O Globo, 02/12/1984
Está escolhido o futuro presidente da República pela maioria incontestável do povo brasileiro, cujo pronunciamento se antecipou ao do colégio eleitoral.
Houve neste país uma verdadeira eleição direta, sem urnas. Realizou-se nas grandes manifestações populares — as maiores da nossa história —, nos depoimentos a bem dizer unânimes das figuras nacionais mais representativas e das entidades de classe, em todos os Estados da federação, que se identificaram no propósito de se completar o projeto de abertura numa atmosfera de conciliação e respeito s instituições. O candidato da Aliança Democrática soube interpretar essa aspiração. Por isso, o povo o elegeu. A legitimidade dessa eleição não foi conferida somente por sua forma jurídica, mas antes de tudo por sua autenticidade política.
Quanto ao outro candidato, cuja tenacidade e ânimo de luta não se acham em discussão, não logrou em suas aparições e seus pronunciamentos conquistar a confiança da nação, podendo-se, sem deselegância, apontá-lo como inexoravelmente derrotado.
Definidos nitidamente os campos do vencedor e do vencido, eis que surgem de ambos os lados duas atitudes surpreendentes. Tancredo Neves propõe criar um elemento complicador. Nada menos que um referendo, depois da vitória no Colégio Eleitoral. Não podemos duvidar da honestidade de seus propósitos. Acreditamos que esteja falando de uma consulta séria e rigorosa, a se desenvolver em todo o território nacional, e cuja realização exigiria mobilização de recursos e meios que um governo empenhado em resolver a crise econômica e social do país teria de desviar para a confirmação extemporânea de sua legitimidade.
Paulo Maluf anuncia o propósito de realizar amanhã um discurso cujo tema e os motivos que o levam a fazê-lo não quis adiantar aos jornalistas. A opinião pública receberia com naturalidade o discurso do orador de segunda-feira, não fora tratar-se da primeira vez que vai ocupar a tribuna da Câmara, desde que foi eleito há dois anos. Comprova-se assim que o seu mandato de deputado jamais foi utilizado para debater os graves problemas que afligiram a nação no biênio 83 e 84. Usou-o somente como passaporte para a frustrada viagem presidencial.
O povo brasileiro manifestou o seu desejo de que seja implantada uma era de respeito à pessoa humana pelo atendimento de suas indeclináveis necessidades de ordem material e moral, bem como de cumprimento dos objetivos permanentes do país. Cabe à classe política conduzir-se à altura desses anseios, encarando os próximos anos como uma transição histórica que exige espírito de colaboração, ânimo de trabalho e, acima de tudo, senso de responsabilidade.
Roberto Marinho. O Globo, 02 de dezembro de 1984.