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Ayrton Senna estreou na Fórmula 1 em 1984, em um Grande Prêmio do Brasil, mas pouco aproveitou. Foram apenas oito voltas até o motor de sua modesta Toleman quebrar. O piloto só teria a real noção do que era guiar aquele carro por uma hora e meia na prova seguinte. Após completar 73 voltas no circuito de Kya lami, na África do Sul, não conseguiu sair do cockpit. Desidratado e com espasmos musculares, desmaiou ali mesmo, tamanha a exigência física. O paulistano imaginava a diferença de conduzir um F1 em relação aos carros das categorias menores, tanto que já havia contratado o preparador físico Nuno Cobra, mas o trabalho havia começado poucas semanas antes. Seu condicionamento impressionaria o mundo da velocidade anos mais tarde.

Uma reportagem do jornal “O Globo”, em agosto de 1988 (ano no qual conquistou seu primeiro título mundial), contou que Senna, nos períodos em que ficava no Brasil, treinava diariamente na pista de atletismo da Cidade Universitária, na USP, na capital paulista. Corria 8 quilômetros a 14km/h — um bom ritmo, de 4min17s por quilômetro. Havia até um “coelho”, atleta que o acompanhava e estimulava a intensidade de suas passadas.

Sobre a preparação física no esporte, ainda nos anos 70, o professor austríaco Willi Dungl surgiu para recuperar seu compatriota Niki Lauda de um grave acidente e continuou auxiliando o piloto até sua aposentadoria. Quando chegou à McLaren, em 1988, Senna passou a ser acompanhado justamente por um pupilo de Dungl, o fisioterapeuta Josef Leberer. Pode-se atribuir ao brasileiro, portanto, o fato de ter elevado o nível dos treinamentos, que escalou outro degrau com o alemão Michael Schumacher e segue progredindo. Desde 2019, a regra do peso mínimo de 80 quilos (quem estiver abaixo pode colocar um lastro no carro) permitiu aos pilotos abandonar dietas muito restritivas e ganhar massa magra. A medida alterou o programa de Lewis Hamilton, por exemplo, que ganhou músculos.

“O piloto sempre precisou ser atleta. Antigamente, treinar era atitude básica, médica, ou ele não conseguiria terminar a corrida. E o treinamento evoluiu para a alta performance”, diz José Rubens D'Elia, fisiologista e treinador mental, que preparou nomes como Rubens Barrichello e Christian Fittipaldi.

Saiba como é a rotina de treinos dos automobilistas da Fórmula 1 — Foto: Divulgação
Saiba como é a rotina de treinos dos automobilistas da Fórmula 1 — Foto: Divulgação

As soluções aerodinâmicas dos carros vêm aumentando a força da gravidade no contorno das curvas, e o peso da cabeça sobre o pescoço chega a quintuplicar. A musculatura dessa região precisa ser trabalhada, portanto, para suportar mais de 30 quilos. É preciso fortalecer ainda o core (conjunto muscular do abdômen ao quadril), para suportar a posição desconfortável no cockpit, e as pernas, pois pressionar os freios em alta velocidade é como um interminável leg press.

“Trata-se de um trabalho sem muito descanso. Musculação sem pausa entre um exercício e outro, para estimular o comportamento no carro. E o treino cardiorrespiratório deve manter sempre o ritmo”, explica o preparador físico Vanderlei Pereira, que tem em seu portfólio Barrichello, Felipe Massa, Luciano Burti e Lucas Di Grassi.

A preparação física conta com atenção especial na pré-temporada, um trabalho de base para suportar o ano. “Nesse período crucial podemos desenvolver a força, o cardio e melhoraro que não conseguimos fazer durante a temporada”, pontua o piloto francês Esteban Ocon, da Alpine (de mudança para a Haas em 2025).

Vanderlei explica que o foco desse trabalho é o desenvolvimento de resistência aeróbica, com treinos longos de corrida e bicicleta, além da sugestão de praticar esportes como tênis, futebol ou natação. A musculação varia entre força e circuito funcional, aliada à fisioterapia. Nas três semanas que antecedem o início da temporada, a intensidade aumenta na musculação; corrida e bike são em tiros (mais velocidade em curtas distâncias, com repetições). A frequência de treinos: de cinco a seis vezes por semana.

