Psicologia do Testemunho by Gustavo Noronha de Ávila
A prova testemunhal é baseada, essencialmente, na ideia de que o ser humano, por meio da memória ... more A prova testemunhal é baseada, essencialmente, na ideia de que o ser humano, por meio da memória declarativa episódica (uma espécie de um amplo gênero), tem a especial capacidade de reproduzir, com bastante fidelidade, um evento passado. Ocorre, porém, que as recentes descobertas no campo da psicologia do testemunho atestam que a memória, em verdade, tem se apresentado como um fenômeno mais complexo do que popularmente se acredita. As múltiplas etapas da formação da memória (em especial a codificação, o armazenamento e a evocação) ocorrem por força da atividade simultânea de variadas regiões do cérebro, com influência de aspectos endógenos e exógenos. Por causa dessa afirmação, acredita-se que a memória não é o " resgate " de uma informação previamente armazenada, mas legítimo processo de construção. Essa comple-xidade, como não poderia ser diferente, vem acompanhada de riscos acerca da confiabilidade da memória, cujos dados o Processo Penal não pode ignorar. Ressalta-se, apenas como um dos elementos possíveis, que o tempo pode ter influência na confiabilidade da memória de maneira mais contundente do que se acredita, de maneira que a antecipação da prova testemunhal, sempre que possível, deve ser levada a efeito em nome da melhor solução do caso objeto do processo judicial.
Revista Brasileira de Ciências Criminais, 2021
This paper analyzes the scientific foundations on the Habeas Corpus n. 598,886-SC and its impacts... more This paper analyzes the scientific foundations on the Habeas Corpus n. 598,886-SC and its impacts in relation do eyewitness identification in Brazil. Psychological studies on memory has more than 40 years and has helped on how to improve quality of evidence sourced on memory. We compare the judicial arguments with scientific evidence, as a manner to understand the extension of its internalization by the judges involved on that particular trial. Alternatives to prevent judicial errors determined by illegal and contrary to scientific recommendations procedures are also discussed.
Boletim de Análise Político-Institucional, 2018
A memória frequentemente constitui fator determinante para o deslinde de processos judiciais. A m... more A memória frequentemente constitui fator determinante para o deslinde de processos judiciais. A memória é o coração do testemunho e do reconhecimento, já que o testemunho constitui-se, em sua essência,
nas lembranças que a pessoa conseguiu registrar e resgatar sobre os fatos que ocorreram e o reconhecimento de seus personagens. Quanto mais detalhadas e fidedignas forem estas lembranças, melhor será o testemunho e a capacidade de realizar um reconhecimento correto, e, assim, potencialmente mais elucidativos para o desfecho de um caso. Só que a memória humana não funciona como uma máquina fotográfica ou filmadora! Quando a memória funciona bem, ela pode sim registrar e recuperar informações com muita precisão, mas também pode haver perdas (esquecimento parcial ou total de algum evento e/ou pessoa), como também distorções (falsas memórias acerca de eventos e/ou pessoas). Há mais de três décadas, a psicologia do testemunho tem produzido avanços científicos consistentes acerca da memória humana e suas implicações para o testemunho e o reconhecimento. Porém, no Brasil, o diálogo desse campo do saber com o ramo do direito tem sido bastante tímido. Como possível resultado, ao contrário de vários outros países, nossa legislação ainda não contempla este consolidado conhecimento científico advindo da psicologia do testemunho.
