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“Não uso salmão no meu restaurante”, atesta Ken Mizumoto, chef ao lado do irmão Nobu no Shin-Zushi, casa em atividade em São Paulo desde 1981. Quando o herdeiro do local voltou ao Brasil após uma temporada de onze anos no Japão para aperfeiçoar seus conhecimentos na cozinha, em 2011, bateu o pé para banir o peixe do cardápio.

“Teve discussão na família porque o salmão dá mais dinheiro. Mas não é tradicional e não faz parte da técnica que uso. Precisávamos nos diferenciar. Salmão você encontra em qualquer lugar, até em churrascaria”, afirma Mizumoto.

Por ali, quem brilha é o atum, que tem ganhado força no país, mesmo que, no caso da gastronomia japonesa, ainda perca espaço para o salmão, que domina os combinados e rodízios. No Shin-Zushi, consomem-se cerca de 40 quilos de atum por semana (o chef diz pagar R$ 400 pelo quilo), peixe que aparece no cardápio junto de garoupa, pargo, ouriço, vieira, camarão... Das vinte etapas do omakase (o menu-degustação japonês) do endereço, que acomoda quase 100 clientes no bairro do Paraíso, de seis a sete passos envolvem atum. A experiência custa R$ 650.

O trio de sushis de atum do Kitchin — Foto: Divulgação
O trio de sushis de atum do Kitchin — Foto: Divulgação

Como na maioria dos restaurantes de alta-gastronomia, o Shin-Zushi aposta apenas no bluefin, o rei dos atuns, um dos peixes mais caros do mundo. Um exemplar de 278 quilos acabou arrematado em um leilão por US$ 3 milhões em 2019. Por aqui, um único sashimi, uma pequena fatia da parte mais nobre dele, pode ultrapassar os R$ 50 no balcão.

A espécie, chamada de Thunnus thynnus, virou símbolo de status. E uma coisa é certa: trata-se de um peixe diferenciado. Muito da demanda se deve à sua alta quantidade de gordura. Por isso, dá-se a comparação com a carne de wagyu, macia, marmoreada e igualmente cara. Ambos os cortes derretem na boca.

No Brasil, comemos sempre o bluefin importado, principalmente da Espanha e de seu Mar Mediterrâneo. Ele chega também em postas aos restaurantes. O corte, além de facilitar o serviço, ajuda estabelecimentos menores que não têm espaço suficiente para abrir nem armazenar um exemplar inteiro.

Forte e veloz

Trata-se de um peixe enorme e forte, encontrado em geral nos oceanos Atlântico e Pacífico — seu recorde de peso registrado é de quase 680 quilos, no Canadá. Ele consegue regular a temperatura de seu corpo e alcança águas profundas. Além disso, é bastante veloz e não pode parar de nadar, senão morre. Por isso não se consegue reproduzi-lo em cativeiro. O que ocorre é a separação em grandes espaços para a engorda, antes do abate.

O chef André Saburo, referência em atum no país — Foto: Wagner Ramos
O chef André Saburo, referência em atum no país — Foto: Wagner Ramos

O atum dispõe de três partes principais para o consumo. O toro consiste na fração gorda, próxima da pele, mais esbranquiçada pela gordura. A estrela maior e mais valorizada é o toro de barriga, amanteigado e macio, mas que pode pesar no paladar em grandes quantidades. Depois vem o chutoro, que fica entre a pele e a espinha dorsal, mediano em quantidade de gordura. Por fim, o magro akami, bem vermelho, que se destaca mais pelo sabor pronunciado do que pela textura.

O Japão, maior consumidor do mundo, foi o responsável por popularizar o atum bluefin. Seu sabor caiu no gosto dos brasileiros, porém também no de americanos, chineses, europeus... No ritmo acelerado de comércio, chegou a ser considerado uma espécie ameaçada, o que levou a um maior controle de extração. Há organizações, a exemplo da Comissão Internacional para a Conservação do Atum Atlântico (ICCAT), que limitam a pesca e estabelecem cotas para cada país. Ou seja, a produção nem sempre dá conta da demanda, o que leva o preço às alturas.

