“Eu gostaria de ter um giro de dinheiro para aplicar na roça, pois um salário mínimo somente não dá. Fica mais difícil de conseguir alguns reais para financiar um projeto de irrigação ou de energia solar, por exemplo, que ajudam a gente a ter mais tecnologia para aumentar a produção”, diz a baiana Crispina Mendes, de 61 anos. O problema relatado pela produtora da zona rural de Ilhéus (BA) é consenso entre mais de dez agricultores de pequeno porte ouvidos pela reportagem. Leia também O que é agricultura familiar? Entenda sua importância para o BrasilGoverno autoriza empréstimo de R$ 500 milhões à agricultura familiar Continuar lendo O desafio foi exposto durante o Fórum Agricultura Familiar, evento organizado pela Globo Rural nesta terça-feira (3/12), em Salvador. O fórum marcou o encerramento da primeira edição da expedição "Globo Rural em Campo", projeto que nas últimas semanas percorreu diferentes regiões da Bahia para conhecer produtores, cooperativas e iniciativas que fazem do Estado o líder em agricultura familiar no país. Para o secretário de Desenvolvimento Rural do Estado da Bahia, Osni Cardoso, é preciso trabalhar a partir de uma atenção específica voltada para a agricultura familiar. “Hoje, temos um olhar estratégico de como comercializar os cinco mil produtos produzidos pela agricultura familiar baiana. Nossos produtos, especialmente o cacau, são um exemplo da cultura e sustentabilidade baiana para o mundo”, destaca. Produtores ouvidos pela reportagem durante a expedição na Bahia, buscam, em média, R$ 4 mil a R$ 5 mil para instalar placas solares ou irrigação, por exemplo, porém reclamam que o acesso a financiamento envolve “muita papelada”, em especial para aqueles que ainda dependem de regularização fundiária. Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelo setor são os entraves para que o crédito rural chegue ao produtor familiar. “Financiamos principalmente soja, trigo e outras culturas predominantes, e não agroecologia ou agroflorestas. Esses agricultores sustentáveis, que costumam ser de propriedades familiares, precisam de crédito para expandir suas atividades”, avalia Amaury dos Santos, chefe de pesquisa da Embrapa Tabuleiros Costeiros. Assistência técnica Para a mentora de crédito do Instituto Conexsus, Paula Pannain, falta assistência técnica e didática para explicar as categorias de crédito existentes e ligadas a programas federais, cuja verba está associada ao valor total do Plano Safra. Ela conta que, apesar de ser uma facilitadora de crédito atualmente, sua família é da agricultura familiar e até agora não havia conseguido tomar recursos, o que evidencia o desafio. São vários entraves, aponta a mentora: além da documentação da terra, a regularização ambiental e do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), documento que identifica e qualifica os beneficiários da Política Nacional da Agricultura Familiar (PNAF). “Para mudar esse cenário, a busca por assistência técnica é um dos primeiros passos para o produtor familiar conseguir tomar algum tipo de crédito”, ressalta. A articulação das políticas de crédito entre empresas, entidades e cooperativas é a solução para mudar o cenário, de acordo com Ivan Fontes, coordenador do projeto Bahia que Produz e Alimenta, da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional, ligada ao governo baiano. “A agricultura familiar é de pluriatividade e, por isso, precisamos escalar melhor as oportunidades [de diversificação de culturas] para auxiliar os produtores”, considera. Para ele, o cenário ideal é que o próprio agricultor familiar tenha capacidade de articular esses investimentos, acessando quem tem o recurso para emprestar. Fórum marcou o encerramento da primeira edição da expedição "Globo Rural em Campo" — Foto: Rogério Albuquerque No Estado nordestino, são 600 mil famílias ligadas a empreendimentos familiares, segundo dados do último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além das dificuldades do acesso ao crédito, produtores baianos vêm enfrentando, nas últimas safras, o agravamento das perdas devido ao clima adverso, observa o diretor de crédito financeiro do Banco do Nordeste, Wanger de Alencar Rocha. “Antes, o conceito que usávamos era o enfrentamento à seca, mas agora é de convivência com a seca, e as famílias no campo sentem isso e querem aproveitar as oportunidades de linhas de crédito específicas”, diz. “O dinheiro colocado na agricultura familiar circula e se multiplica”, acrescenta. Na Bahia, segundo o Banco do Nordeste, este ano já foram 150 mil operações de crédito para o setor, o que totaliza R$ 2 bilhões. São cerca de 20 mil operações de microcrédito por dia feitas pelo banco, cita Rocha. Mais recente Próxima Globo Rural realiza fórum gratuito sobre agricultura familiar em Salvador