Meta permitirá discurso de ódio para aumentar lucros, alertam especialistas da USP

Antropóloga e especialista em comunicação veem o novo discurso trumpista de Mark Zuckerberg como uma estratégia empresarial

 Publicado: 10/01/2025 às 15:54

Texto: Isabela Nahas*

Mark Zuckerberg, dono da Meta, que possui algumas das maiores redes sociais do mundo - Foto: Jason McELweenie/Wikimedia Commons/CC BY 2.0

Especialistas da USP dizem que as novas diretrizes da Meta irão aumentar a quantidade de discursos de ódio contra minorias sociais. Dois professores consultados pelo Jornal da USP, especialistas no meio digital, concordam que Mark Zuckerberg, cofundador e acionista controlador da Meta, nunca foi contra discursos extremistas e que a decisão da empresa de permitir a disseminação de violência de gênero e sexualidade é uma estratégia para aumentar os lucros.

A Meta anunciou na última terça-feira (7) que irá permitir “acusações de anormalidade mental relacionadas a gênero ou orientação sexual” em todas as suas redes sociais. A homossexualidade não é considerada doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 1990 e a homofobia é crime equivalente ao racismo no Brasil. O abandono da moderação de conteúdos que veiculam discursos de ódio contra mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ faz parte das novas diretrizes da comunidade que passarão a vigorar nas plataformas Facebook, Instagram e Threads.

As novas diretrizes foram anunciadas com a publicação de um vídeo de Zuckerberg. No discurso do empresário, as mudanças irão simplificar a moderação e reduzir a quantidade de publicações excluídas injustamente. Além disso, ele classificou as ações dos moderadores independentes como “censura” e falou que discursos sobre gênero e imigração são permitidos na televisão e nos debates políticos e, por isso, deveriam também aparecer nas redes sociais. 

Na prática, isso significa que ofensas graves, como chamar homossexuais e transexuais de “doentes mentais” ou dizer que mulheres não poderiam ocupar certos cargos, serão permitidas. Para Luli Radfahrer, professor de Comunicação Digital da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e Carolina Parreiras, coordenadora do Laboratório Etnográfico de Estudos Tecnológicos e Digitais (Letec) da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, trata-se de um “retrocesso”.

“É claro que isso vai impactar muito essas pessoas [as minorias sociais], mas o que elas devem fazer é ignorar tais discursos”, sugere Radfahrer. Já Carolina diz que aqueles que forem atacados possuirão apenas a alternativa de fazer uma denúncia às autoridades de seu próprio país.

Para Radfahrer, o Facebook e o Instagram passarão a funcionar de forma semelhante a outras plataformas que contam com fiscalização descentralizada, como o Reddit, o que deve levar a um aumento significativo dos discursos de ódio. Carolina Parreiras também acredita que haverá mais publicações racistas em circulação. 

Radfahrer compara as redes sociais com “condomínios fechados” de classe alta, em que homossexuais ou pessoas transgênero, por exemplo, não são barradas, mas, ao entrarem, se deparam com discursos preconceituosos.

Geopolítica das redes sociais

Em 2016, o Facebook recebeu críticas com relação à propagação de fake news na plataforma durante a primeira campanha presidencial de Donald Trump. Zuckerberg respondeu, em um post, que levava a desinformação a sério e estava procurando parcerias com agências de fact-checking para melhorar a checagem de informações. Em 2021, na esteira da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, as contas do Instagram e Facebook de Trump foram banidas por tempo indeterminado. Segundo o empresário, o então presidente estadunidense, em final de mandato, violou as normas das plataformas ao “incitar insurreição contra um governo democraticamente eleito”.

Agora, com as mudanças nas regras e o abandono da equipe profissional de verificação de fatos pelo sistema de notas da comunidade, o dono da Meta afirma que seu objetivo é “proteger a liberdade de expressão no mundo todo”. Ele se alinha ao discurso de Donald Trump, às vésperas da posse presidencial, que acontecerá em Washington no dia próximo dia 20. O empresário anunciou que contará com a ajuda de Trump para “pressionar governos ao redor do mundo que forçam a censura de empresas americanas”. Elon Musk, dono do X e aliado do presidente eleito, elogiou as novas diretrizes, chamando-as de “maneiras”.

Luli Radfahrer avalia que a repentina mudança de opinião do empresário, que se declarava contrário aos discursos de Trump, é uma estratégia pragmática para aumentar os lucros e se alinhar aos ideais do novo governo. 

"Essa mudança é decepcionante, mas não surpreendente, porque é previsível."

Luli Radfahrer - Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Luli Radfahrer, professor da ECA-USP e diretor do laboratório de pesquisa acadêmica IDEIA – Interfaces Digitais, Experiências e Inteligências Artificiais - Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Carolina Parreiras concorda que a nova visão de Mark Zuckerberg é estratégica. “Cathy O’Neil tem um livro chamado A Máquina da Vergonha, que afirma que o ódio gera muito mais lucro para essas empresas do que algo positivo”, comenta a pesquisadora. Cathy O’Neil é uma matemática estadunidense com diversos livros publicados sobre algoritmos, internet e relações humanas. A obra A Máquina da Vergonha foi eleita um dos melhores livros do ano pelo The New York Times em 2022.

Tanto Luli Radfahrer quanto Carolina Parreiras opinem que as novas diretrizes da Meta deverão tornar as redes sociais mais perigosas para grupos como mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+. Eles lembram que as plataformas nunca chegaram a barrar todos os discursos de ódio de grande alcance. O que muda agora é que, com a reeleição de Trump, Zuckerberg tem um aval político para mudar suas normas.

"Apesar das várias promessas que fez, o Facebook nunca conseguiu coibir esses discursos de ódio, essas várias violências."

Carolina Parreiras - Foto: Arquivo Pessoal

Carolina Parreiras, pesquisadora da FFLCH e especialista em Antropologia Digital - Foto: Arquivo pessoal

Radfahrer considera que as empresas donas de redes sociais têm uma influência tão grande que não há como barrar as decisões de seus donos, mesmo que elas contrariem as leis de vários países onde atuam. Como exemplo, ele cita o X, antigo Twitter, que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes mandou desativar por um mês, mas que, logo depois, voltou a ser utilizado no Brasil. 

Apesar da empresa não ter declarado o início oficial das mudanças, elas já podem ser vistas em alguns dispositivos. As cores de fundo dos bate-papos do Messenger, que podem ser escolhidas, agora não têm mais referência a siglas e palavras da comunidade LGBTQIAPN+. O tema “orgulho” virou “arco-íris”, “transgênero” se tornou “algodão-doce” e “não binário” é “pôr do sol dourado”. Para algumas pessoas, os dois últimos temas nem estão mais disponíveis.

*Estagiária sob supervisão de Silvana Salles


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