Entrevista

Por Marcelo Beledeli — Porto Alegre

Nas últimas décadas, o crescimento do agro brasileiro tomou a forma de números grandiosos – o valor bruto da produção, por exemplo, está na casa do trilhão desde 2020. No entanto, se os produtores evoluíram muito na adoção de tecnologia e de boas práticas agrícolas, a gestão das propriedades, principalmente na parte financeira, ainda deixa muito a desejar, afirma o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz.

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Ele diz que a falta de uma visão mais profissional sobre as contas tem gerado perdas relevantes aos produtores, forçando muitos a deixar a atividade. Na entrevista a seguir, o especialista fala da importância da estratégia comercial e de como é possível ser mais eficiente na administração das propriedades.

Globo Rural - Qual o peso que bons conhecimentos sobre gestão podem ter para o produtor rural?

Antônio da Luz - No agronegócio, as propriedades trocam muito de mão, algo que a gente vê claramente na evolução do Censo Agropecuário. Muitos produtores deixaram a atividade nas últimas décadas. Só que todos eles, os que deram certo e os que ficaram no caminho, tiveram os mesmos governos, o mesmo clima, os mesmos preços, tudo igual. O que muda de um para o outro? Não é a produção, é a gestão financeira. O segredo no longo prazo não é a capacidade de produzir, mas de gerir. No século XX, foi a agronomia que fez o ponto de corte, e quem não adotou o novo conhecimento científico de produção teve que abandonar o negócio. No século XXI, esse ponto de corte vai ser a gestão. O produtor lida com muito dinheiro. É muito recurso que ele joga no solo, com sementes, fertilizantes, defensivos, na expectativa de que aquilo vire uma safra que ele possa vender a bons preços. Mas o que sobra, a margem, é pouco. O produtor ganha no volume, mas a margem é baixa. Ou seja, qualquer erro na condução financeira pode colocar fora o resultado da produção.

GR - Quais os conceitos mais básicos de gestão que um produtor rural precisa entender?

Luz - Em primeiro lugar, ele tem que admitir que o negócio dele é financeiro. As pessoas dizem “sou produtor de soja, de milho”. Não, você é produtor de dinheiro, de riqueza. Soja e milho são os meios que você usa para isso. Você coloca um monte de dinheiro para comprar coisas, que vão gerar um determinado produto, que vai ser trocado por dinheiro no futuro, e se espera que aquilo que vai entrar seja mais do que saiu. Além disso, o produtor precisa entender que ele lida com um setor que tem como característica a volatilidade, de volume e de preços. O volume é a produção, que está exposta ao clima.Já a volatilidade de preço significa plantar a um preço e colher a outro. Essas questões precisam ser geridas. A cada década, o produtor tem pelo menos uma frustração de safra, uma crise de preços e uma crise de crédito. Sabendo que esse é um risco inerente ao meu negócio, que é do jogo, preciso me preparar. E como eu me preparo? No financeiro. Porque na hora que tenho uma frustração de safra, as contas são pagas com dinheiro. E para conseguir cobrir minhas despesas até poder vender em um bom momento, tenho que ter condições financeiras.

Produtor precisa admitir que seu negócio é financeiro, diz Antônio da Luz — Foto: Ricardo Jaeger
Produtor precisa admitir que seu negócio é financeiro, diz Antônio da Luz — Foto: Ricardo Jaeger

GR - Quais os prejuízos que errar no tempo de compra ou venda pode causar?

Luz - Nos últimos 15 anos, o grupo fertilizantes, defensivos e sementes, que são a essência dos custos de produção, oscilaram em média 26% dentro de um mesmo ano. Ou seja, comprar no pior momento ou no melhor momento teve uma média de 26% de diferença. Isso é muita coisa. A maior parte da indústria e do setor de serviços não trabalha assim, as coisas são mais comportadas. Se eu comprar no pior momento, não há produtividade que vá compensar a aquisição dos insumos na hora errada. Já na venda dos produtos, entre o melhor preço do ano e o pior, a soja variou 28%, em média, o arroz, 35%, e o milho, 39%. Então você pode ter um erro de 26% na compra dos insumos e de 28% a 39% na venda. Não há capacidade de produção que compense uma compra errada de insumo e uma venda errada de produto. Tenho que ter estratégia comercial, comprar bem e vender bem.