Revista Superinteressante, 2019
Este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos das falsas memórias no que se refere às testem... more Este trabalho tem como objetivo avaliar os efeitos das falsas memórias no que se refere às testemunhas adultas e repercussões das informações por elas trazidas nos processos de criminalização. Para além, buscamos apresentar alternativas de caráter preventivo. Desta forma, identifica as formas de tratamento da questão não só no ordenamento jurídico brasileiro, como também nas neurociências, psicologia do testemunho bem como procura realizar uma aproximação com o sistema penal em sentido mais amplo, ao tratar das criminologias. Esta perspectiva parte do pressuposto da negação do caráter auxiliar da criminologia em relação às demais ciências criminais, para reafirmá-la enquanto critério essencial na interpretação de todo o sistema de controle social. Na perspectiva dos “despistes” da memória trabalhamos não só com as variáveis externas (formas de apreciação e busca dos indícios por parte do delegado de polícia e da prova pelo magistrado e as mídias), como também as internas (processos de sugestionabilidade e indução, além de possíveis alterações da memória que possam levar a problemas quanto à qualidade da informação). Além destas perspectivas, também trabalhamos sobre as interpretações possíveis acerca do sistema penal que possam auxiliar na atenuação do problema. Neste sentido, a abordagem do garantismo penal se mostra bastante próxima daquilo que chamamos de “redução de danos”, ou seja, a partir de reformas pontuais, poderíamos reduzir o problema a níveis toleráveis. A partir do itinerário e da comparação entre as possibilidades garantista e minimalista radical (ou abolicionista), nos filiamos à última em função de sua contundente crítica ao sistema e sua identificação das fraturas do sistema penal como formas de inflição inútil de dor. Também por ser não somente uma interpretação negativa como também propositiva. . Com uma perspectiva abrangente do sistema penal (da investigação preliminar até o processo em si), percebemos a necessidade da redução radical do sistema, de forma a propiciar menores espaços para as persistentes falsas memórias e evitar injustiças para além da mera “redução de danos”.
Palavras-chave: falsas memórias; prova testemunhal; sugestionabilidade; criminologia; sistema penal; processo penal.
Revista de Estudos Empíricos em Direito, 2018
No presente estudo, pretende-se realizar uma discussão sobre o funcionamento (de parte) do sistem... more No presente estudo, pretende-se realizar uma discussão sobre o funcionamento (de parte) do sistema penal em relação à produção de falsas memórias. Assim, observou-se criticamente a investigações de homicídios, em uma Delegacia especializada, com foco nas narrações e suas sujeições a fatores de sugestionabilidade. Essa pesquisa deu-se entre os meses de abril e julho de 2012, em uma delegacia da região metropolitana de Porto Alegre, que trabalha apenas com homicídios. Foram observadas dez oitivas policiais, escolhidas aleatoriamente, envolvendo homicídios consumados ou tentados, sendo aqui descritas as mais emblemáticas delas. Foram acompanhadas as inquirições realizadas por quatro diferentes policiais civis (três deles escrivães e um inspetor), utilizando--se um computador portátil para realizar o diário de
campo, a fim de transcrever a íntegra das perguntas/respostas observadas. Todos os observados participaram voluntariamente, sendo que em nenhuma das oitivas acompanhadas houve recusa por parte
dos envolvidos em relação à presença do pesquisador. Além disso, foi assegurada a confidencialidade durante todo o processo. A partir deste estudo, foi possível notar que raramente há um padrão de inquirição realizado pelos policiais. Inexiste um protocolo pré-definido de como agir, havendo substancial diferença, quanto à qualidade, entre os depoimentos tomados com curta distância de tempo em relação ao
fato e os em que haviam decorrido anos entre o fato e a entrevista. Tais circunstâncias constituem terreno fértil para a geração de falsas memórias e, por via de consequência, privações de liberdade.
Revista Brasileira de Políticas Públicas, 2018
Provas dependentes da memória de uma testemunha podem ser as única evidências de que um crime oco... more Provas dependentes da memória de uma testemunha podem ser as única evidências de que um crime ocorreu. Entretanto, os procedimentos utilizados em oitivas de testemunhas ou reconhecimentos de suspeitos podem alterar a memória original do fato. Tais riscos são ainda maiores dado que no Brasil provas dependentes da memória humana são consideradas provas repetíveis. A repetibilidade desta prova não leva em conta o possível esquecimento de informações, ou a inserção de informações pós evento, que modificam a memória original. Este artigo visa apresentar as capacidades e limitações das provas dependentes da memória humana, comparando como a legislação e procedimentos utilizados para produção dessas provas por atores de justiça. Ao final, são discutidas políticas públicas que podem auxiliar a diminuir a distância entre conhecimento científico e práticas adotadas no nosso país. Se por um lado não é possível mudar o funcionamento da memória humana, é imprescindível pensar em mudanças no sistema de justiça que ajudem a preservar esta prova que deveria ser considerada irrepetível.
