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Por Alexandra Forbes

Desde o surgimento dos primeiros restaurantes japoneses em São Paulo, há quase um século, os cardápios acabaram se abrasileirando. Muito lentamente no bairro da Liberdade, reduto de imigrantes, mas a passos rápidos fora dali, para tornar os pratos (à época, desconhecidos e impopulares) mais vendáveis e palatáveis aos brasileiros. Foi assim que chegamos, décadas depois, aos rolinhos com cream cheese, à pele de salmão frita, ao azeite trufado, ao molho “spicy”e à ubiquidade dos combinados, nos quais não entra nenhum peixe além de atum e salmão chileno.

Felizmente, a maré mudou. Uma legião crescente de gente que torcia o nariz para peixes e preparos menos óbvios e comerciais tem se convertido à cozinha japonesa autêntica. A maior prova disso está no boom dos omakases (tradução: “estou em suas mãos”). São menus-degustação oferecidos no balcão, em que o chef tem carta branca para criar e servir o que julgar melhor, mesmo que o cliente acabe provando cavalinha marinada, espinha de peixe tostada, ovas secas de tainha ou camarão cru.

Esses banquetes, compostos de cinco a vinte bocados em série, incluem sempre grande variedade de peixes, frutos do mar e outros ingredientes, finalizados e explicados na frente do freguês. O capricho se estende à louça (importada ou de cerâmica artesanal), à equipe de sala afinada e a mil outros detalhes. Por isso o preço é alto (há opções que começam em R$ 360 por pessoa). Mesmo assim, a clientela paga feliz. Vale lembrar: quase sempre se deve reservar antes a experiência. O sucesso é tanto que cada vez mais restaurantes surfam na onda, até no Rio, historicamente um Saara do bom sushi. Que bicho nos picou?

Segundo Patrícia Bianco, esposa do chef Tadashi Shiraishi, com quem inaugurou em 2022 o Kanoe, nos Jardins — um exclusivíssimo restaurante que serve apenas omakases, a partir de R$ 1.000 por pessoa —, foi a internet que abriu a cabeça do consumidor. “Especialmente durante a pandemia, muita gente descobriu outras facetas da cozinha japonesa no TikTok, no Pinterest e no Instagram e passou a desejar aquilo”, analisa. “Se houvéssemos lançado o Kanoe cinco anos atrás, não daria certo, porque poucos tinham ouvido falar no termo omakase.”

O ambiente diminuto do restaurante Murakami — Foto: Divulgação
O ambiente diminuto do restaurante Murakami — Foto: Divulgação

O carismático Tsuyoshi Murakami, dono do restaurante nos Jardins que leva seu sobrenome, faz coro. “O acesso à informação mudou o cenário. O cara nem precisa ir ao Japão, ele tem tudo na internet e lê muito”, diz. “Hoje, há clientes que sabem mais do que eu.” Veterano nascido no Japão, ele já servia menus-degustação primorosos nos anos 90 para habitués do Kinoshita, extinto restaurante de seu então sogro, na Liberdade. “Só que não chamávamos aquilo de omakase ainda”, conta.

Outro pioneiro do modelo é Edson Yamashita, que introduziu o conceito no restaurante da tia, o cultuado Shin Zushi, no Paraíso, ao voltar ao Brasil em 2005, após mais de década formando-se na Ásia. Em 2016, lançou carreira-solo ao abrir o Ryo, no Itaim, que rapidamente ascendeu ao posto de japonês mais premiado do país graças ao primor técnico e à beleza e criatividade dos pratos de seu omakase, inspirado nas estações do ano e na natureza. Yamashita fechou a casa no fim de 2022, mas planeja reabri-la ainda neste ano, com novo sócio. “Esse retorno é uma injeção de motivação e uma nova etapa da vida”, celebra. “O Ryo oferecerá a mesma experiência sensorial de antes, mas em um espaço mais conceitual e confortável.”

Enfrentará concorrência bem maior em sua nova encarnação. Só no bairro dos Jardins, epicentro dessa moda, três casas além do Murakami e do Kanoe oferecem omakases de primeiro nível: Kuro, Aizomê e o relativamente recente Goya, do prodigioso Uilian Goya, que coleciona prêmios, fãs e elogios rasgados. Sem falar no superautêntico Kan Suke, no vizinho Paraíso, onde Keisuke Egashira, nascido na província de Nagasaki e ex-mestre de Yamashita, serve uma das versões mais puristas e legítimas de omakase que há, em um balcão de só oito lugares.

Ali perto, em Pinheiros, outro veterano, Jun Sakamoto, navega relativamente só. Não apenas por configurar o único japonês de alta-cozinha do bairro, mas por ocupar um nicho específico desde a inauguração, há mais de vinte anos: os sushis. Seus omakases abrem o leque para um ou dois preparos quentes e algo doce no final, mas nunca incluem sashimis ou vegetais. Todos, em maior ou menor medida, lotam de clientes cada vez mais conhecedores e curiosos.

