo de apuração fosse bem mais rápido.
Outro motivo para a lentidão foi que o jornal O Globo montara o seu esquema preocupado com as suas necessidades industriais. Como o jornal fechava apenas à noite, não havia por que fazer totalizações constantes. O jornal podia depurar as informações e preparar com calma a sua edição ao longo do dia. A TV, ao contrário, tinha que colocar no ar boletins de hora em hora. Foi, portanto, um erro estratégico da Globo atrelar a sua cobertura ao jornal. Não se avaliou bem, na época, que os dois veículos tinham necessidades e lógicas próprias e que as diferenças poderiam gerar dificuldades para a emissora.
É importante lembrar, no entanto, que, no próprio dia 15 de novembro, o programa Eleições 82, comandado pelo jornalista Carlos Monforte, apresentou uma pesquisa de boca de urna realizada pelo Ibope, indicando a provável vitória de Leonel Brizola. O programa exibiu também uma entrevista com o presidente nacional do PDT, feita pelo repórter André Luiz Azevedo.
PROGRAMA ELEIÇÕES 1982 (15/11/1982)
Carlos Monforte apresenta uma pesquisa de boca-de-urna realizada pelo Ibope indicando a provável vitória de Leonel Brizola, Eleições 82, 15/11/1982.
O repórter André Luiz Azevedo entrevista Leonel Brizola, Eleições 82, 15/11/1982.
Em 17 de novembro, no programa Momento do Voto, Sônia Pompeu reafirmou que o candidato do PDT, Leonel Brizola, seria o provável vencedor das eleições. A repórter – que falava ao vivo do Centro de Processamento de Dados de O Globo – esclareceu que os números davam liderança a Moreira Franco porque a apuração no interior, onde o candidato do PDS era forte, estava mais rápida. Mais tarde, Paulo Alceu divulgou os resultados da projeção realizada pelos computadores de O Globo e informou que Brizola ganharia o pleito com uma diferença de 53 mil votos em relação a Moreira Franco.
PROGRAMA MOMENTO DO VOTO (17/11/1982)
Sônia Pompeu reafirma que o candidato do PDT, Leonel Brizola, seria o provável vencedor das eleições, Momento do Voto, 17/11/1982.
O repórter Paulo Alceu divulga os resultados da projeção realizada pelo jornal O Globo e informa que Brizola ganharia o pleito com uma diferença de 53 mil votos em relação a Moreira Franco, Momento do Voto, 17/11/1982.
No mesmo dia, o Jornal Nacional comentou a acirrada disputa pelo governo do Rio de Janeiro. Da bancada do JN, o locutor Berto Filho anunciou a análise de Merval Pereira Filho, editor de Política de O Globo, que falou diretamente do estúdio no Centro de Processamento de Dados do jornal. Merval ressaltou o fato de a maioria dos votos computados até então pertencerem a seções eleitorais do interior do Estado, salientando que, na medida em que as urnas da capital viessem a ser apuradas, a tendência era Leonel Brizola passar à frente de Moreira Franco.
Mas a divulgação dos resultados pelo TRE continuava lenta. E, em 18 de novembro, Leonel Brizola resolveu reunir a imprensa internacional e criticar a morosidade nas apurações. O candidato afirmou que a divulgação de dados contraditórios pelo TRE, pelas Organizações Globo [atual Grupo Globo] e pelo Jornal do Brasil gerava um ambiente confuso e criava um clima favorável à fraude eleitoral.
Merval Pereira Filho, editor de política de O Globo, fala diretamente do estúdio no Centro de Processamento de Dados do jornal, Jornal Nacional, 17/11/1982.
André Luiz Azevedo, ao vivo, durante uma entrevista coletiva de Leonel Brizola à imprensa, Jornal das Sete, 18/11/1982.
André Luiz Azevedo, que estava no local, entrou ao vivo no Jornal das Sete, dando informações sobre a entrevista. O repórter reproduziu a declaração de Brizola de que só uma fraude o faria perder as eleições. Informou ainda que mais detalhes sobre a entrevista seriam apresentados no Jornal Nacional e que Leonel Brizola participaria, naquele mesmo dia, do programa Show das Eleições.
No Show das Eleições, exibido ao vivo, Brizola fez insinuações a respeito dos números divulgados pela Rede Globo. O então diretor da Central Globo de Jornalismo, Armando Nogueira, entrou no ar para contestá-lo, e não aceitou que o candidato colocasse em dúvida a seriedade do trabalho dos profissionais da emissora. Brizola respondeu, então, que estava apenas registrando uma situação existente no Rio de Janeiro, sem considerar, de forma alguma, que houvesse má-fé.
Trecho registrado em áudio com a entrevista de Leonel Brizola, em que o governador reitera que não havia colocado em dúvida o trabalho do TRE e nem da Rede Globo durante as eleições ao governo do Rio de Janeiro, Show das Eleições, 18/11/1982.
Armando Nogueira pediu que Brizola fizesse um desagravo à Rede Globo e ao TRE, afirmando que tanto a emissora quanto os magistrados estavam conduzindo seus trabalhos com precisão e critério. Brizola reiterou que em nenhum momento havia colocado em dúvida o trabalho do TRE e da Rede Globo.
Nos dias seguintes, a apuração continuou tumultuada. Os boletins oficiais emitidos pelos computadores da empresa contratada pelo TRE começaram a apresentar erros: o número de votos de alguns candidatos diminuiu, assim como desapareceram muitos votos brancos e nulos. A empresa não dava nenhuma explicação, o que aumentava ainda mais a confusão.
