Em tempos de excessos de cirurgias e procedimentos estéticos padronizados, um movimento silencioso vem ganhando força na indústria de beleza e entre suas adeptas, o quiet beauty (ou “beleza discreta”, em inglês).
Na contramão de intervenções como a harmonização facial e uso de PMMA (polimetilmetacrilato), a proposta apoia procedimentos personalizados que valorizem a beleza natural das pessoas — sem que, para isso, elas precisem fazer grandes modificações no rosto. A ideia foi apresentada por dermatologistas durante o Medical Advanced Aesthetic Congress, congresso dedicado à estética médica que aconteceu, em outubro, na capital paulista.
O que é?
Assim como na estética quiet luxury, que valoriza o uso de roupas caríssimas sem deixar suas marcas à mostra, o objetivo do quiet beauty também é se fazer presente da rotina de beleza das pessoas, mas sem deixar claro o quanto daquela aparência é natural ou não.
A farmacêutica bioquímica Joyce Rodrigues e a fisioterapeuta dermatofuncional Michele Nishioka citam alguns exemplos de procedimentos que se encaixam neste movimento. No entanto afirmam que o segredo está em propor protocolos ultrapersonalizados, fugir de padrões e ficar atento quanto aos excessos. São eles:
- Botox
- Bioestimuladores de colágeno e redensificadores
- Ultrassom microfocado: reduz a flacidez facial em várias camadas e auxilia na sustentação do rosto
- Medicina estética regenerativa com exossomas e PDRN: tratamento eficaz na regeneração celular, redução de cicatrizes e redução nos sinais de envelhecimento
- Tratamento com radiofrequência e vacuoterapia: equipamentos como o Dermotonus Esthetic ajudam a suavizar rugas e aumenta vascularização do tecido. Segundo Nishioka, a “radiofrequência, gera uma movimentação dos íons, que leva ao aquecimento do tecido. Este aquecimento induz a termocontração do colágeno, sendo possível obter um lifting como efeito primário e, como efeito secundário, gerar uma termolesão no tecido, que ativa proteínas de choque térmico, importantes para a síntese de colágeno e elastina”.
“Quanto mais imperceptível, melhor. O objetivo é se sentir mais bonita, porém sem mudar as características únicas de cada rosto, dando aquele ar de que ‘algo mudou, mas não se sabe o que, apenas que está lindo’”, afirma Joyce Rodrigues.
Repercussão
Segundo a ISAPS (Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética), houve um aumento de 40% no número de procedimentos estéticos cirúrgicos e não cirúrgicos nos últimos quatro anos. Junto deste crescimento estão as diversas notícias relacionadas a complicações cirúrgicas — incluindo pessoas famosas como Maíra Cardi, que passou por um procedimento com PMMA no rosto quando tinha 26 anos.
Foi também com o propósito de reduzir estes casos que nasceu o quiet beauty. A farmacêutica Heloise Martins acredita, ainda, que essa mudança de comportamento está relacionada às novas “visões de mundo do consumidor”, a busca por beleza limpa, exigência de selos eco-friendly, marcas sustentáveis e, é claro, o desejo de se “sentirem únicas”.
O tema tem se popularizado após estrelas como Anne Hathaway e Lindsay Lohan, de 42 e 38 anos, respectivamente, surgirem com um aspecto mais jovial e sem preenchimentos no rosto. A estilista Donatella Versace, de 69 anos, também impressionou ao exibir o novo visual, sem linhas de expressão e lábios com traços mais finos.
Aliado ou vilão?
“A melhor versão de si mesma”? A frase permeia o aclamado filme “A Substância”, que mostra uma celebridade em decadência após ser demitida do seu programa de TV. A personagem de Demi Moore se desespera com o declínio de sua carreira e topa se submeter a um misterioso processo de clonagem caseiro, que gera sua “melhor versão”, vivida por Margaret Qualley.
O longa aborda, de maneira visceral e exagerada, o etarismo e o culto à juventude como sinônimo de beleza. Isso nos leva a outra reflexão: se estes procedimentos prevalecem, ainda que de maneira discreta, a pressão estética sobre as mulheres, de fato, diminui?
A psicóloga Clarice Lopes Gentilli comenta que, na trama, a protagonista é uma mulher que está dentro do tal “padrão de beleza”, mas “é colocada de escanteio justamente pelo envelhecimento”, que é “associado ao feio e grotesco em uma sociedade que não valorizar a beleza da maturidade feminina”.
Portanto, mesmo o movimento se posicionando contra rostos harmonizados, é preciso destacar que se tratam de métodos que visam retardar os efeitos da idade e, consequentemente, continuam fomentando comparações, ansiedades e outras questões relacionadas à saúde mental. Ainda assim, ela não coloca o quiet beauty no papel de aliado e nem no de vilão, e defende que não é justo “criticar quem usa esses recursos”, mas é necessário entender o que motiva este desejo de mudança.
E a terapeuta vai além: apesar de considerar importante e interessante os avanços na indústria de beleza, pontua que é um setor que “lucra com a dor feminina e da aceitação da mulher no mercado de trabalho e no mercado do amor”.
“O tempo e o dinheiro que investimos na beleza, acreditamos que seja um investimento na autoestima. Mas essa autoestima, associada à juventude e beleza, tem prazo de validade”, analisa.