Em 1910, quando era diretor da Gazeta de Notícias, Irineu Marinho começou a articular o lançamento de seu próprio jornal. O projeto foi sendo amadurecido com amigos e companheiros da redação, entre eles o escritor Paulo Barreto, já então conhecido do público pelo pseudônimo de João do Rio.
Com cerca de 100 contos de réis emprestados pelo próprio João do Rio, pelo empresário teatral Celestino da Silva, pelo fazendeiro Avelino Chaves, do Acre, além de pequenas quantias oferecidas pelos companheiros de profissão, Irineu Marinho conseguiu comprar o maquinário e lançar o vespertino. A redação ficava no Largo da Carioca, número 14, no coração da então capital federal, e as oficinas foram instaladas na Rua do Carmo.
A primeira edição da Noite foi para as ruas no dia 18 de junho de 1911. Na primeira página, deu destaque à viagem do presidente Hermes da Fonseca ao norte do país, em excursão de propaganda eleitoral para os candidatos governistas. Alertou os seus leitores sobre uma possível epidemia de cólera, e publicou a primeira reportagem de uma série sobre as péssimas condições sanitárias dos quiosques da cidade. O jornal trazia seções com notícias parlamentares, colunas com comentários políticos, sociais e culturais, e o clássico folhetim. No número de estreia, A Noite iniciou a publicação do romance 'O Retrato de Dorian Gray', de Oscar Wilde, traduzido por João do Rio.
A Noite saía no final da tarde, por volta das 18h, e procurava noticiar em primeira mão os acontecimentos daquele dia, antecipando-se aos matutinos do dia seguinte. O jornal apostou na temática popular, na linguagem acessível, na crítica política e na pauta dos problemas da cidade para alavancar as vendas e, com isso, garantir sua independência financeira e política. Logo conquistou o público carioca e chegou a tiragens de mais de 100.000 exemplares, número impressionante para a época.
Em suas memórias, o escritor Nelson Rodrigues escreveu sobre o amor dos cariocas ao jornal de Irineu Marinho:
Sim. A Noite foi amada por todo um povo. Penso nas noites de minha infância, em Aldeia Campista. O jornaleiro vinha de porta em porta. Os chefes de família ficavam, de pijama, no portão, na janela, esperando. E lá, longe, o jornaleiro gritava: – A Noite, A Noite!. Ainda vejo um sujeito, encostado num lampião, lendo à luz de gás o jornal de Irineu Marinho. Estou certo de que se saísse em branco, sem uma linha impressa, todos comprariam A Noite da mesma maneira e por amor (A Menina sem Estrela, 1967).
Entre os colaboradores de primeira hora do jornal, estavam Joaquim Marques da Silva, sócio principal de Irineu Marinho até 1918; o repórter Castellar de Carvalho; Victorino de Oliveira; Artur Marques; Alcides Silva; Raphael de Borja Reis; Eustáquio Alves; João Alfredo Pereira Rego; João Antônio Brandão, jornalista responsável pela coluna Ecos e Novidades; Astarbé Rocha; Ferreira dos Santos; Josephino de Moraes e Augusto Rodrigues Ferreira. Logo outros importantes colaboradores uniram-se ao grupo, entre eles Mário Magalhães, Oséas Mota, Maurício de Medeiros e o grande amigo de Irineu Marinho, Antônio Leal da Costa.
Grandes reportagens
Uma das grandes inovações de A Noite foi a realização de reportagens investigativas nas quais a equipe do jornal chegava a interferir diretamente nos fatos, com os repórteres atuando, incógnitos, para fazer uma denúncia. Destacaram-se reportagens como 'Palácio dos Suplícios', na qual um jornalista se internou num asilo para mostrar o tratamento aos internos; 'Fazedoras de Anjos', que contou com uma colaboradora do jornal para denunciar a prática ilegal do aborto; 'Como é fácil roubar!', na qual os repórteres conseguiram 'furtar' vários objetos de museus e bibliotecas cariocas, demonstrando como era frágil o sistema de segurança dessas instituições; 'Duas semanas entre os mendigos', sobre a indústria da mendicância no Rio de Janeiro; entre muitas outras. As mais memoráveis, no entanto, foram as reportagens que ficaram conhecidas como as do 'Faquir d´A Noite' e da 'Roleta da Carioca'.
O Faquir d´A Noite
Em novembro de 1915, para denunciar o charlatanismo e a crendice popular, a equipe da Noite criou um personagem, o faquir Djogui Harad, interpretado pelo repórter Eustachio Alves. O falso faquir, auxiliado por seus assistentes, atendeu centenas de clientes num consultório no centro do Rio, especialmente montado para a reportagem. No dia 14 de dezembro, após um mês de atendimentos, a polícia prendeu a trupe. A Noite publicou uma série de reportagens contando todos os detalhes da produção, desde a caracterização dos personagens e das instalações, até as histórias dos consulentes. A reportagem teve inúmeros desdobramentos, inclusive um filme, que incluía a cena da prisão, registrada a pedido de Irineu Marinho.
O Jogo é Franco!
