Unir produtividade e rentabilidade à qualidade do solo na lavoura ainda é um desafio para a agricultura brasileira. No Paraná, Estado considerado o berço do plantio direto no Brasil, um experimento que vem sendo conduzido por pesquisadores da Fundação ABC há 35 anos mostra que é possível trabalhar esses aspectos em conjunto. Continuar lendo “O aprendizado principal é que hoje, com a tecnologia e as variedades disponíveis, é possível englobar esses dois mundos, por meio de intensificação dos sistemas agrícolas, onde se consiga ter plantas de cobertura, de boa qualidade, de boa eficiência e também ter mais colheitas ao longo do ano”, explica Hélio Joris, pesquisador e coordenador do setor de Fitotecnia e Sistemas de Produção da Fundação ABC. A pesquisa vem sendo desenvolvida pelo setor liderado por Joris em parceria com os setores de Solos e de Economia Rural da fundação. O coordenador reforça que, sem qualidade do solo, não há produtividade, nem rentabilidade. “Essas coisas andam juntas. Se o produtor não investir na qualidade do solo, todo o sistema dele estará comprometido”, diz Joris. Outro ponto destacado no estudo é que a rentabilidade está relacionada à quantidade de colheitas que se tem no ano. Porém, esse ponto deve ser avaliado criteriosamente. “Às vezes, o sistema menos interessante para a qualidade do solo acaba sendo muito rentável, enquanto há sistemas muito interessantes para o solo que perdem em rentabilidade”, adverte Joris. Pesquisa Durante o experimento, que teve início em 1989, foram observados dados relativos a esses três aspectos centrais - produtividade, rentabilidade e qualidade do solo. Próximo ao fim do período de 35 anos, os pesquisadores realizaram análises do solo em até 3 metros de profundidade, comparando diferentes sistemas de rotação de culturas. O estudo gerou dados históricos inseridos no ensaio “Impacto dos sistemas de produção na rentabilidade e saúde do solo: aprendizados de um experimento de 35 anos”, que serão utilizados para dar indicativos e direcionamentos aos produtores rurais que fazem parte das cooperativas mantenedoras da Fundação ABC - Frísia, Capal e Castrolanda -, assim como agricultores contribuintes. “É o estudo mais antigo do Brasil e do mundo sobre plantio direto. E tem caráter prático, voltado à realidade dos produtores”, explica Joris. Entre os sistemas de rotação avaliados estão trigo e soja - culturas tradicionais da região dos Campos Gerais - e outras variações incluindo milho, ervilhaca, aveia, azevém e alfavaca. Em cada um dos sistemas foram determinadas no solo as medidas de potássio, enxofre, carbono, fósforo e alumínio. “De modo geral, o melhor sistema é aquele que vai conferir a maior rentabilidade possível, sem comprometer a qualidade do solo - no mundo ideal, ainda melhorar a qualidade do solo -, tornando a agricultura sustentável a longo prazo”, resume. O sistema agrícola com rotação entre trigo e soja, com adoção de plantio direto, em solo de alta qualidade e área plana, foi o mais rentável. Porém, os sistemas mais diversificados, incluindo outras culturas e leguminosas de cobertura, foram mais interessantes para a saúde do solo nos quesitos biológico, físico e químico. “É válido adotar o conceito de intensificação sustentável, com duas culturas durante o período de verão, como milho e feijão safrinha, soja e milho safrinha, soja e feijão safrinha, feijão e milho safrinha, em regiões que o clima permite fazer isso”, recomenda o pesquisador. Nesses sistemas, o alerta é que o solo será bastante explorado, por isso, o produtor precisa ter preocupação em relação à correção do solo, com uso de plantas de cobertura e com sementes de qualidade. Joris comenta que o experimento também reforçou conceitos bem estabelecidos em relação ao plantio direto, como a necessidade de palhada, de diversificação de espécies e de manter raízes vivas o maior tempo possível em um sistema. “A ideia é aproveitar cada minuto de tempo, entre as janelas entre as culturas de grãos, para ajudar na qualidade do solo”, acrescenta, lembrando que a escolha do sistema agrícola depende do tipo de solo, clima, configuração econômica e perfil da propriedade. Os resultados do experimento foram compilados e apresentados durante a programação do 27º Show Tecnológico Verão, da Fundação ABC, nos dias 21 e 22 de fevereiro, em Ponta Grossa. O evento foi aberto ao público em geral, com entrada franca. A iniciativa visa divulgar as ações e as pesquisas da instituição. Pesquisador holandês Hans Peeten foi o responsável por trazer a técnica do plantio direto para a região dos Campos Gerais do Paraná — Foto: Carolina Mainardes / Globo Rural Pioneiro O pesquisador holandês Hans Peeten, responsável por trazer a técnica do plantio direto para a região dos Campos Gerais do Paraná, por meio da atuação na Fundação ABC, participou da apresentação do experimento. “Se o produtor cuidar do solo, a produção vem”, afirmou Hans, em entrevista à Globo Rural. Atualmente ele vive na Holanda e lembrou das dificuldades do desenvolvimento de lavouras em municípios da região dos Campos Gerais, devido a solos pobres e vulneráveis à erosão - problemas que culminaram no surgimento do plantio direto. Ele reforça que o processo continua muito eficaz até hoje. “Palha é o que precisamos para proteger o solo contra a erosão. Se o produtor quer ter uma agricultura saudável para as futuras gerações, tem que pensar nesse sistema”, afirma Peeten. Da iniciativa do holandês, no início da década de 1970, surgiram as ferramentas para o plantio direto sustentável, possibilitando a implementação do sistema de rotação de culturas adaptadas às condições regionais. Para ele, o desafio agora é unir o plantio direto na palha à agricultura de precisão. “Eu vejo muito futuro nisso, mas ainda há muitos detalhes para melhorar”. O pesquisador ressaltou a importância de dados gerados por análises de longo prazo, como o estudo da Fundação ABC, quando se trata de manter o solo sadio, questão fundamental para se obter produtividade e rentabilidade no campo. “A política pública nem sempre agrada aos produtores - e isso ocorre no mundo todo, veja quantas manifestações vêm ocorrendo. Então, é o próprio produtor que tem que investir na sua atividade”, analisou. Pecuária A região dos Campos Gerais concentra uma das principais bacias leiteiras do país. Por isso, o estudo direcionou os pesquisadores da Fundação ABC para outro ensaio, iniciado há dois anos, focado na pecuária e na alimentação do gado de leite, com base em descobertas do experimento que começou há 35 anos. O experimento do plantio direto também terá atualizações de acordo com a realidade atual dos produtores. “O estudo vai continuar sendo conduzido, porque é uma raridade, na pesquisa, ter um ensaio de longo prazo. É um grande patrimônio que a gente tem, pois há aspectos que só são possíveis de observar, principalmente no solo, quando se fica mais tempo avaliando e testando tecnologias”, considera Joris. Ele acrescenta que, em outros países como Estados Unidos e Inglaterra, há estudos em andamento com mais de 100 anos - o que não seria possível no Brasil tendo em vista a “juventude da nossa agricultura”, define o pesquisador, “mas podemos chegar lá”. Mais recente Próxima Indícios de falhas colocam Proagro na mira do TCU