Alegre e intensa. Essa é a primeira impressão que se tem de Sally Thomson, uma australiana de 40 anos que está radicada no Brasil desde 2016. Nesses oito anos de vida no país, ela tem atuado como produtora de leite na Fazenda Leitíssimo, em Jaborandi, na Bahia, ao lado do marido, Simon Wallace, com quem tem as filhas Bela, de 4 anos, e Nina, de 3. Mas, logo na primeira troca de palavras, fica evidente uma outra característica de Sally: ela gosta de enfrentar e propor desafios. Continuar lendo Não à toa, desde 2014, quando ainda não tinha se mudado de vez para o Brasil, ela faz parte da Comissão da Nuffield no país. Criada no Reino Unido, em 1947, essa associação sem fins lucrativos dedica-se a instigar novas lideranças a colaborar, cooperar e cultivar um futuro baseado não apenas em inovações tecnológicas, mas também na troca de experiências que estimulem novas descobertas. “Uma preocupação que eu tenho é a de fazer as novas ideias ganharem o mundo por meio da conexão entre os indivíduos que se preocupam com a evolução dos sistemas alimentares e que atuam para que isso ocorra. A Nuffield trabalha para que essas pessoas possam se conectar e criar uma rede de colaboração em nome de um objetivo comum”, afirma Sally. “Entendo que a criação de uma comunidade agente de mudanças é fundamental para que seja possível fazermos transformações duradouras no agro. É preciso pensar em conjunto.” Fui criada em uma região da Austrália com 400 habitantes, mas nunca me senti isolada. Quem constrói o mundo somos nós — Sally Thomson, produtora de leite e sócia da Fazenda Leitíssimo Em março, Sally integrou a comissão brasileira da Nuffield, que recebeu mais de 140 agentes do agronegócio de diferentes partes do mundo em Campo Grande e Bonito (MS). A proposta do evento foi dar boas-vindas a 100 jovens líderanças do setor, oriundas de 14 países: Argentina, Austrália, Canadá, Chile, Estados Unidos, França, Irlanda, Holanda, Japão, Nova Zelândia, Polônia, Reino Unido e Zimbábue, além do Brasil, que teve como representantes os jovens Letícia Aranda, Alex Melotto, Rogério Peres e João Alexandre Carvalho. O programa incentiva a busca por informações e soluções para situações e problemas que cada participante indica. Ao longo de um ano e meio, cada um cumprirá o programa de maneira coletiva e personalizada, por meio de eventos em grupo e visitas ao campo em países de sua escolha, de acordo com o tema de estudo. Ao final desse trabalho, os participantes apresentam aos líderes do setor descobertas e soluções que criaram. Elas ficam disponíveis na internet a quem quiser acessá-las. “Incentivamos a criação de um ecossistema de troca, conectado e, principalmente, aberto a novas perspectivas”, destaca Sally. “Fui criada numa fazenda na região de Woodanilling, na Austrália Ocidental, com uma população de 400 pessoas, mas nunca me senti isolada, pois quem constrói o mundo somos nós mesmos. Desde que vim ao Brasil, atuo para encurtar distâncias. Sinto que produtores e empresários da área têm um desejo muito grande de conhecer o que já foi feito e adaptar às questões locais, de clima tropical. A questão linguística, no entanto, é um entrave.” Para auxiliar nesse desafio, Sally conta que, desde que aprendeu português, em 1997, quando veio ao país para fazer um intercâmbio de um ano, ela se oferece para atuar como tradutora para os produtores rurais. “Vim sem saber absolutamente nada de português, estudei quando cheguei aqui e também fui pegando as expressões idiomáticas no dia a dia, enquanto aproveitava para conhecer culturalmente o Brasil”, lembra. Ela também atua como professora de inglês de crianças e jovens na escola da própria fazenda. “É um trabalho como a preparação do solo, que chegará mais fértil e apto a render mais frutos. A questão do idioma é fundamental para essa expansão que buscamos e acreditamos”, observa Sally e o marido são sócios do Grupo Leitíssimo, que comercializa a produção da propriedade de Jaborandi. A australiana relata que a própria experiência da família é um exemplo do intercâmbio cultural e tecnológico. Para que a criação, hoje de 3.000 cabeças de gado, chegasse aos índices que o casal desejava, o trabalho se estendeu por dois anos e exigiu viagens pelo Brasil que totalizaram 150.000 quilômetros, nas quais foram à procura de local, pastagem e composição do rebanho ideais. O primeiro bezerro da Leitíssimo nasceu há 20 anos. Desde 2006, só crias da fazenda entram no plantel — Foto: Thaynna Locatelli Essa história começou em 2000, quando Simon e seu pai, David, neozelandeses, visitaram o Brasil para conhecer a genética de gado de leite tropical e verificar sua utilidade para a montagem dos rebanhos que estavam preparando para regiões tropicais na Ásia. Pai e filho acabaram tendo novas ideias: ao invés de transportar o gado para lá, eles trariam as técnicas de criação que conheciam e as utilizariam para produzir leite de altíssima qualidade para o mercado brasileiro. Tempos depois, selecionaram o oeste da Bahia para a empreitada. De lá pra cá, com uma equipe de sócios de cerca de 15 pessoas, entre brasileiros e neozelandeses, a Leitíssimo cresceu rapidamente. A empresa produz 24 milhões de litros de leite UHT por ano – um produto "extra premium", voltado a consumidores mais exigentes. A fábrica para processamento da matéria-prima foi construída na fazenda em 2008. Dois anos depois nasceu a marca Leitíssimo, que hoje é vendida em 19 estados. “O Leitíssimo é elaborado 100% a partir da ciência, da experimentação e da cooperação entre brasileiros e neozelandeses”, define Sally. A formação do rebanho exigiu precisão e paciência. As 3.000 cabeças são fruto de matrizes selecionadas a dedo (as melhores entre as mais adaptadas ao clima tropical) para cruzamento com a raça kiwicross, da Nova Zelândia. O primeiro bezerro da propriedade nasceu em 2004 e, desde 2006, o aumento do plantel tem acontecido exclusivamente com crias da própria fazenda. A ideia foi reproduzir no Brasil a criação de gado livre de confinamento, uma prática de manejo que Sally resume com esta frase: “O melhor adubo são as pegadas do dono”. Todas as áreas são observadas de perto. Nos seis pivôs centrais, que têm alcance de 56 hectares cada, cinco funcionários cuidam de tudo, da produtividade do pasto à qualidade do leite. São essas experiências que Sally Thomson quer compartilhar com o mundo. Mais recente Próxima Três brasileiras participam de encontro de lideranças rurais na Costa Rica