Por Memória Globo


  • Ao longo dos anos, a Globo tem sido acusada de adotar posturas questionáveis diante da sociedade brasileira. Essas acusações são infundadas. Nesta seção, o Memória Globo expõe a posição da direção das Organizações Globo sobre cada uma dessas denúncias. Revela que, ao contrário das críticas, as coberturas e acordos considerados suspeitos foram feitos dentro dos princípios éticos da gestão responsável e do jornalismo independente.

1962/1971

A inauguração da TV Globo ocorreu em 26 de abril de 1965. Dois meses depois, Carlos Lacerda denunciaria como ilegais as relações da emissora com o grupo Time-Life. Segundo o então governador da Guanabara, os acordos firmados pela Globo com a empresa norte-americana feriam o artigo 160 da Constituição brasileira, que proibia a participação de capital estrangeiro na gestão ou propriedade de empresas de comunicação. Desencadeou-se, então, uma campanha contra a Globo, que contou com a adesão do deputado João Calmon, presidente da Abert (Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão) e um dos condôminos-proprietários dos Diários e Emissoras Associados, um dos principais grupos de comunicação da época, do qual fazia parte a TV Tupi.

A questão foi levada ao conhecimento do Contel (Conselho Nacional de Telecomunicações), que em junho de 1965 abriu um processo para investigar o caso. Paralelamente, em outubro do mesmo ano, o deputado Eurico de Oliveira apresentou um requerimento à Câmara pedindo a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

No dia 20 de abril de 1966, o próprio Roberto Marinho depôs na CPI. Em seu depoimento, o então presidente das Organizações Globo afirmou que sempre respeitou a proibição de que estrangeiros fossem proprietários ou participassem da gestão de meios de comunicação. Ele explicou aos congressistas que dois contratos haviam sido firmados com o Time-Life, um contrato de assistência técnica e uma conta de participação:

“Sr. Presidente, em meados de 1961 a TV Globo estava em seus primórdios, a TV Globo nesta época ainda pertencia à Rádio Globo, que obtivera a concessão. Nós já tínhamos um terreno, na Rua Von Martius, na Gávea, lugar considerado pelos técnicos como ideal para a instalação de um estúdio de televisão. Já tínhamos um projeto do eminente patrício Henrique Mindlin e já dávamos início às escavações para as fundações. Já tínhamos pago quase totalmente os equipamentos eletrônicos, bastantes para uma emissora de televisão. Já tínhamos começado a organizar os nossos planos de trabalho, já que nós tínhamos um pouco de experiência jornalística e de radiodifusão, mas nenhuma de televisão. Foi neste momento que duas organizações americanas, a NBC e a Time-Life, nos procuraram para participarem conosco do empreendimento que íamos levar a efeito. Embora os dois grupos tivessem chegado quase simultaneamente, as nossas preferências se voltaram para a organização do Time-Life, não só porque se tratava de uma grande organização jornalística como porque essa organização se lançara há alguns anos, com grande êxito, na televisão, passando o seu Departamento de Televisão a ser talvez o mais importante departamento daquela grande organização internacional. Estudamos o assunto detidamente com os nossos advogados, já que o Art. 160 da Constituição veda a propriedade e a direção das empresas jornalísticas e de radiodifusão, o que se pode entender, por analogia, à televisão, a estrangeiros. A propriedade e a direção das empresas jornalísticas, de rádio e televisão só podem ser exercidas por brasileiros natos. Estudamos, como disse, detidamente, e chegamos à conclusão de que poderíamos assinar dois contratos com o Time-Life. Um de assistência técnica, nos moldes de numerosos, de centenas, de milhares de contratos de assistência técnica que são estabelecidos com empresas brasileiras, até mesmo com empresas vedadas, como a Petrobras, a qualquer capital estrangeiro. O outro contrato que achamos poder estabelecer foi uma conta de participação ‘joint venture’, que, como V. Ex.ªs sabem, é um contrato de financiamento aleatório, uma vez que não dá nenhum direito de direção ou de propriedade a uma empresa, apenas participando o financiador dessa empresa dos seus lucros e prejuízos”.

O Globo, 25/04/1966

O Globo, 25/04/1966

Em seguida, Roberto Marinho fez um resumo do contrato de participação e destacou o cuidado que a Globo teve em circunscrever o acordo realizado ao âmbito estritamente financeiro. A cláusula 5ª explicitava que “a contribuição financeira não dava ao Time-Life o direito de possuir ações de capital da TV Globo nem qualquer direitos que as leis brasileiras atribuíam às ações de capital”. Dizia mais esta cláusula que ficava também expressamente entendido “que Time não terá qualquer interferência direta ou indireta na direção ou administração da TV Globo”. Recorrendo à cláusula 11, Roberto Marinho enfatizou a questão: “As partes concordam em que a responsabilidade, conforme o disposto nesse contrato, pelas atividades de transmissão, bem como pelo procedimento intelectual e comercial da TV Globo, recairá exclusivamente sobre os acionistas da TV Globo e Marinho se compromete a assegurar que todas as ações da TV Globo serão sempre pertencentes a brasileiros natos.”

Quanto ao contrato de assistência técnica, que efetivamente vigorou, Roberto Marinho explicou que a empresa Time-Life se comprometia a enviar à Globo, na qualidade de assessor da diretoria, pessoa capacitada no campo da contabilidade. A empresa norte-americana assegurava também o treinamento da equipe da Globo nas especialidades necessárias para a operação técnica.

Um dos pontos mais polêmicos da CPI foi a análise das funções na Globo do assessor enviado pelo Time-Life, Joe Wallach. Os parlamentares queriam saber se havia ingerência de Wallach – que era funcionário do grupo norte-americano – na emissora brasileira e se ele participava das decisões sobre questões financeiras. No seu depoimento, Joe Wallach afirmou que era apenas um consultor, que dava ideias gerais de promoção, de assistência técnica e de compra de mercadorias. Ele disse não ter nenhuma responsabilidade sobre a parte financeira e nem sobre a programação da emissora.

Os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito – que foi presidida pelo então deputado Roberto Saturnino Braga e teve como relator o deputado Djalma Marinho – terminaram em setembro de 1966, com um parecer desfavorável à Globo. Os parlamentares consideraram que os contratos firmados com o Time-Life feriam a Constituição, alegando que a empresa norte-americana estaria participando da orientação intelectual e administrativa da emissora.

Em fevereiro de 1967, o governo federal mudou a legislação sobre concessões de telecomunicações, criando efetivas restrições aos empréstimos de origem externa e à contratação de assistência técnica do exterior. Contudo, tratava-se de um dispositivo legal sem efeito retroativo, e os contratos do Time-Life com a Globo eram de 1962 e 1965.

Em outubro de 1967, o consultor-geral da República Adroaldo Mesquita da Costa emitiu um parecer sobre o caso Globo/Time-Life. Ele considerou que não havia uma sociedade entre as duas empresas. A modalidade jurídica adotada não atribuía ao grupo norte-americano qualquer interferência na gestão da emissora e era legal na época da sua assinatura.

Com o parecer, a situação da Globo ficou oficialmente legalizada. Mesmo assim, Roberto Marinho resolveu encerrar o contrato de assistência técnica com o Time-Life e ressarciu o grupo americano do dinheiro desembolsado. Através de empréstimos, tomados em bancos nacionais, e empenhando todos os seus bens pessoais, pôs fim ao acordo com o Time-Life em julho de 1971.

O Globo, 08/07/1971

O Globo, 08/07/1971

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