GR - Mas, para o produtor conseguir aproveitar os bons momentos, ele não precisa ter recursos?

Luz - Essa é a grande chave da questão. Não adianta eu saber que, naquele ano, o melhor momento de comprar os insumos é em determinado mês se não tenho dinheiro para comprar. E não adianta eu saber o melhor período para vender meu grão se não tenho caixa para chegar lá. Então, eu tenho que ter caixa para comprar insumos quando eu julgo ser o melhor momento, e tenho que ter caixa para segurar o produto para vender quando é o melhor. Caixa é o nome do jogo. Se não tiver uma boa gestão de caixa, não há produtividade que eu vá atingir que possa compensar a compra errada e a venda errada aqui. Se só compro insumos quando consigo e vendo a produção quando preciso, eu não estou tomando decisões, estou apenas executando o que a vida me oferece. Não estou pilotando o avião, sou passageiro.

Se só compro insumos quando consigo e vendo a produção quando preciso, eu não estou tomando decisões, estou apenas executando o que a vida me oferece. Não estou pilotando o avião, sou passageiro.
— Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul

GR - Para este ano, quais são os bons momentos de compra e venda?

Luz - Agora estamos em um bom momento para comprar fertilizantes. Com exceção da ureia, que entra em uma tendência de alta, os fosforados e o cloreto estão com tendência de baixa. Quando algo está em uma tendência de baixa e já caiu bastante, é hora de começar a comprar. Você não tenta acertar no olho da mosca com ela voando. Temos que fazer as compras quando o preço está caindo, não quando está subindo. Então, para fertilizantes, agora é um bom momento para comprar ou iniciar as compras. No caso da soja, acho que devemos vender no segundo semestre. Nós temos a entrada de uma safra no primeiro semestre, e, por mais frustrada que ela seja, ela é grande o suficiente para nossa infraestrutura de armazenagem e transporte, que é inadequada, não acompanha o crescimento da produção brasileira, o que faz com que os prêmios fiquem negativos. Veja que estou falando em comprar insumos agora e vender o produto depois. Mas, se eu não vender o produto agora, de onde vou tirar o dinheiro para comprar insumo? É preciso ter caixa.Isso significa que eu tenho que ter níveis de liquidez mínimos no meu negócio que permitam fazer isso.

GR - E se o produtor não tem liquidez, como ele pode agir?

Luz - Se não tenho liquidez no meu negócio, posso ter crédito. Mas ninguém vai me emprestar o dinheiro de graça. Eu vou ter que pagar juros. E toda vez que eu pago juros, eu estou diminuindo o meu resultado, o meu lucro. E tem uma outra coisa, a alavancagem, que é o quanto eu preciso pegar no mercado para satisfazer as minhas necessidades de caixa, para meu capital de giro. Quando os negócios passam de 30% de alavancagem, eles começam a ter problemas.

GR - O produtor rural brasileiro está muito alavancado?

Luz - Alguns produtores estão. Vários produtores do Sul, os gaúchos especialmente, com certeza, porque passaram por dois anos de estiagem e tiveram que renegociar dívidas, o que aumenta a alavancagem. No restante do Brasil, alguns aproveitaram os bons períodos que tivemos de safra e de preço para capitalizar o seu negócio e reduzir a alavancagem. Mas há aqueles que partiram para projetos de expansão sem uma devida avaliação econômica e financeira.

GR - Como o produtor deve planejar investimentos em expansão, como compra e arrendamento de terras, ou em infraestrutura, como maquinário, irrigação e armazenagem?