No cardápio

Para sentir melhor seu gosto, ele quase sempre brilha sozinho cru, em sushis e sashimis. No premiado Oteque, no Rio de Janeiro, especializado nos ingredientes do mar, o bluefin espanhol surge como primeiro prato do menu-degustação, acompanhado por maionese de caldo de cabeça de garoupa e caviar. “A gente dá uma leve grelhada, leve mesmo, só para aquecer a gordura e deixá-la mais palatável”, explica o chef Alberto Landgraf. Ali, o menu completo sai por R$ 895.

O Kitchin, na unidade do Itaim Bibi, em São Paulo, realizou em agosto uma cerimônia kaitai, quando abriu um bluefin diante dos clientes, e emendou com um combo servido durante quatro dias com três sashimis, três sushis e um temaki da espécie (R$ 380). Já o experimentado chef Tsuyoshi Murakami, dono do restaurante paulistano que leva seu sobrenome, também aposta no bluefin, em cortes como o chutoro, no menu que vale R$ 930. Entretanto, não é só na culinária asiática que o peixe bomba. No elogiado restaurante mexicano Metzi, ele surge curado sobre uma tostada com salsa macha e abacate. Nesse caso, trata-se de matéria-prima brasileira e não importada.

Atum servido no Shin-Zushi, onde o salmão foi abolido — Foto: Rafael Peixoto
Atum servido no Shin-Zushi, onde o salmão foi abolido — Foto: Rafael Peixoto

Referência no assunto no país, o chef André Saburo é grande defensor do atum nacional, encontrado principalmente nas espécies yellowfin e big eye, no Nordeste e no Sul, e também exportado. Ele, que paga na faixa de R$ 110 o quilo pelos pescados daqui, começou seu trabalho com o atum há doze anos. Demorou pouco a perceber que precisava aproveitar cada pedaço do gigante aquático. “Atum é o boi do mar. Então, como no caso do boi, devemos aproveitar tudo”, afirma. Passou a inovar e, hoje, serve sarapatel, torresmo, carne de sol e stinco... de atum.

Dono de quatro restaurantes, sendo o mais tradicional o Quina do Futuro, fundado em 1986, no Recife, ele utiliza em média 40 quilos do peixe a cada dois dias. “Para comparação, são 120 quilos de salmão por dia nas operações”, calcula. De olho treinadíssimo, ao receber a mercadoria, Saburo sabe se o atum foi morto e sangrado da melhor maneira, checa se a carne está brilhante, e não fosca, se o vermelho é vivo... E dá a dica ao cliente: “Se o peixe estiver translúcido, ou seja, se você conseguir ver o hashi do outro lado, ele está excepcional”, pontua.

Após sua caça, o atum entra em rigor mortis, isto é, endurece e leva certo tempo para amolecer. “Assim como fazemos com as frutas, quando analisamos se estão maduras, aperto para checar sua maciez e ver se está pronto para abrir”, explica. Na delicada questão de conserva, ele lava a carne com água ozonizada e a armazena em caixas térmicas, cobrindo o peixe com gelo — trocado todos os dias —, inclusive dentro da barriga, após retirar as vísceras. Em uma sala específica para a prática, Saburo se diverte. “É uma terapia para mim, entro ali e saio do ar por horas”, diz.

O chef Murakami manuseia um atum — Foto: Estúdio Mió
O chef Murakami manuseia um atum — Foto: Estúdio Mió

No Brasil, o paladar para a gastronomia japonesa se aperfeiçoou, o que levou ao gosto por variar o cardápio e principalmente à ascensão do bluefin. “A referência mudou sobre o que é um sushi, um peixe cru de qualidade. Com a exigência do público, o profissional precisou se aprimorar”, analisa Landgraf. “Entre quem frequenta o Oteque, a maioria já visitou o Japão nos últimos dez anos ou quer visitar.” Mizumoto concorda: “O cliente hoje é mais viajado, não dá para enganá-lo. Antes, também não existia Instagram, Facebook, o pessoal podia falar qualquer coisa”, finaliza.

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