"Errar duas vezes é muito para ela", diz treinador sobre Rebeca Andrade, a 'Mulher do Ano'

Engana-se quem pensa que Rebeca, acostumada a superar adversidades, nunca cogitou desistir da profissão. Ela enfrentou três lesões e passou por oito cirurgias ao longo da carreira. “Confesso que, na terceira vez, eu não tinha mais argumentos para falar para ela continuar. Mas, depois de conversar com a mãe, ela me ligou e disse que não ia desistir, que sabia do que precisava para se recuperar. Eu estava em casa chorando igual um maluco. Ela assumiu a decisão e não faltou na reabilitação”, conta o treinador.

Rebeca acrescenta: “Além do apoio que recebi, também existia a vontade de mostrar que eu tinha capacidade de fazer mais pelo esporte. E perceber que as pessoas ao meu lado se importavam não só com a Rebeca atleta, mas com a pessoa que eu sou, me fez continuar”.

Como qualquer atleta de alto rendimento, a disciplina se mostra indispensável. Diariamente, ela treina das 8 às 12 horas no ginásio, além de dedicar uma hora ao condicionamento físico na academia, de três a cinco vezes na semana. Às segundas, terças, quintas e sextas, também treina no período da tarde. De uma a duas vezes ao dia, faz fisioterapia, a depender da necessidade de recuperação.

Devido às lesões nos joelhos, algumas restrições são necessárias, como a diminuição de movimentos de alto impacto. “Ela treina com muita qualidade. Traz a mentalidade de não ficar repetindo e pensa: ‘Se eu devo fazer uma coisa três vezes, vou fazer três e acabar’. Errar duas vezes já é muito para ela”, afirma Chico.

A preparação é alinhada com a equipe da Confederação Brasileira de Ginástica, que inclui médicos, massoterapeutas, fisioterapeutas, nutrólogos e psicólogos, além de treinadores. Hoje, Chico é responsável pela Seleção Feminina de Ginástica Artística, junto da ucraniana Iryna Ilyashenko. Devido ao nível de exigência, a sessão completa do solo é realizada cerca de duas vezes na semana, apenas três semanas antes das competições. Medalhista de ouro no aparelho, Rebeca não pretende se apresentar mais nessa modalidade, justamente por demandar grande esforço físico. “Até o momento, não quero voltar, mas sempre falo que vai depender muito do meu corpo e da minha mente”, analisa.

A mente da atleta, aliás, chamou a atenção do país após a divertida revelação de que pensa em receitas culinárias antes das provas, mesmo sem nunca prepará-las de fato. O treinador Chico, inclusive, acredita que a saúde mental fortalecida da pupila ajudou a alçá-la aos pódios olímpicos. “Ela treinava e dormia. Descansava bastante o corpo e a cabeça. Fez muita diferença para manter a concentração até o último dia”, lembra.

Além de usar sua visibilidade para, sempre que pode, abordar a importância da saúde mental no esporte, Rebeca quer ir além e se formar psicóloga. Hoje está matriculada no quarto período da graduação do curso na Universidade Estácio de Sá. Por causa das Olimpíadas, precisou trancar a faculdade e programa o retorno para 2025.

Inspirada pela psicóloga Aline Wolff, coordenadora de preparação mental do Comitê Olímpico do Brasil (COB), que a acompanha desde 2013, quando atuava no Flamengo, a paulista quer trabalhar também, mas não só, com psicologia do esporte. O bem-estar em dia se reflete em seu amor-próprio, segundo a melhor amiga e ginasta Lorrane Oliveira. “Ela tem muita autoestima, e eu nem tanto. Eu a admiro e ela me ajuda nessa parte; me cobra bastante para eu me amar do jeito que sou”, afirma.

“Eu só tenho qualidades”, brinca Rebeca. Quando pedimos a ela para destacar as principais, cita empatia e alegria. Com dificuldade, menciona como defeito a implicância com aqueles de quem gosta. Simpática e de sorriso fácil, ela raramente fica irritada, mas três coisas a tiram do sério. “Odeio falta de comunicação, atraso e falsidade”, atesta. A rotina corrida (no dia em que conversou com a GQ Brasil, enfrentou uma agenda de cinco entrevistas seguidas) não se limita aos treinos, que tomam boa parte de seu tempo e de sua disposição. Não à toa, declara: “Amo dormir. Todo período que tenho livre, em que não quero fazer mais nada, eu durmo”.

Com a visibilidade de suas conquistas, Rebeca explodiu nas redes sociais. Hoje, é acompanhada por 11,6 milhões de seguidores no Instagram e 3,2 milhões no TikTok. Além disso, virou queridinha de dezesseis grandes patrocinadores, a exemplo de Itaú, Havaianas, Adidas e Sadia. Por isso, divide-se também entre gravações de publicidade, eventos e afins. “Não é difícil para mim, porque gosto de me comunicar”, diz.

No TikTok, por diversão, publica vídeos dançando e cantando, hobbies que a acompanham desde pequena. Quando começou a soltar a voz on-line, sua habilidade surpreendeu o público, mas ela garante que se trata apenas de um passatempo. “A música faz parte da minha vida, minha família toda cantava na igreja”, conta ela, que é evangélica. “Espero um dia ter tempo para fazer aulas de canto ou de dança, mas não seguiria essa carreira. Não estaria disposta a fazer o que é preciso para me tornar uma artista.”

Referência para muitas meninas, Rebeca, que teve a ginasta Daiane dos Santos como inspiração, sabe o valor da representatividade e hoje goza de uma relação de admiração mútua com quem a influenciou. “Ela representa o nosso legado do bem, seguindo adiante a excelência da ginástica, principalmente para as pessoas negras do Brasil. Ela está ali mostrando que o talento não aparece na cor da pele, mas na oportunidade. É a nossa queen”, elogia Daiane.

Segundo Chico, a cada medalha conquistada, uma engrenagem da máquina começa a girar, uma vez que instituições e patrocinadores passam a fomentar a ginástica. “Quando o sonho é palpável, todo mundo passa a acreditar”, reflete.

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Styling Sam Tavares | Set design Nathalia Siqueira | Beleza Laura Peres | Assistente de moda Miguel Reis | Produção executiva Orizon Productions, Eduardo de Mauro, Teresa Jardim e Cleyton Machado | Assistente de fotografia Gabriela Tenenbaum | Eletricistas Stuart Nascimento e Marcel Farias de Meneses | Tratamento de imagem Factory Retouch | Making of Ítalo Amorim | Agradecimento Sheraton Grand Rio Hotel