Todo ano surge uma nova tendência ligada à práticas de saúde mental e física para ajudar a gente a tentar sair daquele habitual estado "à beira de um ataque de nervos". Já tivemos o hype dos retiros de 10 dias sem falar, o detox dos 21 dias sem carne e sem álcool… E agora, em 2024, parece que a trend é retirar outro elemento tóxico de nossas vidas: os homens.
Quem começou esse movimento de detox dos boys foi a atriz e comediante americana Hope Woodward. Com apenas 27 anos ela já sentiu que precisava de um rehab emocional e ganhou milhares de seguidores no TikTok e em seus shows "pregando" sobre os benefícios desse tipo de limpeza afetiva. A proposta dela é ficar 365 dias sem nenhum tipo de relacionamento, teretetê, paquera virtual, paixão platônica, sexo ocasional ou outras conexões com o sexo masculino que nós tanto realizamos.
'Você não é solteira se alguém está ocupando seu espaço cerebral', defende Hope. A rigidez nas regras faz sentido, porque a verdade é que a grande maioria de nós está sempre com o radar da paquera ligado. Por mais que a gente não esteja querendo namorar, fomos educadas para validarmos nosso valor ao sermos desejadas. Cinderella já nos ensinou que a princesa é aquela que é escolhida e a professora Valeska Zanello estuda hoje as questões de gênero e afirma que vivemos em uma grande "prateleira dos homens": as mais magras, jovens, caucasianas, ricas estão na posição de destaque e, conforme vamos saindo do tal "padrão" entramos naquelas gôndolas do saldão e muitas vezes oferecemos nosso coração à preço de banana com medo de ficarmos sozinhas e virarmos maracujá de gaveta naquele atacadão do amor.
Queremos ser olhadas, paqueradas, escolhidas… Quem nunca voltou para casa se sentindo um lixo porque não foi xavecada por ninguém (mesmo que você não tenha achado ninguém interessante na balada) ou porque o cara com quem você está meio enrolada há 2 meses está a 3 dias sem ver seus Stories? E nessa lógica passamos grande parte de nossa vida romântica desejando ser desejadas, sem nos questionarmos sobre o que realmente desejamos do outro, da relação, do amor. Fomos educadas para agradar, cuidar, entender, esperar. Bonequinhas, mais ou menos de luxo, cada uma de nós já se viu em muitos momentos moldando sua rotina e seus sonhos ao roteiro do cara – ou melhor, ao que nós achávamos que o cara esperava da gente. Na tentativa de conquistarmos o posto fixo de "+1" acabamos perdendo muito, e amargamos os saldos emocionais negativos.
Aponto isso porque quando se fala de "Boy Sober" o movimento mais comum é se unir pra falar mal dos caras – nada conecta tanto as pessoas quanto um inimigo comum. É como se essa abstinência fosse para se livrar da toxina "homem" quando, na verdade, prefiro nos provocar a pensar que o detox mais eficiente pode ser da toxina "dinâmicas de relações" e, nesse campo, nós também somos responsáveis.
Sim, são tempos difíceis para o amor. Estamos exaustas. Exaustas de acumularmos insônias, gastrites e crises de ansiedade pelo acúmulo das toxicidades de relacionamentos confusos, rasos, abusivos, interrompidos com cortes secos, presos no limbo do "ficante sério" que não é namoro e todos os outros exemplos que você que me lê já deve estar elencando na sua cabeça ao repassar rapidamente os últimos meses de sua vida paquerativa. Estamos exaustas de caras que tem pavor à palavra namoro e a planejar o próximo fim de semana juntos; exaustas de homens imaturos, indisponíveis, falsos disponíveis, inconstantes, machistas e pouco interessados em nossas vidas. Como cunhou e escritora Asa Seresin em 2019, vivemos em tempos de hétero pessimismo.
Heteropessimismo seria essa sensação coletiva de decepção e desesperança com as relações heterossexuais. São tantas frustrações acumuladas que chegamos a uma espécie de burn-out emocional. O perigo deste cenário é vivermos num grande campo de batalha "nós vs. eles", onde encaramos todos os homens como sacanas em potencial e nós, heroínas guerreiras, que querem vencer o mal. Esse lugar de vítima é confortável, né? Mas, não resolve a sensação de solidão e nosso desejo de construir vínculos românticos. Nos mantermos fixadas nesse discurso de que todos os caras são iguais e que é uma "maldição gostar de homem hétero" (como disse Lourdes Maria, filha da Madonna) só nos mantém numa atmosfera de ressentimento, apreensão e tensão. Nesse estado estaremos sempre alertas: cortisol nas alturas, coração acelerado e um faro aguçado para ler sinais de perigo – toda mensagem visualizada e não respondida vira o presságio de um desinteresse, toda recusa ao cinema de quinta-feira à noite se torna indício de que ele não quer nada sério, e por aí vai.
Existe remédio?
A maior parte das mulheres que adotou esse movimento do "Boy Sober" diz que está buscando clareza emocional e que quer usar toda a energia – que antes estava focada em ver se ele estava online ou se ia te apresentar pra família – em prol de prazeres, hobbies e sonhos próprios. É como se estivessem se livrando das bruxas do mal para trilharem seus próprios caminhos em estradas de tijolos amarelos reluzentes de autoestima e autoafirmação.