Luz - Existem investimentos que são relativamente pequenos, como “vou substituir uma colheitadeira”. Esses devem ser feitos por necessidade. Agora, existem investimentos para expansão, como aumentar a área irrigada, arrendar ou comprar terra. Esses investimentos seguem uma regra exatamente igual a qualquer empresa urbana: é preciso fazer uma análise de viabilidade econômica desse investimento. Vou ter que ligar o projeto ao meu caixa. Vou ter capital de giro para tocar esse negócio? Então tem que saber o tamanho do capital de giro, o quanto dele é suprido pelo próprio negócio e quanto tem que buscar no mercado, e com isso conhecer o índice de alavancagem e o índice de liquidez, e essas coisas são essenciais de serem conhecidas antes de se fazer o investimento. Não posso fazer o investimento e depois ver. Tenho que primeiro ver se o meu negócio, a partir dos meus indicadores, suportam fazer aquele investimento. Acho que esse é o grande futuro do agronegócio brasileiro, é saber medir as coisas do ponto de vista financeiro. O produtor mede fertilizantes, defensivos, regulagem das máquinas, mas a parte financeira não tem a adequada mensuração.

O produtor mede fertilizantes, defensivos, regulagem das máquinas, mas a parte financeira não tem a adequada mensuração.
— Antônio da Luz, economista-chefe da Farsul

GR - Qual o nível da educação financeira do produtor brasileiro em comparação com os de outros países? E como ele pode buscar essas informações?

Luz - A grande diferença do produtor brasileiro para o norte-americano, por exemplo, não é a produção, somos iguais ou melhores do que eles, até porque a gente produz duas ou três vezes no mesmo hectare. Mas a diferença na gestão é muito grande. É normal um produtor americano ter balanço, demonstrativo de resultado de exercício, demonstrativo de fluxo de caixa, que são os principais instrumentos contábeis para fazer análise financeira do negócio, além de ser informações necessárias para apresentar ao mercado na hora de buscar recursos. Aqui no Brasil, a gente tem ainda um grande contingente de produtores que nem sequer apura corretamente o custo de produção. Um setor que fatura mais de R$ 1 trilhão por ano precisa ter balanço patrimonial, demonstrativo de resultado de exercício, de fluxo de caixa, para saber o que fazer. Assim como existem os agrônomos para ajudar na parte da produção, existe uma série de empresas, economistas e administradores para ajudar nessa parte.

Globo Rural - As soluções de crédito do mercado de capitais ainda estão distantes do produtor?

Luz - O mercado de capitais ainda não é muito claro para o produtor rural. Hoje, temos mais de R$ 100 bilhões financiando o agronegócio a partir de CRAs (Certificado de Recebíveis do Agronegócio). Temos mais de R$ 30 bilhões nos Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais). Poucos produtores são os que fazem CRA, só os muito grandes. Mas o mercado de capitais está financiando a maioria deles. Quando compro insumos em uma revenda e vou pagar só quando eu colher, alguém está financiando aquilo, e não é a revenda, na maior parte dos casos, ou a multinacional. É o mercado de capitais, uma vez que a empresa de insumos fez CRA que financiou para que aquele produtor pudesse pagar com os juros do Plano Safra. Quando se pega dinheiro de uma cooperativa, tem uma boa chance daquele dinheiro ter vindo do mercado de capitais. Só que o produtor pensa que quem está financiando é a revenda, a cooperativa, mas na verdade é o mercado de capitais. E por que os produtores não fazem direto as operações? Porque precisa melhorar muito a parte financeira deles de comprovação. Tem que ter balanço, demonstrativo de resultado de exercício, de fluxo de caixa, precisa desses instrumentos contábeis, e essa não é a nossa realidade. Todos os produtores deveriam ter isso, pois é muito mais fácil de fazer do que plantar, tratar e colher.

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