Induzidas pela polícia e aceitas pela justiça, falsas memórias condenam inocentes 26/09/18 por Fa... more Induzidas pela polícia e aceitas pela justiça, falsas memórias condenam inocentes 26/09/18 por Fausto Salvadori • 'Nossa tradição punitivista desconfia de inocentes', arma o pesquisador Gustavo Noronha de Ávila, para quem os reconhecimentos sem provas se tornaram 'uma forma rápida de encontrar um culpado'.
A prova testemunhal é uma das mais utilizadas no meio processual penal
brasileiro. Porém, mesmo c... more A prova testemunhal é uma das mais utilizadas no meio processual penal
brasileiro. Porém, mesmo com a Reforma ao Código de Processo Penal
de 2008, ainda existe grande descompasso entre a sistemática legislativa
e os conhecimentos científicos oriundos da Psicologia do Testemunho.
Neste contexto, pretendemos propor a incorporação de um modelo de
produção da prova testemunhal baseada na Entrevista Cognitiva. Na
iminência de um novo Código de Processo Penal, que será produto das
dificuldades de estabelecimento de consensos mínimos em nosso tempo,
a saída da valorização do argumento científico pode prevenir os fluxos
punitivistas que tendem a incrementar a intolerável quantidade de
inocentes condenados.
Resumo: As falsas memórias são distorções da memória que podem impactar determinantemente na aval... more Resumo: As falsas memórias são distorções da memória que podem impactar determinantemente na avaliação de um evento criminoso de interesse do sistema penal. Apesar do crescente interesse pelo tema, poucos trabalhos empíricos têm explorado as consequências práticas do fenômeno. A par disso, questiona-se se é possível medir a sua reper-cussão para o nosso processo penal, bem como se as teses referentes às falsas memórias têm sido aceitas pelo Poder Judiciário e em quais casos. O presente artigo pretende analisar a repercussão do fenômeno das
1 Introdução. 2 Aspectos cognitivos da memória. 3 Prova testemunhal e a memória declarativa episó... more 1 Introdução. 2 Aspectos cognitivos da memória. 3 Prova testemunhal e a memória declarativa episódica: aspectos da sugestionabilidade e a urgência presumida na colheita da prova. 4 É preciso antecipar a prova testemunhal: uma análise a partir da Súmula 455 do STJ. 5 Conclusão. Referências. RESUMO A prova testemunhal é baseada, essencialmente, na ideia de que o ser humano, por meio da memória declarativa episódica (uma espécie de um amplo gênero), tem a especial capacidade de reproduzir, com bastante fidelidade, um evento passado. Ocorre, porém, que as recentes descobertas no campo da psicologia do testemunho atestam que a memória, em verdade, tem se apresentado como um fenômeno mais complexo do que popularmente se acredita. As múltiplas etapas da formação da memória (em especial a codificação, o armazenamento e a evocação) ocorrem por força da atividade simultânea de variadas regiões do cérebro, com influência de aspectos endógenos e exógenos. Por causa dessa afirmação, acredita-se que a memória não é o " resgate " de uma informação previamente armazenada, mas legítimo processo de construção. Essa comple-xidade, como não poderia ser diferente, vem acompanhada de riscos acerca da confiabilidade da memória, cujos dados o Processo Penal não pode ignorar. Ressalta-se, apenas como um dos elementos possíveis, que o tempo pode ter influência na confiabilidade da memória de maneira mais contundente do que se acredita, de maneira que a antecipação da prova testemunhal, sempre que possível, deve ser levada a efeito em nome da melhor solução do caso objeto do processo judicial.
Reportagem do Jornal Zero Hora, que aborda didaticamente a formação da memória e os perigos de su... more Reportagem do Jornal Zero Hora, que aborda didaticamente a formação da memória e os perigos de suas distorções e do esquecimento. Demonstra como pessoas inocentes são condenadas quando aqueles perigos não são levados em consideração. Contém entrevistas com especialistas no tema: Lilian Stein, Gustavo Noronha de Ávila, Alexandre Morais da Rosa.