Daria Yasmine, colunista americana da publicação Popsugar também aderiu à tendência com o seguinte argumento: "Quero fazer um esforço consciente para me colocar em primeiro lugar em todas as facetas da minha vida. Estou planejando me concentrar nas coisas que mais me trazem alegria, seja escrever, viajar ou apenas passar tempo com meus amigos e familiares. Quero trabalhar ativamente em direção às metas que estabeleci para minha versão de 25 anos porque, se formos todas honestas, namorar é uma distração até mesmo para as pessoas mais focadas."
É lindo nos permitirmos um processo de reconexão com nossos desejos, necessidades e vontades. Também acredito que seja muito potente descondicionarmos nosso "paladar emocional" a achar que só o amor romântico é que tem gosto delicioso e alimenta de verdade. Ter tempo para nutrir relações de amizade, de família e de trabalho faz com que aprendamos outros dialetos do amor e entendamos que existem sim vínculos feitos com respeito, escuta mútua, acolhimento… Onde a gente não precisa ter medo de querer demais, sentir demais, falar demais. Nesses outros afetos os excessos cabem sem moderação e sem ressaca moral.
Mas, como psicanalista, tenho que alertar para os riscos de estarmos transferindo a idealização de um objeto para o outro. Saímos de uma dinâmica que nos esgotou, pois colocamos o homem amado como objeto idealizado e, assim, esvaziamos nosso eu e condicionamos nossa relação ao fato de sermos aceitas por eles e, agora, estamos nos transformando nos nossos próprios objetos de idealização.
Hiperfocar no trabalho, na sua rotina saudável, nas suas metas e sonhos é uma grande fuga da realidade e também uma armadilha da idealização que fatalmente se esfacelará e te fará dar de cara com a sua própria angústia, a falta, a dúvida… Me preocupo quando vejo depoimentos como o da Tik Toker portuguesa Mariana Garrido Costa, que tem um vídeo bombado dizendo 'POV: você está vivendo sua melhor vida porque está sóbria e não há absolutamente nenhum drama em sua vida' ou 'Eu estava sóbria em 2023 e agora não sei como deixar isso para lá porque gostei muito da paz e do sossego', expresso por uma das fãs de carteirinha de Hope Woodward, propagadora do termo Boy Sober.
Não existe vida sem drama. Não existe vida só composta por paz e sossego. Isso se chama escapismo, e é um movimento tão infantil quanto o ghosting do boy de quem você quer se desintoxicar. Byung-Chul Han diz que vivemos numa sociedade de cantos arredondados – uma sociedade paliativa, que tenta tirar a fricção. A provocação que quero trazer para toda a mulherada que tem achado 100% saudável fazer a tal abstinência de homens pra ter a tal vida que contemple seu bem-estar e realizações é: será que a gente precisa mesmo ficar 365 dias sem nenhuma relação com nenhum cara para conseguir aprender a dizer não e validar nossas necessidades? Acredito mais no nosso poder de transformação conjunta.
Se dar um tempo pra digerir a última fossa é um recurso de saúde pública que eu mais que recomendo. Essa prática ajuda e muito, pois evita que a gente entre no tal heteropessimismo, carregando a indigestão afetiva do bolo anterior para o próximo beijinho. Se dê umas semanas, talvez meses, mas não se isole totalmente. Podemos fazer desintoxicações mais potentes juntos. Homens e mulheres. Tirando os caras do papel de vilões e nós do papel de heroínas exaustas. Teremos que aprender a conversar para achar caminhos juntos e não culpados. Aprender a sustentar o estranhamento, o desconhecido, as oscilações e os silêncios que vem no começo de qualquer relação… Eu sei que isso angustia.
Precisaremos aprender a sustentar a angústia, falando sobre ela, dando espaço para ela. E não eliminando toda paixão que nos cause ela. Teremos que ser corajosas para quebrarmos nosso próprio ideal de boas namoradas e ousarmos criar climão, faltar em compromissos dele e discordar. A gente coloca essa dificuldade toda na conta do julgamento do cara mas, trazendo você para o divã te digo que parte da dificuldade está também em lidar com a desconstrução do seu ideal narcísico. Eu sei que dá medo, mas é libertador.
Não existe amor sem medo. Não existe amor sem angústia. Não existe amor sem um pouco de entorpecimento. Assim como aprendemos a beber com moderação, podemos também aprender a nos relacionar com moderação, intenção, cooperação e presença. Esquece o gosto amargo que ficou na boca por conta do seu último relacionamento. Se dê um colo, uns dias e uns mimos pra curar essa ressaca. Passado esse tempo, se encontre com o cara novo entendendo que ele é outra pessoa. E se proponha você também a ser diferente. Menos refém do papel da apaixonada que quer sempre agradar e mais experimentadora da apaixonada que quer que seja bom para os dois e, para isso, vai também colocar suas necessidades e desejos na roda.
Eu realmente não acho que a gente precise de um detox dos homens e sim dos nossos papéis e padrões doentios das relações que são transmitidos ao longo de gerações. E você, me conta sua opinião?