Corrida ou bicicleta mostram-se fundamentais em relação à frequência cardíaca, que costuma ficar na casa dos 160 batimentos por minuto durante uma prova de F1. “Gosto de pedalar e nadar, mas, por causa das viagens, o mais fácil é só botar o tênis e sair para correr”, afirma o brasileiro Felipe Drugovich, piloto reserva da Aston Martin, cujo recorde é um ritmo de 4min10s nos dez quilômetros.

Felipe Drugovich diz como pedalar, correr e nadar o ajuda na frequência cardíaca para pilotar — Foto: Divulgação
Felipe Drugovich diz como pedalar, correr e nadar o ajuda na frequência cardíaca para pilotar — Foto: Divulgação

Durante a temporada, a frequência de treinamentos diminui para três a quatro vezes por semana, com musculação. O cardio pode ser leve, de longa distância, ou intenso em trajeto mais curto. Além disso, exercitar-se por lazer ajuda a aliviar a tensão no breve intervalo entre os grandes prêmios. Ocon gosta de jogar pádel, assim como o espanhol Carlos Sainz, da Ferrari (da Williams, no próximo ano). “É importante se interessar pelo que o piloto faz fora da rotina”, diz Pierluigi Della Bona, treinador de Sainz na escuderia italiana.

Quando chega o fim de semana de prova, o trabalho se encaixa entre reuniões e compromissos com patrocinadores. “Na pista, é uma questão de afinar, com sessões específicas para ativação física e cognitiva”, explica Andrea Ferrari, preparador do monegasco Charles Leclerc, da Ferrari.

Há ainda o planejamento dedicado às características locais, como o calor forte e úmido do GP de Singapura, disputado no último mês de setembro, com sensação térmica dentro do veículo na casa dos 60 graus. “Fiz exercícios na sauna, foi extremamente difícil. Mas, quando estava no carro, pensei: ainda bem que me preparei”, conta Ocon. O pós-corrida inclui repouso na segunda-feira, com opções de recuperação que envolvem fisioterapia, massagem, câmara hiperbárica, sauna e crioterapia.

Em paralelo a todo esse processo de potencializar o corpo, os pilotos também cuidam da saúde mental. Felipe Drugovich se atentou para a necessidade em 2021, após uma temporada ruim na Fórmula 2. “Foi um momento difícil da minha carreira, afetou muito o meu mental e decidi que era hora de procurar alguém”, lembra. Encontrou o psicólogo Pedro Lôbo, especialista em mindfulness. “Quando o piloto se vê chateado ou inseguro, não vai falar isso para o engenheiro ou o mecânico. Estou ali para ele esvaziar suas preocupações e seguir para a pista mais leve”, explica Lôbo, que acompanha quinze atletas em competições.

“Quando o piloto está dentro do carro, antes de sair do boxe, estou lá conversando. Também falamos no grid de largada.”

A nova geração tem buscado esse suporte cada vez mais cedo. José Rubens D'Elia auxilia diversos meninos no kart, o que inclui orientar os pais. Foi assim com Gabriel Bortoleto, hoje na F2 e no programa de desenvolvimento da McLaren, e já sondado para o grid da Fórmula 1. D'Elia utiliza o método psicofísico, que estimula a tomada de decisão aliada ao treinamento físico, como jogar xadrez na bicicleta ergométrica. “Envolve velocidade, domínio, autoestima e resiliência. O cérebro gosta de desafios.”

D'Elia é um dos sócios da Pilotech, centro de treinamento especializado em automobilismo, localizado na Vila Nova Conceição, em São Paulo. Inaugurada em 2015, a academia recebe desde profissionais e amadores que disputam competições federadas até entusiastas por pilotagem.

Além do treino psicofísico, o local aluga horários em seu simulador, cuja experiência vai além de um game — é possível contratar um engenheiro de dados para discutir a estratégia para a corrida. A hora avulsa custa R$ 200, mas diminui de preço em pacotes. Ficou animado para ter um plano de treinamento parecido com o de um piloto de F1? Seu corpo ficará forte, ágil e com um reflexo apurado, além de exibir uma boa capacidade cardiorrespiratória.

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