São discutidas questões elaboradas pela defesa, especialmente em relação às possibilidades do rec... more São discutidas questões elaboradas pela defesa, especialmente em relação às possibilidades do reconhecimento pessoal feito em Delegacia e em Juízo.
Para a atualização de políticas públicas nacionais, a luz deste conhecimento da Psicologia do Tes... more Para a atualização de políticas públicas nacionais, a luz deste conhecimento da Psicologia do Testemunho, faz-se necessário primeiramente conhecer as práticas adotadas pelo nosso sistema judiciário para coleta de depoimentos com testemunhas/vítimas, bem como os procedimentos utilizados para obtenção de reconhecimentos. Todavia, até o momento, inexistem estudos em nosso país que possibilitem traçar um panorama do estado atual deste campo. Em função das dimensões continentais do Brasil, é possível supor a heterogeneidade na condução dos procedimentos. Porém tais circunstâncias precisam ser identi cadas através de técnicas e metodologias de pesquisa próprias para tanto. A presente pesquisa foi desenvolvida com esta meta principal: realizar o primeiro diagnóstico nacional sobre estas práticas para o reconhecimento e a coleta de depoimentos forenses.
O presente relatório está estruturado em três grandes eixos: (1) subsídios científicos, contemplando o estado da arte acerca da Psicologia do Testemunho no que tange o tema em foco; (2) subsídios jurídicos, revisando legislações comparadas que abordam a temática do testemunho e reconhecimento; (3) dois estudos empíricos relativos às práticas brasileiras, investigando desde a coleta de testemunho e de reconhecimento na etapa pré-investigativa (polícia militar), investigativa (polícia civil) e processual. Estes três eixos são discutidos na seção de conclusões, incluindo a abordagem de possíveis limitações da presente pesquisa. Por fim, as implicações dos nossos resultados são articuladas nas considerações finais, com vias a subsidiar políticas públicas e uma possível alteração legislativa.
O presente trabalho pretende apontar as possíveis distorções da memória envolvendo o reconhecimen... more O presente trabalho pretende apontar as possíveis distorções da memória envolvendo o reconhecimento pessoal no processo penal e suas consequências para o projeto de vida do condenado. Para isso, desenvolvemos o estado da arte da psicologia do testemunho para entender como a memória é armazenada, conservada e recuperada e examinamos as interferências que ocorrem durante esse processo. A seguir, tratamos dos efeitos das distorções da memória para a prova penal. As complexidades envolvidas neste processo se tornam ainda mais evidentes quando percebemos que, na prática forense brasileira, existe uma dependência da prova cujo conteúdo é fundamentalmente a memória. Os efeitos do tempo são nefastos sobre a testemunha e sua memória do evento e repercutem, especialmente, na prova testemunhal e no reconhecimento. Nessa perspectiva, o trabalho se propõe a analisar a ocorrência de erros judiciários advindos dos (d)efeitos da memória e seu impacto no projeto de vida do réu. Após conceituar o dano ao projeto de vida e identificar como, em seara processual penal, tal poderia ocorrer notadamente em função de condenações baseadas fundamentalmente em provas dependentes da memória -, concluímos o trabalho com a análise da legislação de Estados norte-americanos que já incorporaram os subsídios científicos mais recentes aos seus procedimentos policiais e judiciais, com vistas a atenuar os persistentes problemas da memória na constituição da prova.
