Diante das queimadas noticiadas no mês de agosto na extensão do território brasileiro, as medidas mitigadoras elaboradas pelo governo também se desenvolvem para acompanhar a urgência da demanda.
Os problemas ambientais advindos das queimadas são diversos, entre eles, a diminuição da fertilidade do solo, a perda da cobertura vegetal, os prejuízos à fauna e a flora que têm o equilíbrio ecossistêmico afetado pelas altas temperaturas, além da maior emissão de gases de efeito estufa, quais estão diretamente relacionados com o aquecimento global, e cuja questão é um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade no século XXI. Ademais, a prática também afeta à saúde humana, que em decorrência da fumaça e fuligem, podem sofrer com doenças respiratórias e outras complicações.
Em 2024, segundo dados do INPE, o Estado do Amazonas atingiu novo recorde em questão de número de focos de incêndios, chegando em 21.289 focos até setembro, e extrapolou os níveis monitorados de toda série histórica, desde 1998. Já em São Paulo, este ano tem o maior número de queimadas já registrado, ultrapassando a marca atingida em 2010. O mês de agosto no estado paulista foi o mais crítico, com 3.612 focos de incêndio registrados. O número é 926% maior que o que foi registrado em 2023.
É certo que provocar incêndio é conduta criminosa tipificada no artigo 41 da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), cuja pena, em regra, é de reclusão, de dois a quatro anos e multa para quem o praticar. Assim, tendo em vista a ocorrência exacerbada de focos de incêndio e o dano provocado ao meio ambiente, Marina Silva afirmou que o governo está em busca de medidas para o aumento da penalização para tal conduta criminosa.
Em declaração concedida em evento do G20 sobre bioeconomia, a Ministra do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas destaca que está sendo discutida a possibilidade de confiscar terras e entregá-las ao domínio do Estado para quem cometer comprovadamente, o incêndio criminoso. Tal aplicação teria inspiração no Estatuto da Terra (Lei n.º 4.504/64) e nas disposições que regulamentamas questões de exploração de trabalho análogo à escravidão no Brasil.
Dessa forma, a despeito da discussão sobre maior rigorosidade das penas aos crimes cometidos contra direitos humanos de terceira geração e da efetividade das sanções ambientais existentes, pretende-se analisar a viabilidade da pena sugerida, qual seja, o confisco de terras na seara ambiental.
Cumpre lembrar que a expropriação de terras nos moldes conhecidos, é prevista na Constituição Federal nos casos de exploração de trabalho análogo à escravidão e de culturas ilegais de plantas psicotrópicas, conforme disposição do artigo 243, da Lei Maior, determinadas pela Emenda Constitucional n.º 81/2014.
A emenda fixou um rol taxativo que define as hipóteses em que as propriedades rurais e urbanas podem ser expropriadas e destinadas à reforma agrária. Isso significa dizer, que a Constituição Federal não contempla neste artigo circunstâncias meramente exemplificativas para essa medida, mas sim, elenca de forma específica os casos em que é possível confiscar terras ao Estado.
As leis infraconstitucionais, por sua vez, cumprem o papel de regulamentar o que foi determinado pela Constituição Federal, obedecendo à hierarquia das normas. Deste modo, é inconstitucional que dispositivos, ainda que leis federais, ampliem o rol e criem um tipo legal em que tal circunstância não tenha sido prevista.
Ademais, passa-se a analisar a pretensão dessa pena. No caso dos crimes ambientais, o objetivo desta providência é o agravamento da pena pela prática de queimada criminosa, no entanto, notam-se desafios na verificação dos elementos necessários para propositura da ação penal, ou seja, dos indícios de materialidade e autoria, para comprovadamente condenar o autor do ato criminoso.
A demonstração de autoria do incêndio é de difícil assunção, por muitas vezes desconhecê-la por falta de prova. Da mesma forma, a responsabilidade pelo ato criminoso não deve ser pré-definida e atribuída ao proprietário da terra, eis que fixar essa condição, seria aplicar o critério objetivo da responsabilidade ambiental, ao passo que, em matéria criminal, a responsabilização é subjetiva, isto é, são necessários os elementos de culpa ou dolo para a configuração da responsabilização.
No caso em tela, os proprietários de imóveis rurais não extraem benefícios da prática em discussão, tendo em vista o prejuízo à capacidade produtiva da terra, bem como pela incidência da responsabilidade civil ambiental em reparar o dano causado, independentemente da sua culpa. Não há, assim, interesse em provocar incêndio em florestas ou demais tipos de vegetação pelos proprietários das mesmas.
Ainda, existem outras ressalvas para a sugestão governamental, como a disparidade de aplicação da pena por ato igualmente praticado. Isto é, na hipótese de ser comprovado o incêndio criminoso por determinado sujeito por exercício de atividade predatória aplica-se a pena de confisco de sua terra, no entanto, como impor a penalização aos sujeitos que ateiam fogo em terras de outrem?
Neste cenário, o que se comunica é a má aplicação do princípio da isonomia da pena, ou a inaplicabilidade da sanção definida, tornando-a ainda mais branda.
Logo, o que se conclui é que a aplicação desse instituto ao crime ambiental tem obstáculos intransponíveis para ser executado. Não obstante à sua inconstitucionalidade, uma vez que não foi hipótese autorizativa pela Constituição, também traz falhas em sua aplicação, desde o prejuízo na verificação dos indícios de autoria, em que, o que se pretendia agravar, se abranda, razões pelas quais, o instrumento demonstra-se inadequado para os fins que o governo federal pretende atingir.
*Renata Franco de Paula Gonçalves Moreno é advogada especialista em Direito Ambiental e Regulatório, sócia e fundadora do escritório Renata Franco Sociedade de Advogados. Raquel Betti é advogada especialista da área Ambiental e Regulatória do escritório Renata Franco Advogados.
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