Estilo
Iates, carrões e jatos: clientes criam estratégias para driblar as listas de espera para itens de luxo
A demora crescente para conseguir comprar artigos de alto padrão, por fatores que vão de barreiras na cadeia produtiva a aumento de interessados, gera novas dinâmicas de consumo
5 min de leituraApenas 275 unidades do Mercedes AMG One foram postas à venda após sua apresentação como protótipo no Salão de Frankfurt. O modelo da montadora alemã provocou curiosidade por ser praticamente um carro de Fórmula 1 adaptado às ruas — ainda que em altíssima velocidade, já que é capaz de passar dos 350 km/h —, além de outros atrativos.
Isso foi em 2017. Somente agora, cinco anos mais tarde, os veículos começarão a ser entregues a clientes como o ator norte-americano Mark Wahlberg e o piloto britânico Lewis Hamilton, que estão entre os que desembolsaram 2,7 milhões de euros (cerca de R$ 15 milhões) para conseguir o seu. Como dizia um antigo comercial de cartões de crédito, existem coisas que o dinheiro não compra, e o tempo parece ser a mais importante delas.
Essa máxima, que sempre norteou o segmento de luxo, se tornou ainda mais concreta nos últimos anos: de automóveis a aviões, de bolsas a charutos, nunca houve tamanha procura por produtos de alto padrão quanto em 2022. A pandemia de Covid-19, que regula as mudanças do mundo desde quando começou, tem tudo a ver com isso.
Primeiramente, porque as restrições ocasionadas pelo vírus afetaram a cadeia de produção de uma série de itens. Semicondutores demoraram mais para ir de um país a outro, por exemplo. Fábricas se viram obrigadas a paralisar sua linha de manufatura, contêineres para transportar bens entre os continentes se tornaram escassos, e daí por diante. Quando as coisas caminhavam para a normalização, os novos lockdowns na China e a invasão russa à Ucrânia complicaram tudo de novo.
Um dos efeitos da crise sanitária está ligado à escolha de investimentos, como explica o empresário Carlos Ferreirinha: “Em um cenário de incertezas, em vez de deixar dinheiro oscilando em ações, muitos clientes investem em luxo. Sejam joias, imóveis ou arte. O setor foi favorecido de forma espetacular durante a pandemia.”
O período teve ainda como consequência uma acentuada concentração de riqueza. “A cada 26 horas, surgiu um novo bilionário no mundo”, diz o consultor Claudio Diniz, citando um levantamento da OxFam Brasil publicado em janeiro. Um indicativo: a fortuna das dez figuras mais ricas passou de US$ 700 bilhões (R$ 3,77 trilhões) para US$ 1,5 trilhão (R$ 8,09 trilhões) em dois anos.
O fato de haver mais pessoas capazes de adquirir esses artigos não significa que é só ir à loja e sair de lá feliz. Afinal, a exclusividade é um componente desse universo. “Quando se alcança um patamar em que o dinheiro não é mais uma questão, o acesso é fundamental”, pontua Ferreirinha.
As estratégias
Com a escassez, novas dinâmicas se estabeleceram. A primeira e mais óbvia foi o aquecimento do ramo de seminovos. “Há um diretor de construtora em São Paulo que tem três modelos da Porsche. Ele fica com um, coloca dois à venda e, enquanto isso, mantém o nome dele e da esposa na espera”, afirma Diniz, sobre o mercado paralelo que se formou
devido à alta demanda por carros de luxo.
O consultor calcula que, de cada dez pessoas que tentam comprar um veículo da marca, apenas duas conseguem. “Naturalmente, a espera por um produto personalizado é maior que a que se tem por um produto de estoque", diz Leandro Rodrigues Sabes, da Porsche. “No caso dos superiates, já se fala em entrega apenas em 2024”, adianta Daniel Ambrósio, da Premium Charters & Brokerage, de aluguel e venda de embarcações.
Quem deseja alçar voo precisa ter paciência. “Se você puser seu nome na fila hoje, levará de dois a três anos para receber uma aeronave”, conta Bruna Assumpção, diretora superintendente da Líder Aviação. Segundo ela, houve clientes que chegaram a vender seu lugar na fila com cobrança de ágio, prática que acabou proibida pelos fabricantes.
Outro recurso, este aplicado por sua companhia, consiste em conectar gente que ainda nem anunciou seu avião com interessados em comprar. Por fim, existem soluções mais disruptivas, caso do compartilhamento de voos executivos, especialidade da Flapper. “A procura por jatinhos fretados na América do Sul cresceu 70%”, calcula o CEO, Paul Malicki. “Temos orientado os clientes mais assíduos a organizar as viagens com até dois meses de antecedência.”
No caso de acessórios como bolsas Hermès, "top of mind" quando se trata de filas AAA, os brechós ganharam força. “Muitos clientes que compravam no exterior, com a subida do dólar e as restrições de viagens, passaram a adquirir aqui”, analisa Jordana Di Paula, criadora do Brechó Jords, onde uma Birkin “com sinais de uso nos cantos” sai por R$ 115 mil (sem defeitos, custa cerca de R$ 140 mil). Uma Kelly azul está R$ 125 mil.
A procura cresceu com a pandemia. “Umas venderam por necessidade, outras porque o tédio de ficar em casa as fez rever seus itens parados”, conta Jordana. Porém, agora que o turismo se restabeleceu, os viajantes que estiverem por Paris podem lançar mão de um recurso ensinado pela jornalista Ana Clara Garmendia, que mora por lá: ficar de olho no horário em que as oficinas da Hermès abastecem suas butiques — sempre por volta de 11h30, segundo ela. Na loja da Avenida George V, conseguiu comprar quatro ou cinco vezes. “A questão é: chegam pouquíssimas bolsas. Então você leva a que estiver disponível”, diz.
Um dos componentes mais valiosos nesse mundo é o networking. “Além de gastar muito, tem cliente que manda flores, chocolates... É um jogo de sedução”, explica Ferreirinha. Rosy Verdi, empresária brasileira que mora em Londres, faz questão de manter boas relações com os vendedores de butiques. Assim conseguiu, por exemplo, um tênis Lanvin que sua neta queria e ninguém encontrava.
É comum que funcionários de uma grife mantenham bons contatos com colegas de outras marcas, e essa rede é prontamente acionada quando algum freguês abonado (tipo Sheiks árabes) chega a uma grande cidade europeia. Para esses, verdade seja dita, raramente há algum tipo de espera, pois são bolsos consideravelmente mais fundos.
Outra prática descrita por compradores, que funciona para relógios de luxo, consiste em recorrer a algum parente mais velho (e mais rico, com um relacionamento já sólido com as etiquetas) para adquirir determinado item cobiçado em seu nome.
Há, por fim, a tática de circular por uma loja sem dizer logo de cara que foi lá adquirir a peça mais cobiçada. Rosy explica: “Um casal de São Paulo contou que entrou em uma loja de luxo e comprou casaco de couro, manta, sapatos... Só quando o vendedor perguntou se podia ajudar em algo mais, a mulher tocou no assunto da bolsa. Como negar algo a alguém que acabou de gastar 17 mil euros?”