Alex Atala chegou aonde nenhum chef brasileiro chegou. O paulista de 56 anos virou referência internacional e, o melhor, com comida brasileiríssima. Nada de foie gras, trufas ou caviar. É tucupi, rapadura e até formiga-saúva, o inseto de sabor cítrico que se tornou marca registrada de seu cardápio. O cozinheiro de cabelos brancos e repleto de tatuagens criou uma assinatura que mistura ingredientes regionais e técnica apurada.
Nossa mandioca, inclusive, acaba de levá-lo pela primeira vez a Harvard, nos Estados Unidos, uma das principais universidades do mundo. Em novembro, brilhou como convidado do projeto Science and Cooking Lecture Series ao dar uma aula aberta e outra restrita aos alunos sobre a ciência por trás da planta. O profissional já transitou também por Yale e UCLA.
A palestra acadêmica é a cereja do bolo de um ano de comemorações. A principal delas, os 25 anos do restaurante D.O.M., nos Jardins, em São Paulo, que vive lotado. Trata-se de uma trajetória recheada de louros: entre outros prêmios, foi o primeiro brasileiro a conquistar duas estrelas no “Guia Michelin”, em 2015, mantidas na volta da lista ao país neste ano. Atala, inclusive, persegue incansavelmente a terceira estrela, a máxima da cotação.
Também são quinze anos do “afetivo” Dalva e Dito, restaurante-irmão do D.O.M., alguns passos distante, um pouco mais simples, mas ainda bastante brasileiro (há de pirarucu na chapa a picadinho e macarrão com feijão no menu) e querido pelos turistas estrangeiros. “Este ano traz outro sabor especial, pois enterramos a pandemia, que foi dura”, comemora Atala. “Paguei a última dívida em agosto.”
Pelo D.O.M. — projetado pelo arquiteto Ruy Ohtake, com um lustre de cristal Baccarat de Philippe Starck no salão, os mesmos talheres de prata, desde o início, e “Bachianas Brasileiras n.o 5”, de Heitor Villa-Lobos, na trilha sonora todas as noites — passaram nomes ilustres; um dos últimos, o diretor Francis Ford Coppola. Mas também Lou Reed, Debbie Harry e mais ídolos do chef, que foi punk nos anos 80 e até atuou como DJ (hoje, escuta também muita música caipira). Nesse rol aparece ainda Priscilla Presley, ex-mulher de Elvis, cantor que estampa quadros na casa do cozinheiro na Zona Oeste paulistana e dá nome a um de seus dois cães, que dividem espaço com jabutis e papagaios.
Na vida pessoal, Atala comemora em 2024 um quarto de século de união com a diretora de eventos Marcia Lagos e o sucesso dos três filhos: Pedro, 30, e os gêmeos Thomas e Joana, 22. O primeiro é grafiteiro e tatuador na Califórnia, o segundo atua junto a indígenas kayapó com o Instituto Kabu, no Xingu, e a última trabalha com a filósofa Djamila Ribeiro. “Fico feliz de ver meus filhos fazendo coisas que me enchem de orgulho. Eles tinham tudo para ser babacas”, diverte-se o pai.
Questões de saúde
O chef respira aliviado ao se recuperar de questões de saúde. Foram oito cirurgias desde a pandemia, parte delas relacionada aos joelhos, por causa do jiu-jítsu, esporte no qual é faixa-preta (“O jiu-jítsu não machuca, o que machuca é um cara de 56 anos querendo fazer coisas de um menino de 20”).
O susto maior, entretanto, veio com um câncer no olho. “Passei por uma cirurgia de sete horas no ano passado, perdi dois terços da pálpebra. Mas estou zerado”, celebra. A doença fez com que ele reafirmasse valores importantes. “As pessoas têm muitos problemas até ter um problema só. É legal dar aula em Harvard? É, mas se precisar sacrificar minha família ou minha equipe, nunca”, atesta.
Rebelde e teimoso, o paulista que saiu de casa aos 14 anos e partiu após a maioridade para a Europa, onde pintou paredes e começou um curso de culinária para garantir seu visto (escolha que, como vimos, o levou longe), parece mais calmo. Em uma viagem de ácido na juventude, entendeu que deveria viver a beleza do momento. “A vida é generosa. Precisamos saber olhar em volta e agradecer. Ficamos querendo mais, sem dar valor ao que temos.”
Todos os dias, ele pratica ioga. Cuida do corpo, ainda, com uma dieta líquida pelo menos uma vez ao ano, durante dez dias, só com água e suco de limão, pimenta-caiena e mel. Bebe bem pouco, mas peca no cigarro (“Não sou viciado em fumar, sou viciado em parar de fumar”). Pela mente, vai ao psicólogo. Quando se vê muito estressado, foge para um sítio que possui em meio à Mata Atlântica, sem luz elétrica. Gosta de pesca e jardinagem e não conta com redes sociais no celular, para focar no agora.
Atala embarcou recentemente em um “sonho antigo”, o da hospitalidade. Virou sócio do Resid, clube privado de hotéis pelo país, com a parte gastronômica sob sua batuta. O primeiro deles está em desenvolvimento em Búzios. “Era o que eu queria ser quando crescesse”, afirma. “Não me vi capaz de ter vários restaurantes, então a maneira de evoluir profissionalmente apareceu na hotelaria.”
Além disso, ele acaba de recusar mais um convite para abrir um negócio fora do Brasil. O defensor de pequenos produtores e responsável pelo Instituto ATÁ, que valoriza e pesquisa ingredientes locais, não arreda pé daqui. “Durante muitos anos, ser brasileiro parecia um defeito. Isso acabou virando meu ponto forte, então não vou largá-lo nunca”, garante. “Sonho que nosso país um dia chegue ao que é uma cozinha italiana, difundida pelo mundo. Para isso, precisamos reforçar nossa autoestima, criar mercado dentro do país...”
Com sua popularidade, virou garoto-propaganda de marcas como 3corações e o banco BTG Pactual; também coleciona condecorações — uma das mais recentes são as três facas do The Best Chef Awards. “As premiações mexem com nosso ego, mas precisam ser consequência do trabalho, não o motivo para ele”, analisa. “Os prêmios sempre ajudam; só são ruins para quem não ganhou.” O chef cultiva o lema de que ser criativo não é fazer o que ninguém faz, mas o que todos fazem, de um jeito diferente. “Tenho uma qualidade e um defeito: ser autor. Não faço muitas concessões ao público”, conclui.
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Styling Cuca Elias | Produção de moda Lívia Pacheco | Assistentes de fotografia Ademir Fernandes, Gustavo Develey e Fabio Xavier |Tratamento de imagem RG Imagem | Making of Pedro Nekrasius