A prova testemunhal é uma das mais utilizadas em âmbito processual. Por outro lado, as entrevista... more A prova testemunhal é uma das mais utilizadas em âmbito processual. Por outro lado, as entrevistas à testemunha podem formar um quadro sugestionável, que pode redundar em falsas memórias. O artigo pretende discutir as vinculações desta situação processual penal com as políticas criminais contemporâneas. Para tanto, lançaremos mão de um referencial teórico crítico para pensarmos em formas efetivas de reduzir a possibilidade de falsas memórias. É necessário discutirmos o próprio catálogo de tipos penais disponíveis, talvez, a principal forma de afastarmos possíveis contaminações a redundarem em privações de liberdade. Abstract: The testimonial evidence is one of the most used in procedural law. However, the interviews of the eyewitness may form a suggestible frame, which can result in false memories. This article discusses the relationship between this situation in the criminal process and the contemporary criminal policies. Therefore, we will take a critical theoretical reference to think about effective ways to reduce the possibility of false memories. It is necessary to discuss the own catalog of criminal types available,
Estas breves linhas pretendem identificar as correlações existentes entre
memória(s) e testemunho... more Estas breves linhas pretendem identificar as correlações existentes entre
memória(s) e testemunho. Para tanto, iniciaremos nosso esforço com as
relações entre a memória biológica e seus efeitos, para após inserirmos elementos cognitivos, psiquiátricos e, por fim, aportes das ciências humanas. Neste momento torna-se (quase) irresistível não aderir às figuras utilizadas, inclusive, por Bergson para tentar explicar (sem olvidar da natural simplificação que se segue) as estruturas cerebrais. Ao estabelecer a importância das neurociências para nosso estudo, tenta-se transcender às amarras jurídicas a fim de trazer alguma luz e diminuir alguma opacidade acerca do tema da memória.
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Psicologia do Testemunho by Gustavo Noronha de Ávila
nas lembranças que a pessoa conseguiu registrar e resgatar sobre os fatos que ocorreram e o reconhecimento de seus personagens. Quanto mais detalhadas e fidedignas forem estas lembranças, melhor será o testemunho e a capacidade de realizar um reconhecimento correto, e, assim, potencialmente mais elucidativos para o desfecho de um caso. Só que a memória humana não funciona como uma máquina fotográfica ou filmadora! Quando a memória funciona bem, ela pode sim registrar e recuperar informações com muita precisão, mas também pode haver perdas (esquecimento parcial ou total de algum evento e/ou pessoa), como também distorções (falsas memórias acerca de eventos e/ou pessoas). Há mais de três décadas, a psicologia do testemunho tem produzido avanços científicos consistentes acerca da memória humana e suas implicações para o testemunho e o reconhecimento. Porém, no Brasil, o diálogo desse campo do saber com o ramo do direito tem sido bastante tímido. Como possível resultado, ao contrário de vários outros países, nossa legislação ainda não contempla este consolidado conhecimento científico advindo da psicologia do testemunho.
Palavras-chave: falsas memórias; prova testemunhal; sugestionabilidade; criminologia; sistema penal; processo penal.
campo, a fim de transcrever a íntegra das perguntas/respostas observadas. Todos os observados participaram voluntariamente, sendo que em nenhuma das oitivas acompanhadas houve recusa por parte
dos envolvidos em relação à presença do pesquisador. Além disso, foi assegurada a confidencialidade durante todo o processo. A partir deste estudo, foi possível notar que raramente há um padrão de inquirição realizado pelos policiais. Inexiste um protocolo pré-definido de como agir, havendo substancial diferença, quanto à qualidade, entre os depoimentos tomados com curta distância de tempo em relação ao
fato e os em que haviam decorrido anos entre o fato e a entrevista. Tais circunstâncias constituem terreno fértil para a geração de falsas memórias e, por via de consequência, privações de liberdade.
brasileiro. Porém, mesmo com a Reforma ao Código de Processo Penal
de 2008, ainda existe grande descompasso entre a sistemática legislativa
e os conhecimentos científicos oriundos da Psicologia do Testemunho.
Neste contexto, pretendemos propor a incorporação de um modelo de
produção da prova testemunhal baseada na Entrevista Cognitiva. Na
iminência de um novo Código de Processo Penal, que será produto das
dificuldades de estabelecimento de consensos mínimos em nosso tempo,
a saída da valorização do argumento científico pode prevenir os fluxos
punitivistas que tendem a incrementar a intolerável quantidade de
inocentes condenados.