Goya, restaurante que coleciona elogios e prêmios — Foto: Thais Vieira
Goya, restaurante que coleciona elogios e prêmios — Foto: Thais Vieira

Henry Miyano, chef do Kuro — que tem oferta excepcional de peixes, mas arrasa também em preparos com caldo, como o soba de chá verde com ouriço —, conta que atualmente “o pessoal refinou o paladar” e sai de lá feliz. “No começo, só outros quatro lugares serviam omakase, então foi bem difícil. Havia gente que não conhecia o conceito, se assustava, levantava do balcão e ia embora sem comer nada.”

Se na capital nacional da cultura japonesa essas degustações elaboradas só ficaram conhecidas nos últimos cinco anos, no Rio os restaurateurs que ousaram embarcar na onda têm ainda muita evangelização pela frente. Um chef de ascendência japonesa polemiza, sob anonimato, que a capital carioca não possui restaurante que chegue sequer à altura de um japonês de nível intermediário de São Paulo. Que Cello Macedo e Homero Cassiano, sócios-proprietários do Mitsubá, no Shopping Rio Design, no Leblon, não o ouçam.

Desde sua primeira incursão, quando ocupou, de 2004 a 2019, uma modesta esquina na Tijuca, o Mitsubá contava com um baita fã-clube e era muito citado por chefs como o melhor da cidade em sua área. Já em seus primórdios, fez fama entre entendidos por representar um dos raros japoneses do país a servir uma vasta gama de peixes raramente vistos em um balcão de sushis, como carapeba, olho-de-cão, peixe-galo e sororoca. Com a qualidade dos cortes assegurada por Eduardo Nakahara, com quase quarenta anos de carreira e fundador da primeira escola de sushis do Rio. Quem chegava e pedia ao chef Dudu que mandasse o que quisesse estava provando o primeiro omakase do Rio e nem sabia.

Hoje o Mitsubá, sob a batuta de Francisco de Assis, com dezesseis anos de casa, segue como referência em seu novo e movimentado endereço no Leblon. Uma vasta variedade de peixes e frutos do mar (a maior do Brasil, segundo o sócio-fundador Cassiano, passando de trinta espécies em certos dias)é servida em forma de omakase (nove etapas, R$ 360). Porém, trata-se de uma raridade no Rio, onde a cozinha inspirada na japonesa tradicional ainda tem muito que progredir.

O chef Tadaishi Shiraishi, do Kanoe, em São Paulo — Foto: Divulgação
O chef Tadaishi Shiraishi, do Kanoe, em São Paulo — Foto: Divulgação

A outra exceção é o charmoso Haru, que não passava de uma portinha em Copacabana com poucas mesas na calçada quando abriu, em 2014. Graças à ambição do proprietário Menandro Rodrigues, alucinado pelo Japão e especializado em saquês, o Haru ganhou um belo salão em 2022, com um balcão de quinze lugares. O espaço começou a servir omakases, logo conquistou prêmios e passou a ser considerado por muitos o melhor da cidade.

Fora eles, quem impulsiona a gastronomia japonesa no Rio são os hotéis. Tanto o Grand Hyatt da Barra como o Copacabana Palace apostaram pesado nos omakases do Shiso e do Mee, respectivamente. Mas o ponta de lança desse movimento consiste, sem dúvida, no Janeiro, o hotel transado e cool de Oskar Metsavaht, no Leblon. O fundador da Osklen já viajou várias vezes ao Japão para “conhecer e compreender sua cultura”. Assim, lançou a série de jantares OM.AKASE. A cada mês, entre setembro e janeiro, chefs convidados cozinham para apenas oito pessoas no rooftop do hotel. A edição inaugural contou com a célebre Telma Shiraishi, do Aizomê, como curadora e a participação do craque Edson Yamashita. O casting deste ano ganhou ainda mais peso, embora a agenda não esteja totalmente definida.

Não só brilharão no hotel de Metsavaht dois dos pioneiros do omakase, Tsuyoshi Murakami e Jun Sakamoto, como também uma das maiores estrelas da gastronomia da atualidade, Zaiyu Hasegawa, cujo Den, em Tóquio, aparece na 21a posição do importante ranking dos 50 melhores restaurantes do mundo, o 50 Best.

A R$ 980 por pessoa e com vagas limitadas, omakases como os do Janeiro se mostram inacessíveis para a maioria. Nem por isso deixam de trazer novos ventos e criar uma marcana cena gastronômica carioca. Com a internet de megafone, informações rodam, pessoas ouvem, leem e se interessam e, pouco a pouco, um modo de comer nichado e exclusivo termina por influenciar restaurantes japoneses de todos os tipos e faixas de preço, como a alta costura faz com o fast fashion. Um dia se realizam superdegustações de sushi e, um tempo depois, quiçá, japas do bairro aumentam a variedade de peixes servidos. Um passo leva ao outro!

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