No dia 02 de maio de 1913, a equipe do jornal A Noite instalou uma roleta perto da redação, no Largo da Carioca. Um cartaz convidava os passantes a fazerem suas apostas: 'Jogo Franco! Roleta com 32 números – Só ganha o freguês!'. A reportagem, que denunciava a negligência da polícia contra o jogo ilegal, teve grande repercussão. O episódio serviu de inspiração, alguns anos mais tarde, para a criação do primeiro samba gravado em disco, o famoso 'Pelo Telefone', interpretado Donga, e nascido próximo dali, na casa da tia Ciata, na Cidade Nova. Maria Alice Rezende de Carvalho, em seu livro Irineu Marinho, Imprensa e Cidade (2012), comenta:
Entender o sucesso desse samba significa perceber a presença de A Noite na cidade, sua circulação entre diferentes grupos e por diversos bairros, a familiaridade de seus repórteres com os redutos populares, sua penetração em terreiros, sociedades recreativas e instituições similares. Significa também perceber a sutil fronteira entre informação e comunicação, muito visitada por A Noite. Afinal, para o êxito de “Pelo telefone” foi decisivo o fato de “toda a cidade” conhecer o chamado episódio da roleta, encenação manhosa de dois repórteres de A Noite em pleno Largo da Carioca.
A Mais Bela
Entre setembro de 1921 e abril de 1923, A Noite e a Revista da Semana promoveram o concurso 'Qual a mais bela mulher do Brasil?'. Realizada em âmbito nacional, a enquete contou com a colaboração de jornais de todos os estados. Durante mais de um ano e meio, A Noite publicou os resultados parciais enviados para o jornal pelos diversos municípios, com fotos das concorrentes. O primeiro lugar ficou com a santista Maria José Leone. Além do prêmio principal, uma casa, a vencedora se tornou celebridade: 'Zezé Leone' virou nome de rua, de sobremesa, de uma locomotiva, de marca de perfume e até mote de um maxixe. A santista estrelou, além de inúmeros comerciais, o filme 'Sua majestade, a mais bela!', de Alberto Botelho, um parceiro frequente de Irineu Marinho. O autor teatral Oduvaldo Vianna também incluiu o concurso da Noite na revista 'Ai, seu Mello!', de sua autoria, encenada com sucesso no Teatro Centenário, na Praça Onze.
Oito Batutas
Irineu Marinho foi um dos grandes incentivadores do conjunto musical Oito Batutas, liderado pelos compositores Pixinguinha (Alfredo da Rocha Viana Filho) e Donga (Ernesto Joaquim Maria dos Santos). A partir de 1921, A Noite fez uma cobertura elogiosa quase que diária da agenda do grupo, e criticava sistematicamente o preconceito racial de que os músicos eram alvo.
Donga, em entrevista concedida ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, declarou a importância fundamental de Irineu Marinho: “foi um Deus para os Oito Batutas. Se não fossem o Arnaldo Guinle e o Irineu Marinho não existiriam os Oito Batutas”. Quando o jornalista embarcou para a Europa, em 1924, o conjunto foi ao cais do porto do Rio para homenageá-lo.
Caricaturas
Além da linguagem acessível e dos temas de interesse voltados para o leitor comum, A Noite era ilustrada por alguns dos maiores nomes da caricatura brasileira. No time, estavam J. Carlos (1884-1950), com a coluna 'O domingo que ri'; Raul Pederneiras (1874-1953); Seth (Álvaro Marins, 1891-1949), o principal caricaturista da folha; Julião Machado (1863-1930), considerado um dos pais da caricatura brasileira e responsável pelas colunas 'O sétimo dia', 'De sete em sete dias' e 'Vinheta da semana'; K. Lixto (Calixto Cordeiro, 1877-1957); Ariosto e Vasco Lima (1883-1973), grande amigo de Irineu Marinho.
O jornal suspenso e o dono preso
Em 1910, quando era secretário de redação da Gazeta de Notícias, Irineu Marinho apoiou Rui Barbosa e sua campanha civilista, tendo sido membro ativo da Liga Antioligárquica, criada naquele ano. A Noite nasceu como um jornal de oposição ao presidente Hermes da Fonseca, que havia vencido Rui Barbosa em conturbado processo eleitoral. Durante os primeiros anos, o vespertino de Irineu Marinho tornou-se uma das vozes contra a política de intervenções nos estados, os atentados à Constituição, o autoritarismo e a política econômica do governo.
Irineu Marinho sofreu as consequências do posicionamento político de seu jornal em março de 1914. Após o governo federal decretar estado de sítio, em resposta às agitações oposicionistas manifestadas por setores políticos e militares, A Noite foi suspensa. Com os boatos de prisão e deportação de diversos jornalistas, Irineu Marinho refugiou-se na Legação Argentina e, mais tarde, na casa de amigos em São Paulo.
Os três meses de suspensão deixaram sequelas: além do déficit financeiro, a ausência de Irineu Marinho resultaria em cisão. Parte dos jornalistas da equipe inicial da Noite deixou o jornal para lançar o vespertino A Rua. Em pouco tempo, no entanto, A Noite se recuperou, sem nunca abandonar a crítica política.
Em julho de 1922, Irineu Marinho voltaria a enfrentar problemas com o governo e a censura. Nas edições que antecederam a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, A Noite deixou clara sua simpatia pelos tenentes. Dessa vez, no entanto, o jornalista não escapou da prisão. Epitácio Pessoa o manteve por quatro meses no quartel da Ilha das Cobras, sob acusação de colaboração com o Movimento Tenentista.