Altas doses de componentes fármacos e de higiene pessoal foram descobertos poluindo as águas da costa de Ubatuba, cidade no litoral norte de São Paulo. Entre os itens encontrados no mar, em rios e cachoeiras estão cafeína, analgésicos e cocaína, especificamente na Enseada do Flamengo e Baía de Ubatuba - áreas de alto valor ecológico - mas presentes até mesmo em áreas mais afastadas, sugerindo uma contaminação em larga extensão.
Ubatuba, vale lembrar, é um dos município brasileiros em que se cobra a taxa de preservação ambiental, o que caracteriza a região como um distrito de interesse turístico com áreas de proteção ambiental e reservas florestais.
A descoberta dos poluentes foi realizada por Luciana Rocha Frazão, do Instituto de Oceanografia (IO/USP), para a tese de doutorado Produtos farmacêuticos e de higiene pessoal na zona costeira em Ubatuba (Brasil): um hotspot ecológico e turístico que enfrenta alta contaminação, de acordo com a Agência Universitária de Notícias da USP. O resultado foi publicado no fim de outubro.
A pesquisa encontrou 15 dos 22 componentes que a especialista esperava mapear na costa de Ubatuba. Esse tipo de poluente químico não se dilui por completo na água e nem é eliminado por sistemas de tratamento de esgoto.
Com o passar do tempo, esses fármacos e produtos (chamados de PPCPs) geram um problema comparável ao do CO2. ”De forma semelhante às emissões de dióxido de carbono na atmosfera, cujo acúmulo de longo prazo levou ao efeito estufa e à atual crise climática, os PPCPs também podem se acumular lentamente", diz Luciana à Agência. "Isso pode resultar em mudanças significativas que passam despercebidas até que um ponto de inflexão seja atingido, o que pode levar a consequências graves e irreversíveis para os ecossistemas marinhos”.
Esse tipo de poluição pode afetar organismos marinhos, e portanto impacta na pesca e saúde pública, mas também interfere na interação entre mar e atmosfera, um item particularmente preocupante pois o oceano tem papel valioso na produção do oxigênio atmosférico essencial para a vida terrestre.
O problema, naturalmente, vai além de Ubatuba. Em 2017, cientistas da Fapesp, Unifesp e Universidade Santa Cecília (Unisanta), identificaram pela primeira vez um acúmulo de cocaína e de outras substâncias derivadas de remédios (como ibuprofeno e paracetamol) em águas superficiais na baía de Santos.
Desde então, a cocaína, por exemplo, é vista como um poluente preocupante no litoral paulista - em Santos, sua concentração foi similar à da cafeína, descarte relevante por ser consumida tanto em bebidas como na forma de componente para remédios. Este ano, a droga também foi encontrada por estudiosos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em um grupo de tubarões na costa do Rio de Janeiro.
A cocaína tem efeitos toxicológicos graves em espécies como mexilhões-marrons, ostras de mangue e enguias, que afetam sua saúde, desenvolvimento e reprodução, de acordo com levantamento de especialistas da Unifesp.