Em 24 de novembro, Saturnino Braga afirmou, na tribuna do Senado, que a Proconsult, com o apoio das Organizações Globo, estaria manipulando a apuração da eleição, computando somente os resultados favoráveis aos candidatos do PDS e omitindo os boletins que beneficiavam os candidatos do PDT. No dia seguinte, indignado com a acusação, Iram Frejat, coordenador dos trabalhos de apuração de O Globo, escreveu uma carta ao senador rebatendo as acusações.
O jornalista – irmão de José Frejat, candidato a deputado federal pelo PDT – apresentou-se como eleitor de Saturnino e de Brizola e explicou como foi desenhado o sistema de apuração do jornal. Frejat afirmou que não houve nenhuma ocultação de boletins e que os números da eleição foram apresentados na ordem e na velocidade permitida pela apuração feita pelo TRE. Afinal, os dados em que se baseavam as análises do jornal eram retirados dos mapas oficiais das juntas do Tribunal Eleitoral.
Alguns dias depois, o tenente-coronel Haroldo Lobão, responsável pela elaboração do programa da Proconsult, assumiu toda a responsabilidade pelos erros cometidos pela empresa na computação dos votos. O caso, no entanto, ganhou dimensão de escândalo quando, na edição de 27 de novembro, o Jornal do Brasil denunciou que, juntamente com a Rádio Jornal do Brasil, havia sofrido pressões por parte da Proconsult para mudar os resultados que vinha divulgando. Arcádio Vieira, vice-presidente da empresa, teria tentado impor ao jornal e à rádio o seu modelo de projeção, que levava em consideração um aumento dos votos brancos e nulos, chamado por ele de “fator delta”. O JB informou que havia recusado as ofertas de Arcádio Vieira e que, inclusive, demitira seu gerente de Métodos e Sistemas, Tadeu Lanes, que se mostrara receptivo aos argumentos do vice-presidente da Proconsult.
Dias antes de entrar em contato com o JB, Arcádio Vieira havia procurado César Maia, então coordenador do centro de processamento de dados do PDT, dizendo que o sistema de apuração do partido estava errado. Arcádio disse que se preocupava com os reflexos na opinião pública de uma projeção errada, pois tinha certeza de que Moreira Franco ganharia a eleição. Ainda antes da votação, Arcádio Vieira havia proposto também a O Globo que usasse as suas totalizações. O jornal rejeitou a oferta e informou o fato ao TRE no dia 11 de novembro, quatro dias antes do pleito. O juiz eleitoral responsável pela totalização eletrônica, Dalpes Monsores, garantiu na época que seriam tomadas providências para evitar o desvio de material referente à apuração.
Frente às novas denúncias, o TRE resolveu pedir, ainda no dia 27 de novembro, abertura de inquérito na Polícia Federal e aprovou a realização de uma auditoria técnica na Proconsult. Dois dias depois, foi suspensa a divulgação dos boletins sobre as eleições no Rio. Nesse mesmo dia, a Globo noticiou o fato no Jornal das Sete e no Jornal da Globo, e apresentou uma entrevista com Brizola sobre o assunto.
O repórter André Luiz Azevedo anuncia a suspensão da contagem de votos pela Proconsult, Jornal das Sete, 29/11/1982.
Reportagem sobre o início da auditoria na Proconsult, Jornal da Globo, 27/11/1982.
Entrevista com Leonel Brizola sobre o início da auditoria na Proconsult, Jornal das Sete, 27/11/1982.
Em 5 de dezembro, a Proconsult foi considerada apta a continuar a totalização eletrônica dos votos e recomeçou o seu trabalho. No dia 16, os técnicos do Serpro divulgaram o relatório da auditoria feita na empresa e mostraram que a totalização dos votos fora mal planejada e desorganizada. Os juízes do Tribunal Eleitoral concluíram, no entanto, que os erros não foram intencionais.
A Globo acompanhou passo a passo o trabalho de auditoria e o desenrolar do caso com matérias em seus principais telejornais:
Reportagem sobre o recomeço da contagem dos votos pela Proconsult, Jornal Nacional, 07/12/1982.
Reportagem de Leilane Neubarth, sobre o parecer do promotor Celso Fernandes de Barros e abertura de inquérito do caso Proconsult, RJTV, 12/01/1983.
Reportagem de Leilane Neubarth sobre a alteração no programa fonte usado na apuração dos votos pela Proconsult, RJTV, 28/01/1983.
Reportaqem de Leilane Neubarth com o técnico Carlos Alberto Alvares, que fala sobre auditoria realizada pelo Serpro na Proconsult, Jornal da Globo, 10/02/1983.
DEPOIMENTOS AO MEMÓRIA GLOBO
Trecho da entrevista de Armando Nogueira ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 29/11/2001.
Trecho da entrevista de Homero Icaza ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 29/11/2001.
Trecho da entrevista de Woile Guimarães ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 03/10/2001.
Trecho da entrevista de Toninho Drummond ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 03/10/2001.
Trecho da entrevista de Pedro Roza ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 28/05/2001.
Trecho da entrevista de Alberico de Souza Cruz ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 15/05/2003.
Trecho da entrevista de Luiz González ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 07/11/2001.
Trecho da entrevista de André Luiz Azevedo ao Memória Globo sobre o caso Proconsult, 03/11/2003.