O presente relatório está estruturado em três grandes eixos: (1) subsídios científicos, contemplando o estado da arte acerca da Psicologia do Testemunho no que tange o tema em foco; (2) subsídios jurídicos, revisando legislações comparadas que abordam a temática do testemunho e reconhecimento; (3) dois estudos empíricos relativos às práticas brasileiras, investigando desde a coleta de testemunho e de reconhecimento na etapa pré-investigativa (polícia militar), investigativa (polícia civil) e processual. Estes três eixos são discutidos na seção de conclusões, incluindo a abordagem de possíveis limitações da presente pesquisa. Por fim, as implicações dos nossos resultados são articuladas nas considerações finais, com vias a subsidiar políticas públicas e uma possível alteração legislativa.
memória(s) e testemunho. Para tanto, iniciaremos nosso esforço com as
relações entre a memória biológica e seus efeitos, para após inserirmos elementos cognitivos, psiquiátricos e, por fim, aportes das ciências humanas. Neste momento torna-se (quase) irresistível não aderir às figuras utilizadas, inclusive, por Bergson para tentar explicar (sem olvidar da natural simplificação que se segue) as estruturas cerebrais. Ao estabelecer a importância das neurociências para nosso estudo, tenta-se transcender às amarras jurídicas a fim de trazer alguma luz e diminuir alguma opacidade acerca do tema da memória.
nas lembranças que a pessoa conseguiu registrar e resgatar sobre os fatos que ocorreram e o reconhecimento de seus personagens. Quanto mais detalhadas e fidedignas forem estas lembranças, melhor será o testemunho e a capacidade de realizar um reconhecimento correto, e, assim, potencialmente mais elucidativos para o desfecho de um caso. Só que a memória humana não funciona como uma máquina fotográfica ou filmadora! Quando a memória funciona bem, ela pode sim registrar e recuperar informações com muita precisão, mas também pode haver perdas (esquecimento parcial ou total de algum evento e/ou pessoa), como também distorções (falsas memórias acerca de eventos e/ou pessoas). Há mais de três décadas, a psicologia do testemunho tem produzido avanços científicos consistentes acerca da memória humana e suas implicações para o testemunho e o reconhecimento. Porém, no Brasil, o diálogo desse campo do saber com o ramo do direito tem sido bastante tímido. Como possível resultado, ao contrário de vários outros países, nossa legislação ainda não contempla este consolidado conhecimento científico advindo da psicologia do testemunho.
Palavras-chave: falsas memórias; prova testemunhal; sugestionabilidade; criminologia; sistema penal; processo penal.
campo, a fim de transcrever a íntegra das perguntas/respostas observadas. Todos os observados participaram voluntariamente, sendo que em nenhuma das oitivas acompanhadas houve recusa por parte
dos envolvidos em relação à presença do pesquisador. Além disso, foi assegurada a confidencialidade durante todo o processo. A partir deste estudo, foi possível notar que raramente há um padrão de inquirição realizado pelos policiais. Inexiste um protocolo pré-definido de como agir, havendo substancial diferença, quanto à qualidade, entre os depoimentos tomados com curta distância de tempo em relação ao
fato e os em que haviam decorrido anos entre o fato e a entrevista. Tais circunstâncias constituem terreno fértil para a geração de falsas memórias e, por via de consequência, privações de liberdade.
brasileiro. Porém, mesmo com a Reforma ao Código de Processo Penal
de 2008, ainda existe grande descompasso entre a sistemática legislativa
e os conhecimentos científicos oriundos da Psicologia do Testemunho.
Neste contexto, pretendemos propor a incorporação de um modelo de
produção da prova testemunhal baseada na Entrevista Cognitiva. Na
iminência de um novo Código de Processo Penal, que será produto das
dificuldades de estabelecimento de consensos mínimos em nosso tempo,
a saída da valorização do argumento científico pode prevenir os fluxos
punitivistas que tendem a incrementar a intolerável quantidade de
inocentes condenados.
O presente relatório está estruturado em três grandes eixos: (1) subsídios científicos, contemplando o estado da arte acerca da Psicologia do Testemunho no que tange o tema em foco; (2) subsídios jurídicos, revisando legislações comparadas que abordam a temática do testemunho e reconhecimento; (3) dois estudos empíricos relativos às práticas brasileiras, investigando desde a coleta de testemunho e de reconhecimento na etapa pré-investigativa (polícia militar), investigativa (polícia civil) e processual. Estes três eixos são discutidos na seção de conclusões, incluindo a abordagem de possíveis limitações da presente pesquisa. Por fim, as implicações dos nossos resultados são articuladas nas considerações finais, com vias a subsidiar políticas públicas e uma possível alteração legislativa.
memória(s) e testemunho. Para tanto, iniciaremos nosso esforço com as
relações entre a memória biológica e seus efeitos, para após inserirmos elementos cognitivos, psiquiátricos e, por fim, aportes das ciências humanas. Neste momento torna-se (quase) irresistível não aderir às figuras utilizadas, inclusive, por Bergson para tentar explicar (sem olvidar da natural simplificação que se segue) as estruturas cerebrais. Ao estabelecer a importância das neurociências para nosso estudo, tenta-se transcender às amarras jurídicas a fim de trazer alguma luz e diminuir alguma opacidade acerca do tema da memória.
PALAVRAS-CHAVE: Política criminal; criminologia; redes sociais; punitivismo; mídias.
ABSTRACT: From the beginning of the century, Ferrajoli´s penal guaranteeism has been accepted by several Brazilian jurists. Foregrounded on neo-contractualism, the political-criminal trend aims at the rationalization the punishing authority. It is different from the classical minimalist perspectives since it contains a pessimist strain with regard to the exercise of Penal Law, with a trend towards abuse. Skepticism does not mean overcoming the bases of the State´s law reinforcement apparatus. Current paper problematizes Ferrajoli´s criticism against the Abolitionists´flows.
Palavras-chave: abolicionismos penais; liberdade; esquerda punitiva.
mídia na construção do punitivismo penal enquanto solução para as questões sociais. Nessa lógica não há direitos ou garantias a serem preservados; a “paz” social é o interesse maior.
Debatem a política antidrogas adotada pelo Brasil, legitimadora na identificação de Matemático como inimigo a ser eliminado, independentemente dos meios utilizados ou de desrespeito a direitos constitucionalmente afirmados. A partir de um desabafo de uma policial militar por ocasião da manifestação crítica a respeito do fato pelo autor do artigo em uma rede social, os autores revelam o que parece ser o pensamento dominante na sociedade como um todo: a polarização entre “cidadãos de bem” e “bandidos”, o desprezo por direitos e garantias, se for para o “bem de todos”, e o fracasso do sistema penal naquilo que se propõe fazer. E, a partir daí, propõe o abolicionismo penal enquanto uma alternativa para uma resposta ao punitivismo crescente no Estado e na sociedade brasileiros.
the objective of the research was to enlighten if there is compliance with
the principle of presumption of innocence by the media. Using Lawrence
Bardin’s content analysis methodology, as well the qualitative analysis,
were analyzed the collected data from a empirical research done through
interviews with the Maringá’s TV broadcasters, being the data collected
from the application of semi structured questions. The analysis made
possible to form a set of data able to demonstrate the vision and application of the presumption of innocence principle in the elaboration
of the news.
de direitos da personalidade como a liberdade e a vida, inerentes à dignidade da pessoa humana, e motiva reações contundentes de grande parte de juristas, organizações internacionais, associações de defesa dos direitos humanos,
etc., sendo que o próprio Supremo Tribunal Federal se viu, em agosto de 2015, confrontado com uma realidade que o fez declarar um “Estado de Coisas Inconstitucional” nas prisões brasileiras. E para tentar mitigar a problemática do encarceramento sem julgamento, e muitas vezes sem lógica, foi que, através das Resoluções 213 e 214 do CNJ, se deu densidade normativa ao previsto no art. 9º, “3”, do Pacto Internacional de Direito Civis e Políticos das Nações Unidas e art. 7º, “5”, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, fazendo emergir no sistema jurídico pátrio as Audiências de Custódia. Por meio de pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, bem como através de investigação de dados estatísticos, o presente trabalho se propõe a analisar de forma breve tais audiências, sua previsão normativa e importância, além de, ao fim, fazer considerações acerca da polêmica questão da admissão ou não da análise de mérito em tais audiências, discorrendo acerca do melhor momento da produção da prova penal segundo a Psicologia
do Testemunho.